20 janeiro 2006

"Envelope", Justiça e separação de poderes

A questão do envelope 9 é mais uma demonstração de que tudo pode acontecer na Justiça. Pode ser verdade que o MP não tenha visto os dados ocultos. Pode ser que tenha sido algum advogado a ver as informações. E daí? A conclusão é de que alguém pediu a informação em suporte digital. Para quê ? Para poder manipular os dados. E alguém fez o que era óbvio, analisou o documento e as informações nele contidas. Pelos vistos, não foi o MP!

Mas erros desses acontecem todos os dias. E não é preciso crucificar ninguém. O que não podemos é continuar a defender que o Senhor Procurador Geral da República nunca sabe de nada nem é responsável por nada. Se não sabe, nem controla, deve ser demitido. Se não pode, deve ser extinto o cargo, porque, nesse caso, a função é inútil.

A autonomia não pode conduzir à anarquia. E muitas vezes os sistemas "autónomos" tornam-se inimigos da cidadania (esse problema não ocorre só nos tribunais, pois se reproduiz nas escolas, hospitais e muitos sistemas "autónomos" que ninguém controla, nem regula). E é triste que seja o Tribunal Constitucional a lembrar a um tribunal que temos direito a saber porque somos presos ou detidos. Como mais triste é o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem ter de lembrar aos tribunais que há direito de opinião.

A liberdade de opinião e expressão é fundamental na sociedade moderna. Deve ser exercida de forma responsável e de boa fé, como é óbvio. Não podemos é continuar a defender, em nome da "independência" dos tribunais que não possam os processos e os procedimentos judiciais ser comentados e analisados politicamente ou pelos cidadãos. Não demora muito estamos a ser presos pela interposição de recursos de decisões jurisdicionais de que discordamos.

A pronúncia pela Assembleia da República sobre um procedimento judicial não envolve qualquer dano para a independência do tribunal. As decisões judiciais e os seus procedimentos estão sujeitos à análise política dos representantes da Nação, pois para isso os elegemos. A eles cabe analisar os factos e tomar decisões para evitar que os Tribunais possam violar a Constituição e a Declaração dos Direitos do Homem. Porque, deixemo-nos de tretas, os tribunais não são perfeitos, nem os magistrados são perfeitos. Trats-se de isntituições e de pessoas humanas.

Nenhuma dúvida pode existir de que as decisões dos tribunais são para cumprir. É esse o nosso dever, porque a realização e aplicação do Direito é garante da Justiça e a Lei é fundamento da vida social. Eu tenho o dever de cumprir, mas tenho o direito de analisar, de criticar e de propor medidas para que os erros se corrijam e se não voltem a repetir, na medida do possível.

E tenho muita pena de que, num processo em que se discutem situações graves, uma investigação, que devia ser exemplar e não deixar dúvidas, passe a vida a ser ridicularizada na praça pública. Não vale a pena haver defesa corporativa ou por identidade. Devia era haver um esclarecimento claro, sério e cabal que a todos nos tranquilizasse de que os inocentes são absolvidos e que os culpados são condenados. Mas de modo nenhum corramos o risco, como corremos, de que um inocente (por erro que não pode ser criticado, em nome da "independência") seja condenado. Porque esse infeliz pode ser qualquer um de nós.

Sempre defendi e defendo que a investigação criminal devia ser tarefa da Polícia Judiciária e que ao Ministério Públcio competia validar os actos de investigação e deduzir a acusação. Pelo menos, sabiamos quem eram os responsáveis pelos erros e pelos sucessos.

6 comentários:

Kamikaze (L.P.) disse...

Caro Mocho, seja bem regressado.

Sera que com isto que escreveu (cito) "A conclusão é de que alguém pediu a informação em suporte digital. Para quê ? Para poder manipular os dados." quer mesmo dizer o que parece???? Sera? Relembro que esta mais que esclarecido que foi o MP (quem mais poderia ser???)que pediu o envio em suporte digital.
(alias acho extraordinario todo o sururu que se tem feito sobre o alegado "misterio" do pedido em suporte digital, pois de repente parece que ja ninguem se lembra que a desmaterializaçao e ja quase um "designio nacional" e o tal pedido esta prestes a configurar um crime de lesa majestade, ainda que ja tenha sido explicado e reexplicado que so assim seria possivel proceder ao pretendido - pelo MP - cruzamento de dados!)

