23 janeiro 2006

Au Bonheur des Dames nº 16

Progósticos só segunda feira

Segunda feira de rescaldo sem mais notícias desde sábado do que a primeira sondage, domingo, às oito da noite. Primeiro porque queria escrever isto sem o veneno (mesmo salvador) de outras opiniões; segundo porque já não aguento o figurino e os figurões do costume a debitar inanidades. E aguento ainda menos aquelas imagens “muito povo, muita bandeira, muito vivório alarve como se a coisa fosse igual à vitória de um clube de terceira sobre um dos grandes. E finalmente, também não vou à bola com os cavalheiros em liça que normalmente têm no bolso meia dúzia de discursos para aplicar segundo as circunstâncias.
Portanto o que aqui vai é decididamente pobre mas original. Ou seja é uma opinião num mundo e num tempo em que cada vez menos as há.
1º : Cavaco ganhou e os outros todos perderam. Aqui não há segundos lugares mas tão só derrotas.
2º: As vitórias morais são boas para a minha Associação Naval 1º de Maio, coitadita, que se viu a disputar um campeonato que não é manifestamente para ela. Na política não há vitórias morais embora possa haver vitórias pirrónicas...
3º: Com o fim do mandato de Sampaio e a derrota de Alegre a geração de 60 “tire sa réverence”, sai de cena. Sinto-o dolorosamente porque é a minha geração, são os meus amigos, fui cúmplice deles, temos uma história comum que fundamentalmente se caracteriza por termos passado meia vida às voltas com um regime autoritário, tosco, grosseiro e ineficaz do ponto de vista económico. Meia vida significa um mínimo de trinta e um máximo de quarenta anos. De todo o modo tivemos mais sorte que os nossos pais.

