17 fevereiro 2006

Miserere - Requiem pela Poesia


Hoje, ao fim do dia, naquela hora em que já sentimos o “irmão” corpo cansado, a vista um pouco turva, deixamos fluir a Alma... Lá fora, os carros deslizam rápidos, sem pensarem em nada. A noite já estendeu o seu manto pela cidade.

Deixo-me cair um pouco para trás, na cadeira, com um suspiro, abrindo a mão e deixando a parker rolar sobre a secretária, para se imobilizar um pouco mais adiante. À espera do dia seguinte.

A minha colega do gabinete ao lado vem dar dois dedos de conversa. Falamos sobre música. Do meu gosto acerca das Missas, dos Salmos, dos Requiems…E recordo-me subitamente do Bailado da Gulbenkian. Sobretudo das grandes criações protagonizadas pelo coreógrafo checo Jirí Kylián, que sempre oferecia ao amante da magia noites especiais.

O Ballet Gulbenkian foi o meu primeiro contacto com esse mundo no qual a realidade é transfigurada em puro sonho.

Através dele assisti a espectáculos de bailado que me deixavam extasiado!

Como foi possível esta atitude criminosa de acabar assim, abruptamente, com uma Companhia que era garante de casa cheia?

E cuja qualidade era internacionalmente reconhecida?

Os burocratas (por definição estúpidos) terminaram com a actividade daquela maravilhosa Companhia devido, disseram, à reestruturação da Fundação.

Não posso aceitar nem percebo como uma alegada “reestruturação” serve de meio para terminar com uma das poucas coisas de que Portugal se podia gabar no estrangeiro.

É o fim de um projecto que estava em plena pujança, o fim do lenitivo dos amantes das noites poéticas.

Resta-nos o futebol, as costumadas telenovelas, os concursos, os “talk shows”, o voyerismo idiota.

Vamos todos adormecendo lentamente. É uma pena este Portugal estar tão abandonado, como que morto. Entregue que está a feirantes...
Parece estar esta terra mergulhada num sono letárgico, num torpor do qual não se consegue libertar...
Aos administradores (?) da Gulbenkian deixo este brocardo latino ( espero que eles entendam...):
Qui gladio ferit gladio perit!

dlmendes

2 comentários:

jcp (José Carlos Pereira) disse...

Também eu me deliciei várias vezes com o Ballet Gulbenkian cá por cima, no Europarque.

C.M. disse...

Caro JCP, deve ter sido o “Outsight” e “O Canto do Cisne”, dois bailados em estreia mundial (era o costume) que o Ballet Gulbenkian apresentou no Auditório do Europarque, em Santa Maria da Feira.

O “Canto do Cisne” pretendia confrontar o público com o desconhecido e o mistério, em direcção àquilo que provavelmente de mais enigmático existe em tudo o que desconhecemos: a morte.

Hoje, é particularmente relevante recordar esse bailado e discorrer sobre estas “matérias” pois faleceu um colega meu de trabalho, jurista distinto e homem fraterno, e fui velá-lo um pouco à Igreja de São João de Deus

Kyrie eléison!