14 janeiro 2006

Au Bonheur des Dames nº 15

Ou nós os almoçamos
Ou eles nos jantam!
OU
A catástrofe iminente e os meios de a conjurar
(parte 2ª )

Desculparão as leitores gentis estes títulos tonitruantes mas hoje os jornais não me servem senão doses indigestas de notícias que, por eu não poder, não dever nem querer matar o mensageiro, me provocam a alteração dos humores biliosos e uma vontade enorme de desatar aos tiros em alguém ao meu alcance. Será inocente mas apanha chumbo grosso na mesma que o caso não é para menos.
E o caso é as gravações, a lista dos telefones, os nomes enfim a burrice supina que tudo isso parece trazer ínsito (é assim que se diz, colegas de Direito?).
Este blogue tem sido, é, espero, será uma instância de retemperação. Tem sido e, continuo a esperá-lo, continuará a ser um fórum de civilizada discussão dos temas que nos vão apaixonando, interessando ou surpreendendo.
E é isso que tem normalmente sucedido. E se digo normalmente é porque, algo anormalmente, aparecem uns comentários assinados por espécies várias ( um pinto, um dromedário, etc., etc....) que vão largando a sua bombinha de mau cheiro e desaparecem para reaparecer mais tarde baptizados por outro qualquer pseudónimo. São, repito, comentadores e não membros permanentes do blogue, identificados no respectivo sítio. E que dizem estes comentadores sobre a questão central que nos últimos tempos nos tem levado a intervir, ou seja sobre o estado da justiça, os ataques de que esta é vítima, as suas relações com o poder político e com o mediático, a situação dos operadores judiciários e por aí fora?
Ora bem, dizem pouco, ao lado, e refugiados em perguntas que são para já irrespondíveis, vão tecendo com habilidades de saldo, uma teoria da justificação do fait accompli, da justificação dos meios pelos fins esperados, confundindo manobras de baixa polícia com alarmes contra a “alta política”.
Para estes anónimos (e digo anónimos porque não se trata aqui de acrónimos de coisa alguma) comentadores há uma caça ao homem personificada na pessoa pouco sugestiva do actual Procurador Geral da República, senhor dr. Souto de Moura. E tal caça não finda aí mas antes pretende fazer uma razzia a la turca nos senhores procuradores da republica mormente na equipa que, em dia pouco inspirado, tomou conta do caso Casa Pia. E isso é instigado por uma repelente turbamulta de políticos esfaimados e pedófilos que se vêm impedidos de ferrar o dente cariado e mal cheiroso na carne tenra dumas inocentes criaturas à guarda da Srª Drª Catalina Pestana. E os políticos do P.S. têm-se excedido nessa inominável empresa, sob a batuta do ex-secretário geral, dr. Ferro Rodrigues que, consta, ter-se-á permitido num telefonema anódino dizer que “se estava cagando para a justiça”. E que, sem escutas telefónicas, o crime económico e a distribuição de droga se tornarão incontroláveis. Em resumo, dizem, ou pretendem dizer, estas admiráveis e anónimas criaturas, que a campanha contra escutas ilegais sem competente autorização judicial e adequada fiscalização, é uma campanha pelo crime, contra o Poder Judicial, contra a juventude desvalida etc., etc.
Ora comecemos pelo princípio como recomendava o imortal Professor Doutor Carlos Moreira, lente de Direito constitucional nos meus tempos de Coimbra menino e moço:
Ainda não apareceu uma única pessoa com um mínimo de credibilidade política, social ou ética a afirmar que quer a cabeça de Souto de Moura só porque este magistrado se atreveu a tocar nos intocáveis. A menos que se considerem intocáveis alguns políticos em situação de oposição e não ligados ao sector financeiro... E mesmo assim...
Também, grosseiramente, e fazendo dos cidadãos parvos, ou –e é o mesmo – tomando-nos por cretinos catatónicos – se afirma por aí que pôr em causa os cómodos métodos investigativos em uso é tirar o tapete aos esforçados magistrados e aos brilhantes agentes policiais que se esforçam por tornar a pátria mais limpa pelo recurso ao Omo sedutor da prisão preventiva.
Finalmente e misturando planos, toma-se a nuvem por Juno e transforma-se toda e qualquer manifestação pública de desagrado como um ataque às magistraturas.
Pior, a frase atribuída a Ferro Rodrigues foi, uma vez mais, apanhada numa escuta telefónica ilegal, cirurgicamente escapada do dossier policial, e usada para derrubar um líder político com um passado de defesa das liberdades que muitos dos seus adversários não têm nem foram capazes de ousar ter.
Criou-se impensada mas audaciosamente a ideia de que há uma série de pessoas que decidiram arriscar a zizania ignorando que, a exemplo da imortal frase todo o homem é uma guerra civil, as magistraturas vivem desde há tempo uma verdadeira guerra civil que aliás se vem estendendo aos restantes operadores judiciários, com consequências impensáveis para o bom funcionamento das instituições, a defesa das liberdades públicas e a manutenção da democracia.
Dirão alguns que este requisitório se vem juntar a tantos outros de que tem sido alvo uma classe inteira de mulheres e homens que, em condições difíceis, desprovidos as mais das vezes dos mais elementares meios, mantém viva a chama da Justiça em Portugal. Vem de facto mas não como julgam. Quem estas escreve conhece um enorme número de juízes e procuradores cujos esforços, dedicação, prudência e bom julgamento não sofrem com a comparação com o que há de melhor por esse vasto mundo. Já aqui o escreveu e por mais de uma vez. Tem por isso o direito moral de se pronunciar sobre este momentoso caso. E porque em tempos obscuros e infames foi vítima de prisões e violências várias, sabe bem como é que a ânsia de resultados pode resultar numa deriva escandalosa e criminosa. As liberdades tem de ser defendidas por quem se arroga o direito de servir a justiça. Porque se não forem estes então serão os outros, os chiens de garde, essa horda que espreita à porta da facilidade o momento azado para numa penada fazer desaparecer criminosos e vítimas e substituir os cidadãos por súbditos.
Ou como dizia Aquilino, cito de memória, quando os lobos julgam a justiça uiva. Ora aqui está uma frase para juntar ás duas que servem de título (e de aviso).


