23 janeiro 2006

A direita da direita e Alegre

A política (e a vida...) tem destas ironias. A maioria dos meus amigos de esquerda votou em Manuel Alegre. E, tal como eu suspeitava, quase todos os meus amigos mais à direita votaram... Manuel Alegre. Ainda há pouco um deles me confirmou isso mesmo. É que, ao contrário do que muitos pensam, a direita mais à direita não gosta de Cavaco. Por várias razões: em primeiro lugar, porque ele não é um homem da Caras, é um homem que veio do nada, de Boliqueime, filho do Sr. Teodoro (como eu vim de Soalhães, filho do Sr. Ribeiro), não cresceu na Quinta da Marinha, não se passeou pelas óperas, não andou pelas festas in. Teve, em suma, um trajecto feito a pulso. Em segundo lugar, a direita mais à direita, normalmente acantonada no CDS, nunca perdoou a Cavaco as suas maiorias absolutas que secaram o CDS, que fizeram dele um partido pequeno. A direita mais à direita, que abjura a social-democracia, nunca perdoou a Cavaco o ter matado as hipóteses do nascimento de um partido de marca populista à volta de figuras como Paulo Portas (não esquecer que o Independente de Paulo Portas foi o carrasco de Cavaco-1º Ministro, nem esquecer a posição de Santana Lopes contra Cavaco nesta campanha). Pois foi, curiosamente, em Alegre que parte desta direita se reviu. No homem que falava na Pátria, que nasceu bem, que tem porte aristocrático, que tem o vício da caça, que servia ao mesmo tempo para atirar contra Cavaco e contra Soares... É a vida.
.....
(E aguento ainda menos aquelas imagens “muito povo, muita bandeira, muito vivório alarve como se a coisa fosse igual à vitória de um clube de terceira sobre um dos grandes.)

Esta expressão consta do último postal de MCR. Estranho. O povo é o povo. Somos nós. São todos aqueles que, de bandeira em punho, rejubilam com as vitórias de quem querem que ganhe. Muitos já agitaram bandeiras do PSD, do PS e dos outros. As convicções podem mudar, porque o tempo muda. O povo também muda.

11 comentários:

M.C.R. disse...

Meu Caro Carteiro

A expressão muito povo, virgula, muito vivório alarve etc., tem de ser lida tal e qual com a vírgulazinha e tudo. Mas há mais. V que andou pelos jornais deve decerto lembrar-se da expressão compareceram X, Y e Z, autoridades civis e militares e muito povo... Ora vê Caríssimo onde quero chegar? Eu quero chegar aos que só saem à rua nestas ocasiões, aos que tem mais clubite que clube, aos que se encostam. E não me referia ao povo de Alegre, Cavaco ou Soares mas à generalidade da turbamulta que aproveita o momento para arrotar alegria e bandeiras.
Os meus amigos à direita votaram Cavaco. Eles lá saberão porquê: E veja bem, Carteiro: Se a esquerda votou á esquerda e a direita à esquerda também, então Cavaco foi buscar a maioria onde?
Eu sei, como V., que há umas pequenissimas franjas "queques" que não vão com Cavaco. Não tanto por ser filho do sr Teodoro mas mais pelo que significou de subida a pulso, de self made man mesmo com curso universitário, Não gostam dele como gostarão pouco de Couto dos Santos ou como atacavam no Independente a mulher de Cadilhe filha do dono de um café de aldeia...
Depois Cavaco ligou-lhes pouco, tentou usá-los e isso, para eles, foi imperdoável. Mas trata-se, caro Amigo, de uma ridícula franja, inexpressiva estatísticamente, uma réstea de classe "bem" em vias de extinção. De uns dinossaurios. Tenho um par deles na família...Mas estes também não votaram em Alegre. Foram para o golfr de Miramar e arrearam numa inocente bola todas as iras, todos os medos e todos os despeitos contra um mundo que já não é o deles.
O CDS é um partido pequeno mas deu um contributo decisivo a esta vitória. Menos por Cavaco mais por guerras internas. Enquanto se respirar no Caldas o perfume da vitória as costas de Ribeiro e Castro não recebem paulada.
Quanto à social-democracia, meu Caro, se dela há algum representante, faça o favor de a procurar no PS. Não digo que não haja uma franja social-democrata no PSD. Mas digo que se tem vindo a encolher como o retrato de Dorian Gray. O PPD PSD é mais a expressão de uma direita moderna, europeia e liberal. Nesse exacto sentido de liberal.

