29 janeiro 2006

Diário Político 12

VPV, 2 vezes
Um pouco mais abaixo o Dr Coutinho Ribeiro pergunta-se a razão de algumas opiniões de Vasco Pulido Valente. Sem ter a contund~encia do ilustre historiador e articulista e muito menos a sua escrita brilhante atrevo-me a publicar dois textos sobre VPV que datam dos finais do governo Nogueira e do início do governo Guterres


VASCO REDEPUTA




Julho, para além do fraco tempo que se faz sentir e desespera banhistas e operadores turísticos, corria demasiadamente calmo e sensaborão para quem, como o dr. Fernando Nogueira, necessita urgentemente de um fait-divers que apague da memória colectiva as inquietantes manias do SIS ou a irrequieta segurança pública de que se vangloria a despropósito o dr. Loureiro.

Por um breve momento houve a esperança de que o despique ministra de educação nacional/ assistentes universitários trouxesse ao partido no poder algum oxigénio. De facto os senhores professores, pouco habituados a estas andanças tinham demonstrado ter uma anormal falta de jeito para publicitar a sua reivindicação. Primeiro porque a situação de menoridade salarial de que se queixam existe desde há uma boa meia dúzia de anos. Segundo porque a desastrosa situação que se vive na universidade pública é também ela velha e relha e de todos conhecida. Finalmente porque a greve vem sobretudo prejudicar umas dezenas de milhares de jovens que passaram os dois últimos anos a esforçar-se de um modo cruel, estúpido e anti-pedagógico para entrar na universidade. Isto para já não referir a completa tolice que é exigir a um governo de malas aviadas e a temer as próximas eleições um qualquer vago acordo quanto a retribuições.

Infelizmente a senhora ministra da educação nacional (não estou a brincar -este é, acreditem ou não, o nome do departamento governamental que, no jardim lusitano, tem por missão preparar as inexistentes elites.) não estava à altura do que se esperava: soçobrou sem galhardia num combate em que, à falta de vencedor, sobraram vencidos. Um dos reitores que com ela reuniu resumiu a situação em poucas palavras: a ministra já não manda nada.

Eventualmente o referido reitor poderia ter levado o seu acesso de lucidez um pouco mais longe: nas areias movediças da "educação nacional" ninguém risca. Universidades, conselhos directivos, científicos e pedagógicos, reitores e estudantes, sindicatos e associações conseguem parar (se é que ela anda...) a universidade mas por mais que porfiem não a põem a funcionar. Para isso nunca tiveram os meios financeiros (não é só da guerra que o dinheiro é nervo...) e muito menos o poder político.

Esta situação tem permitido tudo: desde professores que se distribuem generosa e milagrosamente por várias universidades e outras tantas mordomias até licenciados que escrevem licenciatura com dois ss e c de cedilha. Há departamentos onde os professores agregados desconfiam que nunca chegarão a catedráticos tão escassos (e tão preenchidos) estão os minguados quadros. O mandarinato, na versão cretinizante e nacional, de tão comum que é, já nem denúncia merece e aos assistentes dá-se ligeiramente mais importância do que aos contínuos (em Coimbra nem todos os assistentes se podem comparar aos archeiros ou, pelo menos, aos que tocam na charamela). E nem sequer têm direito a farda.

A situação de que acima se dá conta leva os assistentes a cometer toda a espécie de excessos de que a greve às provas específicas é um mero exemplo e não o mais significativo. Para isso valerá mais recorrer ao que uma imprensa ruidosa chamou "o caso Pulido Valente”. Ora vejamos.

O caso PV não é aquele de há cerca de 30 anos em que um cavalheiro com esse nome passou as do Algarve com a polícia política e se portou com inegável coragem.

Trata-se, hoje, e apenas, do recrutamento do dr. Vasco Pulido Valente, investigador, historiador e comentador político de reconhecida e fatal virulência, pelo dr. Fernando Nogueira para as listas do PPD. O simples anúncio desta verdadeira lança em África desatou um coro de comentários e não poucas imprecações.

Curiosamente foi no PPD que a gritaria mais subiu. A militância não perdoa a Vasco a violência das diatribes que ainda por cima eram servidas com uma verve e um vigor dignos de melhores causas. Valeu tudo numa reunião de que o "Público" de 15 dá saborosa notícia. Para além das razões políticas que, de facto, não escasseavam, sobraram as mais variadas acusações aos hábitos de Vasco que seriam deploráveis.