Este texto junta a um título algures ouvido (ou tê-lo-ei inventado?) o título de um célebre panfleto de V.I.Ulianov, conhecido no século por Lenin. foi usado apenas por eu gostar dele. Quanto ao texto wem si foi escrito de sopetão e publicado como saiu porque por vezes a expressão de uma emoção vale cem textos sabiamente pensados e longamente corrigidos. Ora a situação exige o primeiro em detrimento dos segundos.

11 comentários:

M.C.R. disse...

1. O dr Ferro Rodrigues é professor universitário. A menos que agora também não trabalhem, os professores foram até há pouco considerados profissionais.

2 O dr. Ferro Rodrigues antes do 25 Abril andava nas lutas estudantis e políticas.
Isto é "intrometia-se" numa coisa perigosa de que 95% dos portugueses fugiam a "cagar-se medo".

3 O dr. Ferro Rodrigues foi militante e dirigente do MES. Nessa posição foi meu claro adversário: ao que constava eu seria ( com a honrosa companhia de Jorge Sampaio, Luis Nunes de Almeida, Nuno Brederode dos Santos, Joaquim Mestre, César Oliveira e tantos outros) a "direita" do movimento. Perdemos um congresso e pouco depois saímos sem escãndalo mas sem hipótese de continuar dentro de um partido que se marxizava-lenilizava à velocidade da luz.
4 Se a fugazinha de informação do telefonema de Ferro não foi soprada por quem detinha o poder de escutar então terá sido o dr Ferro a auto-imolar-se alegremente em prol da direita do PS agora no poder. E para dar um gostinho aos senhores investigadores...

Um pouco de bom senso, meu caro Intrometido. O abismo de que fala era visível em 24 de Abril de 1974!!!

Estudou sempre, bem se vê...E a sua política é o trabalho e não espera cenouras? Isso disseram-no milhões de pessoas enquanto uns camisas castanhas iam tomando conta do Vaterland e empurrando-o para onde se viu.
É pena que no seu plano de estudos lhe tenha faltado a disciplina de história.
E quando falar de alguém tente ao menos saber quem é esse alguém antes de o meter numa jota qualquer.

Finalmente, se o PGR deve ou não ser magistrado é assunto de menor importancia. O cargo é eminentemente político, como política é a nomeação. Ou não sabe também isso? O que é necessário é que na PGR haja alguém que mande e que discipline o que deve ser disciplinado. O dr Souto de Moura pelos vistos é semre o último a saber das tropelias que por lá ocorrem.

