06 dezembro 2005

Independência e interpretação da lei

Excertos do refrescante post de ontem, da autoria do Juiz Conselheiro António Henriques Gaspar, a ler na íntegra no blawg Sine Die.

"A Justiça, não por boas razões, continua no centro da opinião." (...)
"Os jornais do fim de semana publicam algumas intervenções de comentadores que devem impor a todos, na serenidade da exigência, um momento de reflexão. É que, sem apriorismos nem preconceitos, teremos de reconhecer, com rigor democrático, que boa parte dos elementos críticos poderiam, na substância, ser subscritos por muitos de nós.
Começando por nos questionar a nós próprios, antes de tudo o mais, o que poderemos fazer, sem o exigir a outros responsáveis públicos, para alterar ou aceitar modificação de actuações e comportamentos que possa contribuir para a retoma da confiança abalada." (...)
"A função judicial, com a qual nas representações sociais são identificados os tribunais e o sistema de justiça em geral, resta o último garante dos direitos e liberdades dos cidadãos e do respeito pelos princípios fundamentais da vida comunitária. Mas, sendo assim, como é ainda interiorizado pelos cidadãos, então tem que ser afirmado o primado da lei como fundamento e única fonte de toda a legitimidade material e externa do juiz. Afirmar o primado da lei não é, porém, compatível com ideias que por aí andam soltas, mesmo no discurso de alguns responsáveis, que proclamam a liberdade (quando não dizem mesmo a total liberdade) do juiz na interpretação da lei.
Na interpretação da lei o juiz não é livre; está, bem em diverso, vinculado a critérios estritos, fundados em princípios fundadores sedimentados, para não cair no arbítrio e na inteira deslegitimação, afectando gravemente a segurança das relações e a igualdade dos cidadãos.
Mesmo na interpretação e integração de conceitos abertos como momento de interpretação da lei, que são deixados à prudente intervenção do juiz, este está vinculado a critérios de finalidade e de natureza. Independência não pode ser, neste sentido, liberdade de decisão; independência é decidir livre de influências, interferências ou de direcção interna e externa, mas com estrita vinculação ao dever de interpretar e aplicar a lei e os princípios de acordo com critérios objectivos, racionais, de finalidade e motiváveis.
A liberdade de consciência e de decisão não pode significar desvinculação de critérios e exigências objectivas. Com o sentido em que por vezes tem sido afirmada, a ideia produz desconfiança, receio de arbítrio. Perturba profundamente a confiança a reposição do aforismo «cada cabeça», ou a afirmação, tantas vezes repetida, de que há sempre várias interpretações da lei, frequente em alguns discursos sobre a normalidade do funcionamento da justiça." (...)

4 comentários:

Dr. Assur disse...

E assim vai continuar enquanto não for solucionada a separação de poderes que permite certas invasões pessoais aos "bem nascidos".

M.C.R. disse...

O Juiz conselheiro Gaspar veio apenas repetir algo que, no meu tempo, se bem me recordo, se aprendia nas aulas, ou seja que a liberdade do juiz tem claros limites. A mim o que me espanta é que seja necessário repetir isto. Mas devo estar a ir para velho.
Também não compreendi o comentário de Assur. Estou definitivamente velho.

C.M. disse...

Na interpretação da lei o juiz não é livre…afirma o Exmº Juiz Conselheiro António Henriques Gaspar.

Com efeito, temos de acautelar que não existam desvios na aplicação da lei. Na verdade, a existência do ordenamento jurídico, por si só, não garante o fim do Direito, qual seja, a Justiça.
É antes a aplicação de uma Hermenêutica Jurídica que aproxima o Direito da Justiça.
Ora, a Hermenêutica Jurídica desempenha uma função essencial no Direito.
Como ensinou São Tomás de Aquino, ao jurista é imprescindível, mais que aplicar a lei ao caso concreto, saber interpretá-la de modo a alcançar o justo.
Com efeito, a lei deve existir para servir o homem…
Aos profissionais do Direito cabe o estudo dedicado da Hermenêutica Jurídica, pois, mais importante que aplicar a lei ao caso concreto é saber porque se aplica a lei e fazer com que, dessa aplicação/interpretação, seja realizada a justiça.
A dignidade da pessoa humana assim o exige.

Creio que para a aplicação do Direito, ou a busca de uma solução para um dado caso concreto, seja através de uma sentença, ou de um parecer (universo mais meu conhecido) temos de nos servir da nossa própria reflexão cultural, filosófica e, porque não, religiosa.

De um conceito sempre presente da iminente dignidade da pessoa humana é que se retiram axiologias importantes para o Direito e para a sua aplicação concreta.

Delfim Lourenço Mendes, de Lisboa.

Informática do Direito disse...

Creio que para a aplicação do Direito, ou a busca de uma solução para um dado caso concreto, seja através de uma sentença, ou de um parecer (...) temos de nos servir da nossa própria reflexão cultural, filosófica e, porque não, religiosa.
Impec.
É exactamente isso.
E nessa reflexão tem que caber a humildade, a possibilidae real da nossa falibilidade e acima de tudo o sentido da justiça.