A questão do envelope 9 é mais uma demonstração de que tudo pode acontecer na Justiça. Pode ser verdade que o MP não tenha visto os dados ocultos. Pode ser que tenha sido algum advogado a ver as informações. E daí? A conclusão é de que alguém pediu a informação em suporte digital. Para quê ? Para poder manipular os dados. E alguém fez o que era óbvio, analisou o documento e as informações nele contidas. Pelos vistos, não foi o MP!
Mas erros desses acontecem todos os dias. E não é preciso crucificar ninguém. O que não podemos é continuar a defender que o Senhor Procurador Geral da República nunca sabe de nada nem é responsável por nada. Se não sabe, nem controla, deve ser demitido. Se não pode, deve ser extinto o cargo, porque, nesse caso, a função é inútil.
A autonomia não pode conduzir à anarquia. E muitas vezes os sistemas "autónomos" tornam-se inimigos da cidadania (esse problema não ocorre só nos tribunais, pois se reproduiz nas escolas, hospitais e muitos sistemas "autónomos" que ninguém controla, nem regula). E é triste que seja o Tribunal Constitucional a lembrar a um tribunal que temos direito a saber porque somos presos ou detidos. Como mais triste é o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem ter de lembrar aos tribunais que há direito de opinião.
A liberdade de opinião e expressão é fundamental na sociedade moderna. Deve ser exercida de forma responsável e de boa fé, como é óbvio. Não podemos é continuar a defender, em nome da "independência" dos tribunais que não possam os processos e os procedimentos judiciais ser comentados e analisados politicamente ou pelos cidadãos. Não demora muito estamos a ser presos pela interposição de recursos de decisões jurisdicionais de que discordamos.
A pronúncia pela Assembleia da República sobre um procedimento judicial não envolve qualquer dano para a independência do tribunal. As decisões judiciais e os seus procedimentos estão sujeitos à análise política dos representantes da Nação, pois para isso os elegemos. A eles cabe analisar os factos e tomar decisões para evitar que os Tribunais possam violar a Constituição e a Declaração dos Direitos do Homem. Porque, deixemo-nos de tretas, os tribunais não são perfeitos, nem os magistrados são perfeitos. Trats-se de isntituições e de pessoas humanas.
Nenhuma dúvida pode existir de que as decisões dos tribunais são para cumprir. É esse o nosso dever, porque a realização e aplicação do Direito é garante da Justiça e a Lei é fundamento da vida social. Eu tenho o dever de cumprir, mas tenho o direito de analisar, de criticar e de propor medidas para que os erros se corrijam e se não voltem a repetir, na medida do possível.
E tenho muita pena de que, num processo em que se discutem situações graves, uma investigação, que devia ser exemplar e não deixar dúvidas, passe a vida a ser ridicularizada na praça pública. Não vale a pena haver defesa corporativa ou por identidade. Devia era haver um esclarecimento claro, sério e cabal que a todos nos tranquilizasse de que os inocentes são absolvidos e que os culpados são condenados. Mas de modo nenhum corramos o risco, como corremos, de que um inocente (por erro que não pode ser criticado, em nome da "independência") seja condenado. Porque esse infeliz pode ser qualquer um de nós.
Sempre defendi e defendo que a investigação criminal devia ser tarefa da Polícia Judiciária e que ao Ministério Públcio competia validar os actos de investigação e deduzir a acusação. Pelo menos, sabiamos quem eram os responsáveis pelos erros e pelos sucessos.
20 janeiro 2006
"Envelope", Justiça e separação de poderes
Marcadores: mocho atento
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6 comentários:
Caro Mocho, seja bem regressado.
Sera que com isto que escreveu (cito) "A conclusão é de que alguém pediu a informação em suporte digital. Para quê ? Para poder manipular os dados." quer mesmo dizer o que parece???? Sera? Relembro que esta mais que esclarecido que foi o MP (quem mais poderia ser???)que pediu o envio em suporte digital.