Sem esta duvida esclarecida passo adiante de tudo o mais que e passivel de comentario neste seu post.
A nao ser o seguinte (tambem para o mcr et alia):
sera que os que agora vem dizer "olhem la afinal que mal tinha o PGR ir prestar uns esclarecimentos genericos a AR, so lhe fica e bem, os magistrados tem de prestar contas a alguem" nao vislumbram que tudo teria sido bem diverso, hoje na AR, sem o "murro na mesa" de ontem? Nao saberao os ilutres companheiros incursionistas que nao se convoca um PGR a AR sem uma ordem de trabalhos e que essa pode ser do conhecimento de mais alguem para alem do emitente e do destinatario? Nao saberao e concordarao que uma coisa e comentar decisoes de tribunais outra bem diversa fazer certas inquiriçoes ao PGR sobre um processo criminal em curso, alias em fase de julgamento, onde essas inquiriçoes ja estao a ser efectuadas por ordem da juiz presidente? Ou de um processo de inquerito em curso e sujeito, assim, ao segredo de justiça? E que nestes casos tais inquiriçoes sao legal, constitucional e eticamente inadmissiveis?
Ah - ja agora agradeço me poupem ao argumento da defesa corporativa" -:) porque, hao-de convir aqueles que aqui me leem ha dois anos, esse labeu manifestamente nao me cola.

Mocho Atento disse...

Quando referi "manipular", não tinha na ideia qualquer sentido pejorativo. Queria apenas dizer que o suporte digital permite fazer modificações, comparações e estabelecer séries; enfim, tirar conclusões rápidas após submissão dos dados aos filtros que se pretendam.

M.C.R. disse...

Kami
Não era a si que eu referia como defensora de corporações. Mas a verdade é que tal defesa corporativa existe. E de que maneira.

Caro Mocho: eu não sei se é ou não possível maniular uma disqute como as entregues ao tribunal.
E espero que não seja possível.

Kami, de novo
Pessoalmente acho muito bem que o PGR vá à Assembleia. Foi e fez muito bem. Se calhar devia ir lá mais vezes.

Lamento dizer-lhe que não acredito em inquéritos feitos no Tribunal. Nem acredito na liberdade de quem os faz.
É uma fé não uma certeza mas se tudo isto fosse bem feito seria alguém absolutamente exterior ao Tribunal e sem ter que reportar directamente a este.

E por favor não me junte a nenhuma "alia". Desde há muito que cavalgo sozinho quando se trata de questões destas. Também já aqui escrevi dezenas de textos sobre estes temas pelo que a minha posição poderia ser mais bem entendida. Mas de facto ninguém é obrigado a aturar essas minhas caturrices.
Olhe parece-me que vou ouvir Mozart como aconselho na farmácia que há minutos enviei. É outro ambiente.

Kamikaze (L.P.) disse...

Atençao as boas maneiras, oh comentadores! contundencia sim, ofensa nao...

o sibilo da serpente disse...

Afinal, o Mocho Atento tem razão quando se preocupa com os delitos de opinião. E que tal se o prendessem por causa disso?

Primo de Amarante disse...

O sr. comentador é um pouco o estado da Justiça: um autismo obstinadamente exacerbado. O Mocho Atento diz o que toda a gente, de uma forma ou de outra, ´diz. E é uma pessoa preocupada com os valores que devem orientar as instituições. E a sua intervenção, como a de muita gente que não faz parte da corporação vai nesse sentido. Se ele não tem o direito a ter opinião, eu também não a usarei e fique Sua Execelência, o sr. Comentador, a falar sozinho. Mas isso não lhe vai fazer muito proveito, porque as "coisas" na justiça têm de mudar (obrigatoriamente), ganhe Cavaco ou Jerónimo. Não tenha dúvidas!