Quanto a on devo dizer que desde há meses saem notícias umas a seguir ás outras sobre a nave desarvorada que se chama Procuradoria Geral. Trata-se mesmo da crónica de um naufrágio anunciado. Não há marinheiros, piloto, timoneiro e o comandante evaporou-se.
E os senhores procuradores mais conscientes sabem disso. E sabem que o país não pode viver nesta aflição de não saber se se respeitam minimamente as regras de legalidade que protegem as liberdades. As dos cidadãos pagantes e as dos senhores magistrados, porra!

Primo de Amarante disse...

Meu caro MCR: Você antecipou-se. È bom que se ponha os pontos nos iis, como noutra ocasião disse. Ferrro Rodrigues nunca precisou da politica nem Ana Gomes foi funcionária do PS.E mesmo que o contrário fosse verdadeiro, isso não justificava nada. Podemos detestar uma pessoa, mas não devemos inventar. Aliás começo a não suportar o predomínio das insinuações em determinado tipo de argumentação. A ética não é uma arma de arremeço, mas uma postura de vida.

Está a começar ser desagradável vir ao blog.

M.C.R. disse...

Ora anda por aqui um claro exemplo de confusão jurídica e política. Vejamos:

O PGR é nomeado politicamente. Verdade ou falso?
O PGR tem por missão dirigir a PGR e dirigir significa manter a sua actividade dentro dos limites da legalidade. Verdade ou falso?
Houve fugas de informação que claramente prejudicaram vários cidadãos que antes de ser condenados por um tribunal já o foram pela opinião pública, alimentada por meias verdades, palavras fora do contexto, palavras falsas etc. Verdade ou falso?
Há 207 (duzentos e sete) números de altos cargos do Estado com as correspondentes fichas de informação sobre chamadas. O número destas dz-se passa de várias dezenas de milhares. Ora mesmo que por um bambúrrio isto tivesse algo a ver com o sr deputado P. Pedroso, é bom notar que este senhor não detinha nenhum posto governamental pelo simples facto de estar filiado num partido que estava na oposição?
Verdade ou falso?
Se de facto o sr deputado Pedroso estava na oposição a que título aparecem os 207 números de telefone pertencentes esmagadoramente a políticos dom efectivas responsabilidades (nem Sampaio escapou).
quem garante aos portugueses (e basta dar uma vista de olhos pela imprensa internacional de hoje domingo para ver que o escandalo já ultrapassou fronteiras) que se trata tão só duma inocente lista mandada por uma "loira burra" da PT sem que na sua hierarquia ninguém desse pela gaffe, e recebida por um contínuo da PGR que ao ver tanto número a atirou para um canto pensando que eram os resultados da lotaria.
Depois um grupo de embuçados fartos de cantar o fado ao desafio foram beber uns copos e encontraram os papeis e deram-no a um rapaz por acaso jornalista de um jornal que nunca foi (que se saiba) conotado com a esquerda malvada que quer a perda do sr PGR.
Senhores! Um pouco de bom senso. E não me venham citar A ou B não vá A ser advogado das vítimas da Casa Pia e B padrinho de um pedófilo fugido à justiça. Pensar pela própria cabecinha é um exercício são.
segundo tema: Portugal tem sido governado pelos partidos ou coligações a quem o voto popular tem dado tal poder.
Pretende alguém que Portugal seja governado por alguém ao arrepio da vontade popular?
terceiro tema: a Espanha não começou o seu crescimento em 75 mas bem antes, punhamos um século antes. com o breve eclipse de 38-55 a Espanha foi sempre uma potência económica e teve a partir desse ano sempre fortes índices de crescimento. Tem aliás um mercado natural gigantesco e uma língua que até nos Estados Unidos já tem honras de ser oficial em doze ou treze estados...
quanto á impossibilidade de controlar com eficácia os serviços, estamos servidos. Quem não tem competência não se estabelece diz o povo. E que conste nos restantes países europeus onde tambem há orgãos semelhantes á procuradoria não há escandalos deste tamanho. Ou há?
António Barreto ou Vasco P Valente (o 1º hoje mesmo no Público...) já há muito passaram uma certidão de morte política ao sr PGR.
Se a piada de intelectual me era dirigida, aceito o epíteto com a mesma honra que Unamuno quando um militar fascistoide lhe atirou o famoso Viva la muerte, abajo la inteligencia. Unamuno, um homem de direita está vivo e recomenda-se. A cavalgadura pistoleira não há quem a nomeie.

Primo de Amarante disse...