(alias acho extraordinario todo o sururu que se tem feito sobre o alegado "misterio" do pedido em suporte digital, pois de repente parece que ja ninguem se lembra que a desmaterializaçao e ja quase um "designio nacional" e o tal pedido esta prestes a configurar um crime de lesa majestade, ainda que ja tenha sido explicado e reexplicado que so assim seria possivel proceder ao pretendido - pelo MP - cruzamento de dados!)
Sem esta duvida esclarecida passo adiante de tudo o mais que e passivel de comentario neste seu post.
A nao ser o seguinte (tambem para o mcr et alia):
sera que os que agora vem dizer "olhem la afinal que mal tinha o PGR ir prestar uns esclarecimentos genericos a AR, so lhe fica e bem, os magistrados tem de prestar contas a alguem" nao vislumbram que tudo teria sido bem diverso, hoje na AR, sem o "murro na mesa" de ontem? Nao saberao os ilutres companheiros incursionistas que nao se convoca um PGR a AR sem uma ordem de trabalhos e que essa pode ser do conhecimento de mais alguem para alem do emitente e do destinatario? Nao saberao e concordarao que uma coisa e comentar decisoes de tribunais outra bem diversa fazer certas inquiriçoes ao PGR sobre um processo criminal em curso, alias em fase de julgamento, onde essas inquiriçoes ja estao a ser efectuadas por ordem da juiz presidente? Ou de um processo de inquerito em curso e sujeito, assim, ao segredo de justiça? E que nestes casos tais inquiriçoes sao legal, constitucional e eticamente inadmissiveis?
Ah - ja agora agradeço me poupem ao argumento da defesa corporativa" -:) porque, hao-de convir aqueles que aqui me leem ha dois anos, esse labeu manifestamente nao me cola.
Quando referi "manipular", não tinha na ideia qualquer sentido pejorativo. Queria apenas dizer que o suporte digital permite fazer modificações, comparações e estabelecer séries; enfim, tirar conclusões rápidas após submissão dos dados aos filtros que se pretendam.
Kami
Não era a si que eu referia como defensora de corporações. Mas a verdade é que tal defesa corporativa existe. E de que maneira.
Caro Mocho: eu não sei se é ou não possível maniular uma disqute como as entregues ao tribunal.
E espero que não seja possível.
Kami, de novo
Pessoalmente acho muito bem que o PGR vá à Assembleia. Foi e fez muito bem. Se calhar devia ir lá mais vezes.
Lamento dizer-lhe que não acredito em inquéritos feitos no Tribunal. Nem acredito na liberdade de quem os faz.
É uma fé não uma certeza mas se tudo isto fosse bem feito seria alguém absolutamente exterior ao Tribunal e sem ter que reportar directamente a este.
E por favor não me junte a nenhuma "alia". Desde há muito que cavalgo sozinho quando se trata de questões destas. Também já aqui escrevi dezenas de textos sobre estes temas pelo que a minha posição poderia ser mais bem entendida. Mas de facto ninguém é obrigado a aturar essas minhas caturrices.
Olhe parece-me que vou ouvir Mozart como aconselho na farmácia que há minutos enviei. É outro ambiente.
Atençao as boas maneiras, oh comentadores! contundencia sim, ofensa nao...
Afinal, o Mocho Atento tem razão quando se preocupa com os delitos de opinião. E que tal se o prendessem por causa disso?
O sr. comentador é um pouco o estado da Justiça: um autismo obstinadamente exacerbado. O Mocho Atento diz o que toda a gente, de uma forma ou de outra, ´diz. E é uma pessoa preocupada com os valores que devem orientar as instituições. E a sua intervenção, como a de muita gente que não faz parte da corporação vai nesse sentido. Se ele não tem o direito a ter opinião, eu também não a usarei e fique Sua Execelência, o sr. Comentador, a falar sozinho. Mas isso não lhe vai fazer muito proveito, porque as "coisas" na justiça têm de mudar (obrigatoriamente), ganhe Cavaco ou Jerónimo. Não tenha dúvidas!
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