M.C.R. disse...

Caro Amigo,
desculpe a insist~encia mas o meu comentário de cima foiescrito pelas oito e pouco da manhã. depois de ler o Público descubro que o Sr Teodoro não era assim tão pé rapado. Era dono ou concessionário de umas bombas de gasolina e exportador de frutos secos. diz quem sabe e disso informou o jornal que ele teria até uma pequena frota de camiões. Ou seja: provavelmente o sr Teodoro ganharia mais por mês que meu pai que era médico numa cidadezinha piscatória onde mais de 70% dos doentes não podiam pagar. Ou melhor pagavam em peixe. Não reclamo dessa dieta porque adoro peixe (com a excepção das fanecas) mas a verdade é que nõ se pode trocar roupa ou calçado por peixe. tá a ver o que digo?

o sibilo da serpente disse...

Ok, está lá a vírgula, ainda que a vírgula possa mudar pouco, caro MCR.
O povo estava lá, porque o povo rejubila com as vitórias em que apostou. Muito daquele povo rejubilou com Sócartes não há ainda muito tempo e se calhar também esteve lá.
Quem votou em Cavaco? Gente de direita e de esquerda, claro. Mas também e sobretudo pessoas que não querem ver o mundo a preto e branco: pessoas que nem em tudo são de esquerda nem em tudo são de direita.
Quem não votou em Cavaco? As pessoas que teimam em ver o mundo a preto e branco e que acham que ou se é de esquerda ou se é de direita. E que, por isso, ou acham Cavaco é muito esquerda (e não tem, pedigree social) ou Cavaco muito à direita.
Sim, é verdade, também há pessoas da direita que, embora quisessem votar Alegre pelas razões que apontei, não se deram ao trabalho de ir votar e preferiram o golf ou outras coisas.
Moral da história: a grande massa dos votantes de Cavaco é aquela grande maioria de pessoas que estão no centro, seja lá o que isso significa. São as pessoas que não temem votar à esquerda ou à direita quando sentem que é, naquele momento, ali, que está a melhor solução para o país.
Teodoro não é pé-rapado? Pois, admito que não. Nem era essa a conotação que eu queria dar às minha palavras. O que eu pretendi dizer, é que Cavaco não vem de nenhuma família importante, daquelas com nome sonante...

o sibilo da serpente disse...
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M.C.R. disse...

Ó homem de Deus: excepção feita a soares (pai ministro da primeira república) quem é que tem hoje nome soante no parlamento e na política em geral?
Então V acha que a malta de esquerda v~e o mundo a preto e branco vomo se isto fosse o grande cinema clássico ou a gtrrande fotografia enquanto a direita v~e as coisas em tecnicolor?
Cavaco não é de esquerda nem muito nem pouco. É moderadamente de direita. E por isso tem facilidade em atrair o centro. Não sou quem o diz, foi ele numa entrevista longa a Mª João Avilez. E foi toda a imprensa internacional que noticiou as nossas presidenciais.
Não tenho nada contra as pessoas de direita, conservadoras. Quase toda a minha família está por aí e são pessoas decentíssimas. O que me parece absurdo é ser-se de direita e dizer-se que se é um bocadinho de esquerda. Ser de direita não é vergonha nenhuma, ora essa! E ser de esquerda também não. era o que faltava!
Na segunda presidência soares foi buscar votos ao tal centrão. como aliás Sampaio em identicas circunstancias. Porque de facto há um centro que se caracteriza por oscilar entre um e outro dos dois grandes partidos. Sócrates foi lá pescar e apnhou muito peixe. Cavaco fez o mesmo quando primeiro ministro.
O centro só existe em épocas de acalmia política, claro. E estamos desde há muito numa apesar de tudo. Há todavia um problema: este centro indefinível é extremamente voluvel e elástico. Provavelmente deu votos aos três principais candidatos. Mas preferiu claramente Cavaco, disso não tenho quaisquer dúvidas.

o sibilo da serpente disse...

