24 janeiro 2006

Pós-presidenciais

Passaram as eleições, os portugueses elegeram um novo Presidente e está (quase) na hora de virar a página. Cavaco ganhou à primeira volta, como era previsível, mas sem conseguir aquela maioria avassaladora que os seus apaniguados esperavam. Por causa das coisas, Cavaco só pôde sair de casa bastante tarde, não fossem as contas acabar furadas. Cavaco teve um resultado bom, confortável, mas não teve um score que lhe permita “passar por cima” de Sócrates e da maioria parlamentar. Está assim criado um quadro que limitará, de algum modo, as ingerências que Cavaco poderia estar tentado a fazer na governação do país. Para pesar do PSD e do PP, que vão ter que saber lidar com esta coabitação.

A esquerda perdeu e aqui não há lugar a meias-vitórias. Alegre, político desde sempre, deputado há 30 anos, vice-presidente do Parlamento com todas as mordomias inerentes, recente candidato perdedor à liderança do PS (e do seu aparelho) e hesitante pré-candidato a PR, como já foi aqui reconhecido por apoiantes seus, federou, de forma assaz curiosa, o voto do descontentamento dos que estão sempre contra os partidos, os aparelhos e os políticos, o voto de alguma esquerda e direita “chique”, o voto “cultural”, o voto revivalista da revolução de Abril, o voto do povo simples que verdadeiramente não o conhecia, o voto dos que achavam que aos 81 anos é tarde, mas aos 70 está-se bem. É claro que havia muitos apoiantes convictos e conhecedores das características de Manuel Alegre, mas esses eram uma imensa minoria.

A propósito da abertura da política aos cidadãos e à cidadania – a palavra quase que se gastava de tanto ser usada – contava-me neste Sábado um ex-ministro independente dos governos de Guterres que Alegre chegou a tentar impedi-lo de participar numa reunião com o Grupo Parlamentar do PS por ser independente e “tecnocrata”!

Soares teve uma pesada derrota, que partilha com Sócrates e o PS. Soares não deveria ter-se candidatado e os seus próximos deveriam ter sido os primeiros a desencaminhá-lo. Mas a realidade foi outra e o resultado foi péssimo. Os portugueses nunca compreenderam a necessidade deste regresso de Soares e isso foi fatal. Contudo, gostei de ver a humildade e a solidariedade demonstradas por Soares e Sócrates na hora da derrota. E os que pensam que Sócrates é de plástico estão bem enganados.

Jerónimo teve um óptimo resultado do ponto de vista partidário, o mesmo não acontecendo a Louçã, que viu fugir muito eleitorado para Manuel Alegre. Garcia Pereira também não conseguiu reunir o habitual pleno do PCTP/MRPP, se calhar porque desta vez não havia a foice e o martelo.

Uma palavra final para dizer que, em minha opinião, Cavaco também ganharia na segunda volta. Ficaram demasiadas feridas entre os eleitorados de Alegre e de Soares para que pudesse haver uma transposição directa dos votantes de um para o outro candidato numa segunda volta. Uma maior mobilização do centro-direita e uma maior abstenção na esquerda conduziriam Cavaco à vitória.

2 comentários:

M.C.R. disse...

Meu caro JCP
1 quanto a mordomias de deputados estamos conversados, São tais e tantas que quem ganha razoavelmente foge da deputação como o diabo da cruz. Essa é uma das razões porque a qualidade tem vindo a baixar.
2 E se, mesmo assim, achar que há mordomias estão todos por igual ou nem isso: Soares tem reforma de presidente da republica e Cavaco a de primeiro ministro. Ou por outras palavras uns são mais iguais que outros, para citar George Orwell
3 Um milhão de votos não se escondem atrás duma árvore.são tantos quantos os de soares e Jerónimo somados Essa da esquerda alguma não lembra ao oares e Jerónimo juntos!!!
4. Claro que V adiciona-lhe a direita chique. Também o nosso Carteiro diz o mesmo... eu conheço alguma direita chique e garanto-lhe que Alegre com a sua voz emprestada à rádio de Argel não convence uma dúzia de direitistas chiques. Convenceu isso sim vários conhecidos meus do psd e do mesmo tempo de coimbra. e ficou por aí.
5. Também não creio em transferências do bloco que parecem pelos números comparados desta e da anterior votação terem-se operado para Jerónimo.
6 Parece-me injusto vir dizer que foi o povo "simples que não conhecia alegre" que votou nele. então porquee é que não terá igualmente votado nos restantes. Aliás o voto em Alegre é fundamentalmente urbano e das zonas tradicionais da esquerda como V poderá facilmente comprovar.
7 queira o meu caro Amigo ou não queira há uma diferença entre 81 anos e os 69 de Alegre.
E terá de concordar que uma diferença de 11 anos é nesstas idades uma diferença de peso. com 71 anis ainda soares era presidente...
Estatisticamentwe o meu querido amigo Mário Soares já está morto. Estatisticamente, claro... e auguro-lhe uma larga centena bem disposta porque ele merece.
8 finalmente descubro-me elemento de uma imensa minoria (de um milhão de pessoas). E tem V toda a razão: voto com a minha cabeça e com o meu coração sem ceder a diktats partidários ou sequer como é o caso a uma fortíssima militancia no MASP I E II.
9 Já aqui o disse mas repito-o: do século XX português ficam para a história Soares, Cunhal Salazar e, provavelmente Afonso Costa que dominou as duas primeiras décadas do século e necessita que se lhe retire a ganga canalha que a ditadura lhe atirou para cima.
10. não sei dizer se uma segunda volta daria ou não a vitória á esquerda. O seu argumento das "feridas abertas" contém alguma bondade mas muito pior foi a situação na 1ª eleição de soares. O PC até teve de fazer um congresso e cunhal apareceu na TV a pedir o voto dos comunistas em Soares mesmo sem lhe olhar para o retrato. Parece-lhe pouco? E os violentíssimos ataques á candidatura Pintasilgo, recorda-se? E mesmo assim foi o que se viu. Claro que tanta esta minha tese como a sua são meros exercícios do género "e se o nariz de cleopatra fosse pequeno a história seria a mesma?
11 eu sou dos que pensam que nestas lides de tudo ou nada a esquerda é mais mobilizável e mobilizada que a direita. Mas tudo isso terá de ficar para mais tarde. Para daqui a quatro anos.

finalmente: não leve a mal esta minha contestação tanto mais que perdemos ambos as eleições. E também acrescento houvesse segunda volta e fosse Soares o candidato lá estaria eu nem que fosse de muletas para o votar. E tenha a certeza que a grnade maioria para não dizer a totalidade dos meus amigos idem. A malta é de esquuerda e gosta.

jcp (José Carlos Pereira) disse...

Caro MCR, onde foi buscar essa do "não leve a mal esta minha contestação..."? Era só o que faltava!
Temos mas é que esclarecer estas coisas...à mesa e em breve.