Postas que foram estas três evidências, permita-se-me uma pequena digressão sobre o que se passou. É vista pelo olhar de um proponente de Manuel Alegre, para que não haja dúvidas.
a) Estou triste, claro. Diz-me um amigo: “A coisa poderia ter corrido melhor. Afinal foram só umas décimas (40.000 votos)”. Não é verdade. Essas poucas décimas apenas significariam a possibilidade de ir à 2ª volta. E mesmo que se tivesse verificado um resultado inverso (Cavaco 49, 4% e os outros 50,6%) não é absolutamente líquido que o resultado final fosse uma vitória de Alegre. É verdade que a esquerda se consegue mobilizar, que o PCP faria uma transferência impecável de votos e que o mesmo poderia suceder com o bloco e eventualmente com o MRPP. Seria assim exactamente assim com os votantes do PS? A maioria sem dúvida. Mas todos? E não vale a pena virem-me com o argumento da primeira eleição de Soares. A situação política era absolutamente diferente, os campos estavam bem mais definidos e a esquerda não descria de si própria. Quem lá andou (e eu estava metido no MASP até ao tutano) sabe bem da trabalheira e da dúvida permanente quanto aos resultados.
b) A vitória de Cavaco não se deve a nenhum milagre do divino Espírito Santo, da irmã Lúcia ou de qualquer outro orago popular. Deve-se a um trabalho de equipa, profissional, solidamente organizado, começado há mais de um ano a que não são estranhos os cuidados do próprio candidato em não se misturar com aquela gentinha santanista. Convirá aqui relembrar que a tal gentinha (a da má moeda era o partido inteiro com a meritória excepção do dr. Marques Mendes) E que a maioria esmagadora dos notáveis santanistas esteve como um só homem atrás do Professor Cavaco. A bizarria das declarações, aliás patéticas, de Santana, acabou por funcionar a favor do candidato a quem por junto se aponta uma sobressaltada careta. E nem foi das piores. Cavaco é um tímido que não sabe rir. Faz caretas praticamente idênticas sem que isso incomode o povo sereno que o aclama como um Sebastião com mais juízo, casado pai de filhos e pouco dado a cavalgadas nos desertos marroquinos.
Cavaco começou a sua campanha há mais de um ano, dizia. Calmamente. Suscitando sondagens avassaladoramente favoráveis fosse contra quem fosse (Guterres, Ferro, Vitorino e já nem me lembro dos outros. O que era preciso era um candidato virtual para mostrar S Jorge a esmagar o dragão. Ainda Santana vagia, ensimesmado no seu débil sonho de governar e já os homens (e as mulheres) se Cavaco se mobilizavam, como aliás, acertadamente Alberto João Jardim previu e condenou sem que ninguém –como de costume e com alguma razão – lhe desse crédito.
c) O CDS ganhou pois provou uma coisa evidente: se apresentasse candidato próprio a 2ª volta teria sido inevitável e muito mais incerta. Na verdade, se a esquerda é o que é quanto a unir-se, a direita, benza-a Deus, só se reúne quando se vê seriamente ameaçada. E um presidente da República, em Portugal, dentro da União Europeia por mais que queira não passa de um “fantasma de Canterville”. Que factura apresentará? Pois provavelmente nenhuma. Não só ainda está a viver a sua crise de orfandade como, a não ser um par de comendas pelos 10 de Junho, dificilmente se descortina o que poderá exigir a um presidente da República. Todavia, aqui sim, há uma saborosa vitória moral e um reconforto para o seu periclitante líder. Vitória interna, portanto para Ribeiro Castro. Durante algum tempo manterá a actual trégua com os restantes chefes de facção.
d) Mais difícil parece ser a posição do dr. Marques Mendes: fora a pequena partida pregada ao eng. Sócrates (e de que não é autor, sequer principal responsável) o dr. Mendes, que sempre foi um honrado cavaquista tem contra si isso mesmo. Será que Cavaco se contenta em presidir ás reuniões do Conselho de Estado, distribuir condecorações, conversar às quintas feiras com o 1º ministro ou pretende antes federar todos os descontentamentos e atacar o engenheiro pela direita e pela esquerda baixa isto é prestando uma orelha atenta e complacente às queixas do povo que se sente desconfortável nesta eterna e durável crise que o abate e lhe dá cabo da auto-estima? E nesse caso, para que precisará Cavaco de um chefe de partido, do seu partido, se é ele quem tira as castanhas do lume? Se Soares entendeu regressar à ribalta (e em circunstâncias muito diferentes de Cavaco) não quererá Cavaco fazer o mesmo e remodelar o partido à sua imagem e semelhança, ungido desta vez com um estrondoso voto popular (muito acima da última votação do PSD de Santana ou até de Barroso)?
e) E finalmente Alegre. É doloroso pensar que perde um pouco por sua culpa. Só por sua culpa. Tivesse Alegre, em Viseu, feito o discurso que os seus então muitos apoiantes socialistas esperavam, e as coisas seriam diferentes. Não sei se suficientes para ganhar, mas notoriamente diferentes. À uma porque cortava cerce o poder de manobra que a sua hesitação concedeu a Sócrates. Alegre com aquele discurso hipocondríaco a dizer “nim” ou, se calhar, nem isso, permitiu que a guarda pretoriana do PS tivesse tempo para desmobilizar muitos apoiantes seus e, sobretudo, convencer Soares a regressar. Tenho as maiores dúvidas que Soares aceitasse um convite do PS se antes Alegre se tivesse claramente proclamado candidato. Já sei que haverá muitos leitores meus (se é que ainda os há) que me retorquirão que Soares apareceria sempre mas não é esse o meu sentimento nem vão por aí as informações que me foram chegando.
De todo o modo, a campanha de Alegre começou tardíssimo tendo em linha de conta que teria de ser feita numa base cidadã apoiada por voluntários desorganizados e vindos de diversos horizontes. Alegre cometeu o pior pecado possível num político: foi imprevidente e deu a sensação de arrogância ao defender com unhas e dentes um timing que o prejudicou bem mais do que se lhe apontou.
É claro que no dia seguinte, como o meu título indicava, é fácil encontrar argumentos e desculpas para um mau resultado. Como pobre defesa apresento o penúltimo parágrafo de “carta ao meu amigo Manuel”: “e se a loucura da sorte assim o não quiser [a eleição], gostaria, apesar de tudo, de te dizer que este é, e será sempre um belo combate....E essa vitória já ninguém no-la tira”. Isto foi escrito e publicado a 15 de Dezembro do ano passado.
Estou triste como já disse. Mas, apesar de pensar que á minha geração não serão dadas mais oportunidades, aviso que ainda não estamos mortos, que mesmo morto são sempre precisos quatro homens para o tirar de casa como dizia o senhor Marquês de Pombal e que a democracia manda respeitar os resultados mas não manda conformar-se com eles.
“A gente vê-se por aí”.

como repararão pedi boleia para acabar o meu texto a uma frase atribuída ao dr. Santana. Quem, como eu, tanto o aturou tem direito a esta pequena pirataria.

6 comentários:

Primo de Amarante disse...

Foi apenas um passo atrás. A política não é um jogo de xadrez, onde quem trabalha, possui familia, precisa de emprego fica indiferente a ver mudar as peças. Ainda não é o fim do mundo, é só o princípio de alguma coisa que precisava de mudar. E a vida continua!

O meu olhar disse...

Caro MCR, como proponente de Manuel Alegre, também estou triste, mas passa. Todavia Cavaco não passa, fica, esperemos que com bom senso. E, como disse hoje um comentador na rádio, não seria de admirar vermos, nas próximas eleições presidenciais, o PS a apoiar a recandidatura de Cavaco. Sinais dos tempos.

