13 novembro 2005

Nunca é tarde para lembrar

Foi com espanto e horror que vi, no passado dia 13 de Outubro, o (não direi nosso) primeiro-ministro exercendo o seu direito de voto na Covilhã.
A minha surpresa foi grande e para me assegurar que não me enganara, consultei o Diário Digital que narrava assim:
"Em declarações aos jornalistas depois de votar na Escola Básica do Rodrigo, na Covilhã, José Sócrates sublinhou o facto de não se registar «até ao momento qualquer incidente, nem qualquer boicote»."
Ainda pensei, o que não justificaria a surpresa, que o Engenheiro Sócrates tivesse nascido na Covilhã mas, acedendo ao portal do governo, pude apurar que o "Primeiro-Ministro (...) José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa [era]Nascido em Vilar de Maçada, concelho de Alijó, distrito de Vila Real, em 6 de Setembro de 1957". Estranhei ainda mais e, curioso, decidi consultar alguma legislação que me elucidasse.
Esclarece o artigo 1º da Lei nº 13/99, de 22 de Março, na redacção dada pela Lei nº 3/2002, de 8 de Janeiro que: "o recenseamento eleitoral é oficioso, obrigatório, permanente e único para todas as eleições por sufrágio directo e universal...", aditando o nº 1 do art. 3º que "Todos os eleitores têm o direito e o dever de promover a sua inscrição no recenseamento...". Ao exposto acresce o disposto no nº 1 do art 9º do mesmo diploma que determina que "Os eleitores são inscritos nos locais de funcionamento da entidade recenseadora correspondente à residência indicada no bilhete de identidade...". Quanto a esta norma, esclarece Jorge Miguéis, comentador da lei, que "o objectivo desta opção é claro: fazer corresponder com rigor e verdade o local de inscrição no RE com o local de residência legal (habitual) do eleitor. De outra forma - para além da incorrecção formal, já de si grave - poderia subverter-se, de forma intolerável, a distribuição dos mandatos para os vários órgãos electivos."
Ora, de há muito que o Sr. Engenheiro José Sócrates, ex Secretário de Estado do Ambiente, Secretário Geral do Partido Socialista e, presentemente, Primeiro-ministro de Portugal aparenta (segundo toda a comunicação social) residir em Lisboa, onde tem, inclusivamente, nesta última qualidade, a sua residência oficial.
Mas, dir-se-á, nada de errado terá ocorrido, de acordo com a lei do Recenseamento Eleitoral, desde que não haja desconformidade entre a residência do recenseamento e aquela que consta do bilhete de identidade do cidadão José Sócrates. Todavia, é aqui que a porca torce o rabo, uma vez que, segundo reza a "Lei n.º 33/99 de 18 de Maio (Alterada pelo Decreto-Lei nº 323/2001, de 17 de Dezembro e pelo Decreto-Lei nº 194/2003, de 23 de Agosto) no nº 2 do seu artigo 1º, "A identificação civil observa o princípio da legalidade e, bem assim, os princípios da autenticidade, veracidade, univocidade e segurança dos dados identificadores dos cidadãos." Fazendo acrescer o artigo 11º deste corpo normativo que "A residência é indicada no bilhete de identidade segundo as declarações do requerente, mediante a inscrição da freguesia e do concelho em que se situe..."
Ou seja, um dos princípios fundamentais do regime da identificação civil é o da veracidade. Quer isto dizer que qualquer cidadão está obrigado a indicar com verdade os seus elementos identificadores, entre os quais se conta a residência, por força do plasmado na al. f) do art. 5º do Decreto-Lei que vimos citando. Isto é, se o cidadão Sócrates reside em Lisboa, estará proibido de ter no seu bilhete de identidade qualquer outro local de residência que não este e, por arrastamento, deveria encontrar-se recenseado, igualmente, em Lisboa e não em qualquer povoação com a qual mantenha relações afectivas mas na qual não reside.
Como vimos, a lei do recenseameno eleitoral, apelando ao elemento formal que é o averbamento constante do bilhete de identidade, pretende criar as condições para que cada cidadão exerça o seu direito de voto no local do seu recenseamento, o qual deverá corresponder ao da sua efectiva residência. Quando algum cidadão frustra este escopo legal, está a agir de forma, no mínimo, ilícita (se não ilegal) e sendo um cidadão com responsabilidades acrescidas, a dar um péssimo exemplo aos seus concidadãos.

João Pê

5 comentários:

o sibilo da serpente disse...

Há dias, escrevi aqui que andava numa fase de observação de coisas pouco importantes. Não estou só. O autor do postal em comentário está pior do que eu, com a agravante de que gasta tempo a estudar a legislação que sustenta uma observação pouco importante. Que me desculpe o autor, mas o exemplo que dá para bater em Sócrates (em quem não votei) é muito fraco.
Eu resido - de facto e oficialmente -vivo numa ponta de Gaia (Afurada), trabalho no Porto e sou recenseado em Soalhães-Marco de Canaveses. Por acaso, não sabia que era uma situação ilícita ou ilegal. Mas também não será por isso que vou mudar o recenseamento. Até porque sou o eleitor nº 6 da minha feguesia e gosto de ser, por muito que seja um transtorno ir votar. Mas é uma forma de continuar nas raízes... Não vejo que esta seja uma questão grave.

Primo de Amarante disse...

E a situação de Avelino Ferreira Torres!!!..... Era presidente da Cãmara do Marco, tinha casa no Marco e oficialmente residia e votava no Porto. E, por via disso, recebia ajudas de custo pelas deslocações ao Marco. Tudo isto aos olhos de todas as instituições por onde tinha de declarar a sua situação, nomeadamente os Tribunais.

jcp (José Carlos Pereira) disse...

Subscrevo o que diz o meu amigo carteiro. Resido no Porto, na freguesia de Paranhos, e todos os meus documentos têm essa morada, com excepção do cartão de eleitor.
Também sou eleitor em Soalhães, Marco de Canaveses, a minha terra natal. Nunca mudei o meu recenseamento por causa ...das raízes e também por ser o local aonde sempre me senti mais ligado politicamente. Se havia projecto político a nível autárquico que merecesse a minha intervenção, isso só aconteceria no Marco.
Assim, se Sócrates precisar de mim como testemunha em algum processo...

Mocho Atento disse...

E porque é que não se acaba de vez com o cartão de eleitor. Se o documento que prova a cidadania é o bilhete de identidade, porque não se faz constar do b.i. a residência e o referido documento passa a ser válido para efeitos de exercício do direito de voto.


Haverá já qiuem venha a correr contra o Docmento ùnico. Precisamos de burocracia para alimentar a função pública. Há que inventar problemas para se tentar arranjar soluções.

Esquecia-me que, pelos vistos, os b.i. não são de confiança em Portugal. Qualquer terrorista de segunda os arranja (se se seguir o exemplo dos passaportes).

Kamikaze (L.P.) disse...

Estou a preciar muito esta sua "onda", caro mocho, "onda" expressa neste comentario e nos seus dois ultimos posts. Força!