21 novembro 2005

Na hora da despedida: a paixão de pensar

Tenho que confessar que os blogs nunca foram meio de intervenção que me seduzisse particularmente.
No entanto, gostei desta efémera experiência blogueira.
Notei, com pena ou defeito meu, que a magistratura portuguesa continua a ver inimigos em todo o lado, a chutar para fora tudo o que são críticas justas e a fazer vista grossa aos temas que a poderiam melhorar (e a blogosfera seria aí um interessante campo de análise…).
Espero ter honrado minimamente o nome dessa grande e inconformista figura da magistratura que foi Casamayor. O nick esse vai ficar sempre guardado comigo.

Deixem-me, para terminar, referenciar um livro que li recentemente, já antigo mas não editado entre nós, do grande historiador italiano Carlo Ginzburg intitulado Il formagio e i vermi Il cosmo di un munaio del’ 500 (O Queijo e os Vermes- o mundo de um moleiro do século XV).
Trata-se da extraordinária e verídica história de um moleiro, resgatado do esquecimento por Ginzburg, que no século XVI foi julgado como herege e condenado à morte pelo Tribunal da Inquisição.
De seu nome Domenico Scandella, conhecido por Menocchio, este moleiro defendia uma singular cosmogonia segundo a qual “tudo era um caos, isto é, terra, ar, água e fogo juntos, e de todo aquele volume em movimento se formou uma massa, do mesmo modo como o queijo é feito do leite, e do qual surgem os vermes, e esses foram os anjos”.
Ginzburg, através do processo que lhe foi movido, reconstrói a visionária mente deste estranho moleiro o qual, confrontado com os seus julgadores, confessou a solidão do seu pensamento e o pesar de não ter com quem dividir a dúvida, dizia ele que se o tivesse “falaria tanto que iria surpreender… Se me fosse permitida a graça de falar diante do papa, de um rei ou príncipe que me ouvisse, diria muitas coisas e, se depois me matassem, não me incomodaria”.
Menocchio não recuou perante a Inquisição.
Foi depois mandado matar por ordem directa do papa Clemente VIII.
Neste nosso mundo ambivalente de liberdade de expressão e de apatia, trata-se de uma extraordinária lição de coragem, de um homem vulgar, que tinha o estranho vício de pensar, de ter dúvidas e de as expressar.

Um abraço

13 de Novembro de 2005

Casamayor

4 comentários:

josé disse...

Casamayor:

Creio que está a ser algo injusto.
Não gosto de assumir o papel de magistrado pela simples razão que de aqui não o posso ser. Lógica simples.

Mas tenho um sentido de justiça que é o meu e que procuro aplicar e que tem a ver com o equilíbrio das balanças.

Se nós vemos um dos pratos a periclitar para um lado e podemos fazer algo para equilibrar e dar a cada um aquilo que lhe pertence, acha que devemos ainda mais, colocar pesos no prato desequilibrado, ou tentar de algum modo nivelar o discurso para encontrar as razões para as questões.

Diz que os magistrados vêem inimigos em todos?!
COmo isso se apenas se defenderem precisamente de ataques inimigos?!

Uma defesa trasmuda-se num ataque?!

Quem atacou estes meses todos as magistraturas?! Foram "todos"?!

Não! Foi um ministro; um governo e com apoio de alguns media.

O que devem fazer os magistrados?Comer e calar, só porque a populaça e o "publico" acha que o ministro tem razão e os magistrados são mesmo uns privilegiados?!

Dê-se ao menos o benefício da dúvida e quem julga, ou seja, "o público", saiba ver os lados da questão que é complexa.

Por mim falo: a falta de razão do ministro, não confere automaticamente razão a quem se defende e o ataca por causa disso. Mas julgue-se a questão com todos os elementos. E procure-se destrinçar o essencial do acessóro.

Vai ver, Casamayor que as coisas não são o que parecem.

Primo de Amarante disse...

Gostei imenso do texto. Ele interpela o que no fundo de todos nós existe: “um velho do restelo”.
A inquisição foi uma arma de defesa do "dogma", uma arma terrível. Rousseau, no "Emílio" tem um capítulo dedicado à "Profissão de Fé do Vigário da Sabóia". Nela é negado o pecado original e é posta em causa a instrução religiosa. O livro foi queimado e Rousseau foi acusado de afrontar os filósofos e, por isso, banido dessa comunidade de intelectuais.
Rousseau bem quis explicar donde induzia as suas ideias e referir o missionário Lascasas que lhe falara da bondade natural dos indígenas. Mas ninguém lhe deu ouvidos.
Dos teólogos que quiseram meter Rousseau na prisão, já ninguém ouve falar. No entanto, as ideias de Rousseau fizeram o seu próprio caminho independentemente do pensamento correcto do tempo. A ideia religiosa de mal (ligada ao pecado original) foi, contra ventos e marés, sendo abandonada e, graças a Rousseau, o mal passou a ser entendido como um problema humano (e não de castigo divino).
A viragem de paradigma não foi feita pelos tribunais, nem pela teologia, mas pela medicina. Rousseau pensou que se poderia curar o mal como se curam outras enfermidades. O mal passou, então, a ser um problema da educação, da sociologia; em suma, das ciências humanas. Esta viragem teve efeitos profundos na forma de organizar a vida em sociedade, provocando continuadas reflexões em todas as ciências humanas. Quanto devemos ao pensamento contra-corrente de Rousseau nunca será totalmente avaliado.
A história dá-nos exemplos interessantes que demonstram à saciedade a importância das ideias diferentes. Se aceitássemos partilhar essas ideias (que tantas vezes põem em causa as nossas convicções) talvez nunca precisássemos de nos colocar á defesa.

Kamikaze (L.P.) disse...

Nunca tive grandes ilusoes acerca da permanencia de Casamayor na blogoesfera por mais do que um curtoperiodo de tempo. Sabia que este nao era o seu "meio natural".
Contudo lamento que nos deixe tao cedo: sao raras as vozes capazes de fazer a diferença e eu sou dos que acreditam que a blogoesfera e bom veiculo para ela!
Mas como sao poucas as coisas defintivas, quem sabe como e onde voltaremos a ouvir o pensamento do blogger Casamayor?

Como administradora do Incuroes agradeço a colaboraçao de alto nivel prestada e que muito pretigiou este blog.
Como amiga, aqui deixo um grande abraço e votos de que a voz nao te doa, onde quer que seja desde que em LUGAR AUDIVEL!!!

M.C.R. disse...

eu não sei quem é esse Casamayor. Nisto de casas só conheço o Casanova e sinto-me bem servido. Todavia este Casamayor tinha duas coisas que muito me tocavam: escrevia bem e dizia coisas extremamente inteligentes. Bem, extremamente, não, porque se assim fosse eu não as compreenderia.
Lamento que se vá. Faz mal.
E não sabe o que perde. Um grupo de desconhecidos leitores que volta e meia dizia: o sacana do gajo acertou na mouche! este mundo dá para tudo inclusivamente para , de vez em quando, mandar para um blogue, uma blague ou uma bomba de profundidade.