Eu, por acaso, sou pseudo-intelectual. Pseudo, porque parece que sou, mas não sou: a minha formação é, sobretudo, intelectual (só fiz trabalho manual de jardinagem), mas penso que intelectual é aquele que constrói uma concepção original da vida ou do mundo ou, então, tem uma capacidade superior de pensar criticamente. Eu tento isso, mas não consigo. E até sei que há inlectuais (tal como são habitualmente definidos) que nem licenciatura têm. P.Ex, o Eugénio de Andrade. Mas lá por ser um pseudo-intelectual, não perdi o direito a ter opinião como qualquer intelectual, inclusivamente pseudo ou mesmo intelecual irritadiço (que dá opinião irritada). E gosto que me ouçam, porque a comunicação é isso: ter ouvinte para aquilo que se diz. Se não me quiserem ouvir, passem á frente e não se irritem. Falo muitas vezes sozinho, ouvindo os desabafos que sobre outros eu próprio em voz alta faço e por delicadeza não escrevo. E o que eu gostaria que me ouvissem é que Ferro Rodrigues não precisa da política para “viver”, que Ana Gomes não cometeu nenhum pecado em ter acreditado no MRRPP e que nunca foi funcionária do PS. E isso é repor a verdade, como é verdade que Ferro Rodrigues deu aulas numa universidade e não fez carreira universitária porque não esteve para isso. Tal como acontece com todos os professores convidados (e eu sei do que estou a falar), se quisesse fazer carreira universitária, só precisava de se disponibilizar para isso. Fazer o doutoramento é fácil, desde que se tenha uma nota de nível bom (e a ele sobrava-lhe), apresentar um projecto e pachorra para durante três ou quatro anos andar “atrelado” a um indivíduo (que geralmente não liga puto) que “faz” o acompanhamento. Aliás não sei se F.R. fez ou não o doutoramento. E podia fazer o doutoramento e não ser prof. univ., como já acontece com muita gente. E também sei uma coisa: o Governador do Banco de Portugal não tem doutoramento e muitos dos melhores professores universitários também não. Um dos directores fa faculdade de economia do Porto, (prof. Pedroso) não tinha o doutoramento e foi sobre ele que publicamente Daniel Bessa disse: “o grande mestre”. Como também não tinha doutoramento o, o prof. Baganha. E, na área das engenharias, p. ex, havia muitos. E dos melhores engenheiros do País!E na área da filosofia também.

jcp (José Carlos Pereira) disse...

Caros MCR e compadre esteves, o que fazer com estes corajosos anónimos que julgam tudo e todos do alto da sua sapiência?
Talvez deixá-los a falar sozinhos?

Primo de Amarante disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Primo de Amarante disse...

Preclaro Intrometido: como vê o debate valeu a pena - já ficou com uma campainha. Espero que lhe seja útil e que um dia destes faça connosco uma tripla de centrais. O que é preciso é que o jogo seja bem jogado.

M.C.R. disse...

Tenho a impressão que faltei a uma regra de discussão civilizada: apresentei os meus argumentos com rispidez e falta de cortezia. Disso me penitencio muito sinceramente porque o sono da educação desperta os monstros da sem-razão.
Este espaço funciona com algumas regras e não é porque alguém entra ao arrepio delas que eu me posso dar ao luxo de ser malcriado. Disso peço desculpa a todos quantos me leram e/ou contestaram. O calor da discussão, em texto corrido, com os olhos a ferver do lido anteriormente explicam MAS NÃO DESCULPAM que se trate com menos educação alguém, mesmo um intrometido. Se ele quiser aceitar estas desculpas faça o favor de se servir. Mas o essencial da minha posição não sofre modificação Escrevi o que pensava e penso e assinei com o meu nome. Obrigado.

M.C.R. disse...

Volte sempre!
Na equipa de futebol ponha-me, por favor, num lugar, em que se possa usar um canhoto. É mesmo verdade sou canhoto a 80% porque na escola primária (nos idos de 40, claro) não havia lugar para estas esquesitices. Reguada bravia na mão pecadora. (Pecadora é no caso uma verdade absoluta mas isso foi mais tarde).

M.C.R. disse...

Falei em futebol mas já não tenho bofes para tal. Eu sou desde há quarenta e tal anos um fanático de bridge. Temo bem que aí não haja hipótese de fazer valer o meu canhotismo literal e intelectual.

Primo de Amarante disse...

Até gostaria de alinhar nesse jogo, desde que não houvesse caneladas.

Estar aberto a outras razões é que define o diálogo. E já, agora, também as pessoas inteligentes (não será o meu caso!...)

É quase poesia chegar-se a este desfecho.

Um abraço.