Estranhamente ninguém brandiu o argumento que a todo o momento me acode: tenho as mais sérias dúvidas que VPV não se zangue antes de passada meia legislatura se é que tanto ele resistirá. O parlamento não é o jornal onde o articulista, em acordando com dor de dentes, até o bey de Tunes pode desancar. Nas Câmaras há a ordem do dia e as mais subtis ordens do grupo e da direcção parlamentar, os tempos de intervenção parcimoniosamente repartidos e a restante gentinha deputante que, se não liga ao estilo de VPV, tão-pouco lhe dará o salve sem mais nem menos.

Prevendo estas futuras dificuldades o dr. Rebelo de Sousa, outro luminar produzido na faculdade de direito e passado pelo purgatório assistencial, já avisou que Vasco tem formação de esquerda se é que no fundo, muito no fundo, não continua esquerdista. Sousa, em vendo uma pessoa inteligente, não resiste: passa-lhe um atestado de esquerda o que é simpático mas ligeiramente exagerado. Vasco é de direita e foi-o sempre mesmo quando nos loucos anos de juventude perorava à estudantada em greve ou mais tarde no breve período em que terá militado no fantasmático "Movimento de Acção Revolucionária". O que Vasco não foi, não é, nem será, é um reaccionário como o é a esmagadora maioria da direita a que ora se acolhe por desejo de "intervenção".

Suponho que o fantasma pouco atraente do Padre José Agostinho de Macedo anda a atormentar, mais do que é permitido a não vivente, a alma tenra de Vasco quando este se propõe, de parceria com o dr. Nogueira, salvar a pátria do bolchevismo de Guterres. Mesmo que seja tolice tudo quanto disse sobre o ex ministro de Cavaco (e algumas fortes tonterias escreveu sobre ele) subsiste esse pequeno mas definitivo escolho que é a multidão ppd, a deputadagem de 2ª linha que abomina intelectuais, detesta quem a aponta a dedo e não suporta a inteligência sobretudo se aliada à ironia e (no caso) ao sarcasmo.

VPV já esteve no partido onde pretende re-ingressar, já terá sido deputado ou pelo menos eleito e já foi, sem glória nem vergonha excessivas, Secretário de Estado da Cultura. Terá conspirado q.b., aconselhado outro tanto e tido o poder que a sua idiossincrasia lhe permitiu. Ocorre, então, perguntar : porque redeputa Vasco?

Poder? Não terá mais do que a página do "Independente" lhe dava!
Dinheiro? Não acredito que o editor lhe não dobrasse a semanada se ele o pedisse tantos são os leitores que compram o jornal só para o ler .
Fama? Escrevendo o que escreveu, do modo como o fez e durante tanto tempo, VPV é conhecido de meio mundo sem contar com os 50 ou 60 mil inimigos que angariou com os mimos que foi distribuindo.

A menos que... a menos que o agregado em história, o investigador, o historiador de quem se esperava tanto, julgue não ter mais nada a fazer e a dizer neste domínio. Assim, sem mistérios nem memórias de Rimbaud enterrando-se em África, aos cinquenta e tais desiludidos anos, Vasco redeputa. Ou deputa, que é, hélas, o mesmo.


18 de Julho, 1995 dia de SSas Marina e Gundenes, virgens.
O calendário promete, para depois de dias sufocantes, ventos de O e NO que refrescarão o ambiente e despejarão os céus. Assim seja!





VASCO OUTRA VEZ


Eram já horas do leitinho, xixi e cama quando um amigo mais ansioso me telefonou. "O Vasco arreou!", disparou. "Vasco? Que Vasco? " repontei mal desperto de uma inocente modorra a que a tv e a lareira acesas não eram estranhas. E acudiam-me, tresmalhados todos os Vascos conhecidos desde o Gama altivo perante o Samorim de Calecut até ao "companheiro Vasco, força, que nós somos a muralha de aço". Pelo meio, sem o brilho da fama, perpassavam o Vasco Henriques e o Vasco Reis, amigos de outros tempos e estúrdias.