Concordo consigo em quase o tudo que referiu. Alegre deveria ter decidido antes. Quando ouvi aquele nim, nem queria acreditar. A decisão posterior pecou por tardia.

Quanto a essa da última hipótese da geração, que coisa tão derrotista! Há assim tão poucos dessa fornada? E são dos que arrumam as botas tão cedo? Olhe que nisso, Soares deu uma grande lição!

Primo de Amarante disse...

O historicismo continua a ser a doença de muitos analistas. O futuro está aberto e não está predeterminado. Muitos factores vão intervir no modo como vai acontecer o amanhã. Não vai haver implosão no PS, porque nunca o PS constituiu um edifício implosável. O PS é um partido com uma tradição plural e os que estiveram noutra "linha" (diferente da dominante) vão ganhar mais alento e isso permitirá mudanças no estilo de fazer politica e é isso que precisamos. Isto não foi o fim do mundo: foi só o princípio de algo que se espera venha a ser diferente, mas também pode não ser.

M.C.R. disse...

Não creio que o PS alguma vez apoie Cavaco. Mesmo este PS, isto é esta direcção política chefiada por Sócrates.
Querida o meu olhar : a geração de 60 está toda com sessenta ou mais anos. Convenhamos que mesmo animada pela vitalidade de Soares carece um pouco de futuro. Não estou triste por isso. Era o que faltava: tive uma vida até agora bem ruidosa, alguma aventura, encontros fascinantes e até, porque não?, com um pedacinho pequenino de história a escorrer-nos dos dedos. Mas é claro que tudo isso, cansa, gasta e já não mergulho num extremo da piscina para aparecer só no outro...
acho que os próximos candidatos virão de gerações posteriores, se calhar melhores do que nós, e seguramente diferentes. O "baroud d'honneur dde Alegre é irrepetível. Ele não é Soares que está ali são como um pero e pronto para mais: uma vez numa entrevista que me fizeram defini soares como aqueles bonecos "sempre em pé": quanto maior fosse a patada que se lhes desse mais depressa se levantavam. Claro que essa vitalidade ocupa o espaço da poesia. E aí espero que o Manuel não se cale. Até acho que ele escreve cada vez melhor. Poderá ter menos eco mas o estilo melhorou...
O nosso "intrometido" não larga aquela velha máxima da má moeda a expulsar a boa. convem que saiba que o inverso nunca foi enunciado. E a expressão tem quase 200 anos...
e não se preocupe com o Jorge Coelho (por sinal um tipo muito mais fino do que aparenta). Por doença saiu ou vai sair muito brevemente de todos os cargos partidários.

O meu olhar disse...

Está a ver caro MCR, eu nunca consegui atravessar uma boa piscina de um lado ao outro debaixo de água. Claro que em algumas, mais pequenas, conseguia e consigo, pelo que o melhor é arranjarmos piscinas que possamos vencer.
O facto de ter tido um passado recheado não o deveria saciar. O presente está cheio de coisas a fazer e quem tem alguma possibilidade de intervir mais, deveria ter isso como objectivo.
Tenho um amigo belga de 74 anos, que admiro imenso, com muita capacidade de trabalho, extremamente criativo e produtivo. Ele tem como princípio que a vida não se divide. Assim, trabalhar até aos 60, agora 65, e depois ficar na inactividade é um conceito que não serve a vida. Por isso, ele vê a vida activa como um fio contínuo. Claro que na actividade dele isso é mais fácil. Todavia é um bom princípio que eu assimilei.

M.C.R. disse...

Minha querida "o meu olhar".
Em termos de jogo não passei. Estou é adequar-me à idade. Penso que alguma da política activa (parlamento e afins) deverá ser liderada por gente bem mais nova do que eu: estão mais habituados a este novo mundo. Não tenciono ausentar-me nem da discussão e menos do mundo: julgo é que me cabe outro esforço diferente. Por exemplo este.
Se em Portugal existisse um Senado, julgaria que esse era o lugar de políticos com mais de sessenta anos. Está a ver o meu ponto?
Identicamente a governação (e governar é sobretudo estar quietinho no gabinete a trabalhar em vez de andar a inaugurar todos os fontanários que aparecem) deve cair sobre ombros com mais força e agilidade. A idade hoje em dia não significa muito. Ou melhor significa na medida em que bom número de idosos consideram-se mortos e morrem para citar um belo título de Elio Vitorini.
descanse pois, cara Amiga, estou aqui de olho vivo e passo mais descansado.
Mas mantenho o que disse: em termos históricos a geração de sessenta fez a sua última vénia no palco da política activa.