Caro MCR:
Não é a esquerda que vê o mundo a preto e branco! É a esquerda renitente e a direita renitente! Ambas são incapazes de escolher o melhor - ainda que saibam que é o melhor - se não couber nos cânones pré-definidos. Como diz, há na direita gente decente, como eu - que não me revejo naquela direita de que falo acima - acho que há gente decente na esquerda - e já votei nessas pessoas - e na direita - e já votei nessas pessoas.
Quanto aos nomes sonantes, não os reduzia ao mundo da política: falava da ressonância dos nomes para além da política.

O meu olhar disse...

Caro Carteiro,
Ás 22h de uma terça-feira, depois de um dia de trabalho esforçado, espreito o Incursões e o que fico a saber? Que eu, à semelhança de mais 2. 626.514 portugueses, sou uma pessoa que “teima em ver o mundo a preto e branco” e que não soube ver que Cavaco é a “melhor solução para o país”, o que representa, mais uma vez, um problema de visão.
Amanhã mesmo vou marcar consulta no oftalmologista!

Agora a sério: considera que faz sentido depreciar quem não votou em Cavaco? Eu posso achar que o caro carteiro votou mal, mas nem por isso dou palpite sobre a qualidade da sua visão das coisas, direita e esquerda incluídas.
Penso que podemos discutir ideias sem qualificar negativamente os pontos de vista dos outros. Para isso, basta centrarmo-nos nos conteúdos.

o sibilo da serpente disse...

Não disse o que teima em dizer que eu disse, cara MEU OLHAR. Falava do mundo a preto e branco da direita à esquerda. E isto como contraponto aos que acham que quem votou Cavaco pura e simplesmente não vê...
Vá lá. Para todos: o meu candidato ganhou e eu tenho demonstrado aqui que sei ganhar (já demonstrei muitas vezes que sei perder...).
Afinal, as minhas palavras são conciliatórias - pretendem, pelo menos - porque acho que é disso que presisamos todos, sem que isso seja o consenso mole de que falava Louçã...

M.C.R. disse...

Meu caro Carteiro Tem V razão quando diz que quer à direita quer à esquerda há gente que tem posições de irredutibilidade absoluta.
Se era isso que queria dizer nada a objectar da minha parte.
Por outro lado: esta nossa conversa não parte de um sentimento de revolta meu por ter perdido. Estou habituado. com 64 anos perdi mais vezes do que as que merecia porque mesmo no antigamente, naquela palhaçada de eleições (61, 65, 69 e 73) fiz parte das comissões da oposicrática, andei de delegado nas mesas de voto e fui dos minoritários que sustentava que se devia ir a votos apesar da segura chapelada que haveria.
Fiquei muito mais "chateado" com a derrota nas autárquicas e ainda ficaria mais numa derrota em legislativas. Não penso qque Cavaco faça qualquer 18 de Brumário (esta é para o José e para a Kami se espojarem de gozo). Nem ele é Luis bonaparte nen nós somos a França de 1800 e tal.
Penso que esta nossa conversa aqui e comenando outros textos do mesmo teor serve para medditar um pouco no que aconteceu. E dá um belo ar de civillizada discussão que é o que V., eu, os nossos companheiros bloguistas e os nossos visitantes merecemos. Um dia destes teremos de nos juntar para uma dessas jantaradas de que V., o Compadre e o JCP tanto falam.

O meu olhar disse...

Caro Carteiro,
Se o que quis dizer foi isso, estamos plenamente de acordo, mas mesmo assim, quem vê a preto e branco está no seu direito. Quem vê a cores, ou julga que vê, tem obrigação de apresentar argumentos, desenvolver pontos de vista, de forma a fazer reflectir, ou outros e a si mesmo, porque não há detentores da razão.
Dou-lhe os parabéns pela vitória e também considero que tem um bom ganhar.

o sibilo da serpente disse...

É óbvio, meus caros, que não quis dizer que toda a esquerda e toda a direita vê a preto e branco. Se assim fosse, quem estaria a ver a preto e branco era eu.
Não há motivos para me felicitar pela vitória do presidente Cavaco. Quem está de parabéns, acredito eu, é o país por ter sabido escolher bem.