11 dezembro 2005

Previsibilidade frustrante

Já toda a gente compreendeu que os debates entre candidatos à Presidência da República reflectem meras estratégias de captação de votos, sem qualquer ideia mobilizadora do eleitorado. Percebe-se que Mário Soares jogue na lógica bipolarizadora, promovendo expectativas no que poderá acontecer no debate com Cavaco Silva. Mas essas expectativas só dizem respeito às emoções que o espectáculo pode despertar e pouca influencia terão na decisão do voto. Perdeu-se uma oportunidade única para o PS mobilizar os seus apoiantes em torno dos objectivos do Governo, promovendo um debate sobre o perfil do candidato a apoiar, no contexto dos problemas do país. Poderia ter feito como fizeram os dirigentes das organizações de esquerda em Itália que, tendo presente as eleições do próximo ano, decidiram submeter à votação do conjunto dos seus simpatizantes a escolha do seu candidato. Mas isso não foi feito. Os dirigentes do PS preferiram orientar as suas decisões pelo pragmatismo utilitário-eleitoral e, confiantes no poder da retórica de Mário Soares para vencer Cavaco Silva, decidiram desconsiderar o poeta que sempre desprezou os jogos aparelhistas. Esqueceram que a crise de confiança nos partidos é o reflexo do descrédito da retórica politica e do insuportável espírito aparelhista que faz do partido um grupo de interesses, o que aproveita a alguns poucos, mas frustra a boa-fé de uma grande maioria. Esqueceram que o pragmatismo utilitário eleitoral tem esvaziado de sentido o conceito de esquerda, levando a que muitos já não acreditem nessa retórica e se perguntem: se, para Mário Soares, o que ontem afirmou já não conta para hoje, será que o que diz hoje contará para amanhã?!....

Esta desconfiança instalou-se e já é difícil fazer crer que a mesma água pode passar três vezes debaixo da mesma ponte. O autismo do PS dividiu o Partido e criou condições para que Cavaco Silva ganhe as eleições na primeira volta. Mas, se for possível um milagre, que seja Manuel Alegre a ir à segunda volta e a ganhar as eleições. Poderá ser que isso obrigue os “donos” do PS a perceber que o autismo político que se alimenta do aparelhismo só tem prejudicado a inserção do PS na sociedade e defraudado a sua base de apoio.

JBM, in: Jorn. Noti. 11/12/2005

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