É nesses temíveis nanossegundos, em que tentamos identificar uma voz, uma pessoa ou um acontecido, que nos acodem as mais lúgubres ideias: É um credor! Morreu fulano! O Saramago ganhou o Nobel! O dr. Manuel Monteiro teve uma ideia!

A coisa complica-se se, como disse, estamos, empanzinados pela jantarada, a tentar fazer o metafórico quilo diante da tv e ao aconchego da lareira. Passa-se de um estado de sonolenta beatitude para um mundo de campainhas estrídulas e notícias ameaçadoras: "Morreu alguém!" pensei. "Morreu o Vasquinho, porra!". E neste sentido porra lá ia mais um pedaço de infância roto pelo remorso de quem não deu nem pediu notícias durante anos e anos...

Todavia, e neste caso, o desengano foi rápido: Dos Vascos citados a Parca só levara -e já há um par largo de séculos! - o primeiro, poupando os companheiros (de infância e juventude uns e da muralha de aço o outro) citados. O Vasco da história estava vivo e recomendava-se. Não morrera, não corria risco de vida que se soubesse, apenas se demitira de deputado. Demorei a localizá-lo por lhe ter perdido a pista. Durante os últimos meses dele só se ouvia um silêncio espesso e grave como convém a um recém eleito pai da pátria em trabalhos de parlamento.

A minha querida amiga e leitora Judite Mendes de Abreu (para quem esta vai com beijos e saudades) já percebeu que me refiro a Vasco Pulido Valente pseudónimo literário e parlamentar do Doutor Vasco Correia Guedes. Lembrar-se-á, seguramente, do pequeno frémito com que foi acolhida a sua candidatura a deputado pelo PSD aceitando o convite do dr. Fernando Nogueira. Vasco foi uma espécie de parada-resposta ao anúncio da candidatura Portas pelo Partido Popular.

A imprensa (incluindo o conspícuo "Publico") futurou coisas espantosas para S Bento graças à fulgurante entrada destes dois conhecidos comentaristas. Os partidos mais à esquerda eram cruelmente caricaturados por não recorrerem, eles também, a um par de jornalistas com créditos firmados na verrina hebdomadária. Houve mesmo quem anunciasse uma nova idade de ouro para o parlamento com mais e renovadas orações à moda de José Estêvão. Anteviam-se, com impaciente júbilo e orelhas atentíssimas (e lavadas...), duelos, desgarradas oratórias, verve, talento e ironia a rodos.

Acrescente-se, todavia, que também neste quadro mimoso e resplendente apareceram os habituais velhos do Restelo. "Deixa-os pousar..." terão regougado, solertes, alguns deputados do PS partido que, há que convir, conta com poucos leões da Metro ( e de parco rugido...) na arena parlamentar.

Os maus só não ganham nas histórias infantis e em certo antigo cinema de Hollywood: não foram precisos mais de quatro meses (se tantos foram...) para VPV anunciar urbi et orbi o seu abandono do parlamento. Terá sido esse, até, o momento em que mais foi ouvido em tão augusta casa. Aliás não consigo recordar qualquer intervenção do combativo articulista. E não foi por falta de motivo há que dizê-lo que, com o espesso silêncio a que se tem remetido o antigo partido do poder, até um gago –querendo - poderia ter repetido a saga de Demóstenes.

Perdem-se em conjecturas os habituais observadores da cena política: terá Vasco, secretamente, decidido alistar-se no partido do governo e por isso entende só dever hostilizá-lo fora do areópago? Terá perdido a voz, enrouqueceu, entaramelou-se-lhe a língua e preferiu a mudez forte do açoite ao véu diáfano da crítica?

Num samizdat perpetrado em 18 de Junho de 95, afirmava-se que Vasco, qual Rimbaud lusitano e de via estreita se refugiava no parlamento por nada mais ter a dizer. Convenhamos que ia naquele pobre naco de prosa alguma verdade. Vasco, se os deputados fossem pagos à peça oratória, teria vivido das economias estes últimos meses.

Vasco redeputa? , perguntava-se. A resposta, mais rápida do que seria de esperar, é negativa: Não, Vasco não redeputou. Arreou simplesmente. E, com a mesma falta de glória com que entrou, sai de S Bento. Boa viagem, dirão os mais piedosos. Ao articulista, cada vez mais afrancesado apetece dizer: "Bon débarras" !

Fevereiro, 28 dia de S Macário e companheiros mártires
1996



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