23 fevereiro 2006

Sistema de Avaliação de Desempenho para a Administração Pública

Pelo que sei, foi hoje discutido na Assembleia da República o Sistema de Avaliação de Desempenho para a Administração Pública, o chamado SIADAP. Trata-se de uma discussão sobre o anterior diploma que entrou em vigor em 2004, se não me engano.

Não sei o que pensam sobre este instrumento. Eu penso que é um excelente meio de dinamizar serviços, introduzindo alguma justiça na avaliação que foi feita até há pouco tempo. De facto, os Muito Bons que proliferam na avaliação dos funcionários são marcadamente excessivos. O anterior modelo de avaliação nasceu torto e torto morreu.

O que interessa agora é o novo modelo. Como sabem, este assenta em grande medida na definição e avaliação de execução de objectivos. Isto vem introduzir uma mudança substancial na forma de avaliar. Sabemos que a gestão pública está normalmente mais preocupada em cumprir as normas e em não cometer erros do que com os resultados e que há dificuldade em avaliar resultados com base em parâmetros objectivos. Acresce o facto que normalmente não há concorrência ao sector público. Toda esta envolvente dificulta a introdução com êxito do SIADAP, que deve ser visto como um meio e não um fim em si mesmo.
Há pois todo um caminho a percorrer.

Claro que os novos modelos de gestão não são solução milagrosa para resolver os problemas da qualidade na prestação de serviços essenciais. Todavia, o SIADAP pode ser, e já está a ser em alguns serviços públicos, uma boa ajuda para a mudança. Conheço serviços públicos que, para além da avaliação de desempenho dos funcionários introduziram a avaliação dos serviços, o chamado CAF. Este, quando bem desenvolvido, dá resultados incríveis. Digamos que se começa por onde se deve.

Tenho para mim que sendo o factor humano decisivo, é no envolvimento adequado das pessoas, aliado a um processo e responsabilização, que está um dos “segredos” da eficácia da gestão e, consequentemente, na eficácia de qualquer instrumento de gestão de recursos humanos. Por isso, é por aí que penso que se deve começar. Há muitas pessoas que o que querem é fazer o mínimo, mas a grande maioria, pelo que conheço, quer ser envolvida, motivada, dar o seu melhor e desenvolver as suas competências. Daí que não é justo serem todas avaliadas por cima. Não é justo para quem trabalha e além disso desmotiva. Esta é pois uma oportunidade para actuar.

6 comentários:

C.M. disse...

Cara Amiga “O meu olhar”: não tenho a arte do nosso d’Oliveira. Sou apenas um pobre escriba…

Contudo, gostaria de comentar este tema o qual, em boa hora o colocou aqui no “Incursões”.

Assim, quereria escrevinhar qualquer coisa acerca do SIADAP, embora rapidamente, pois tenho de fazer uma “noitada”… “ A Bem da Nação”…

Engraçado que ambos gostamos destes temas sobre a Administração Pública…

Ora bem, o SIADAP – Sistema Integrado de Avaliação do Desempenho da Administração, criado pela Lei n.º 10/2004, de 22 de Março, visava o “desenvolvimento integrado de um modelo global de avaliação que constitua um instrumento estratégico para a criação de dinâmicas de mudança, de motivação profissional e de melhoria na Administração”

E, em 14 de Maio de 2004, com o Decreto Regulamentar n.º 19-A/2004, regulou-se a avaliação dos trabalhadores, com efeitos desde logo em 2004.

Contudo, a esmagadora maioria dos serviços da Administração Pública não fez a avaliação e os poucos que a fizeram só criaram conflitos que desembocam em inúmeros recursos administrativos (graciosos) e eu que o diga que lido com tais matérias…

Em 2005, continuou-se no mesmo caminho. A maior parte dos serviços não promoveu a avaliação do desempenho de acordo com as novas regras e os que o fizeram “limitaram-se” a desrespeitar os prazos regulamentares impostos pelo próprio sistema do SIADAP, facto esse que elevou o número de processos administrativos graciosos interpostos pelos funcionários públicos afectados. E houve que lhes dar razão, pois que a lei não estava a ser cumprida. E quando não lhe foi dada razão, recorreram e continuam a recorrer para os Tribunais Administrativos…

Foi tudo feito precipitadamente e com uma certa “senha”…

Os que continuam “à sombra” ninguém os incomoda; quem efectivamente trabalha (e muito para além do que seria exigível, e sem quaisquer contrapartidas financeiras ou outras, quem tem até de sistematicamente adquirir os livros – neste caso, de Direito – caríssimos!) vê-se confrontado com a paralisação na Carreira, com o bloqueamento de vencimento e sem garantia de estabilidade. É o maravilhoso neoliberalismo! Ou então a Esquerda Moderna!


Ai Guterres, que saudades!!!


Saliente-se o facto de que também aos “corpos especiais” que são muitos na F.P. não é aplicável (ainda) o SIADAP, aplicando-se o regime anterior, revogado pelo próprio SIADAP!

Veja a confusão!

E as injustiças!

Que o sistema anterior era mais claro e permitia uma avaliação de desempenho tal como o SIADAP “pretende”…é verdade! Tinha um leque vastíssimo de “itens” para alguém poder ser correctamente avaliado!

Só que ele nunca foi aplicado com honestidade, pois tanto era classificado de “MUITO BOM” o calaceiro, o incompetente, como o funcionário diligente e competente!

Realmente, sermos classificados todos pela mesma “bitola”…é duro!

Quantas vezes aqueles que nos vêm procurar a fim de lhes darmos a solução para o caso são classificados melhor do que nós próprios!

That’s life!! A dog life!!!

Mas o SIADAP vai originar muita injustiça (já está a originá-la!).

Começa logo pela impossibilidade de aplicação de um sistema (pensado por americanos, para vender produtos como sabonetes ou desodorizantes) à Administração Pública com toda a sua “idiossincrasia” e especificidade.

Ainda há dias, uma amiga, Conselheira do STA, dizia-me ser impossível classificar, por ex., o porteiro do Tribunal. Com efeito…lembrei-me de alvitrar: há que ver se ele abre bem a porta às pessoas e, na perspectiva de quantificação, quantas vezes ele a abre…

É caricato o exemplo mas este caso vai mesmo colocar-se…

Vejamos também o caso de uma Direcção de Serviços Jurídicos: como aplicar o SIADAP a uma área destas? Um desastre!

Pareceres não são salchichas prontas a sair da linha de montagem; os processos contenciosos têm os prazos definidos na Lei, pelo que o SIADAP não é ou não deveria ser para aqui chamado!

Então, há que “inventar” métodos para, “à marretada” “encaixar” o SIADAP a uma realidade que nada tem a ver com a “economia de “mercado”.

No princípio deste mês participei de um colóquio acerca deste tema, supostamente esclarecedor. Puro engano!

A pessoa responsável pela implementação apenas falava no “produto” da Administração, nos “clientes” da Administração e como “vender” o “produto” aos “clientes”!

Se não fosse trágico, daria para rir…

Mas é trágico, pois está-se a brincar com a vida das pessoas, com a sua Carreira e com a sua dignidade!

Hão-de explicar-me a quem vou vender Pareceres e Processos!!

Adivinho um sorriso (contido por certo) no nosso Simas Santos…



O que já está a acontecer é que a avaliação de desempenho está a ser reduzida às “quotas”, desligada de quaisquer objectivos!

Considero a existência de “quotas” uma inconstitucionalidade de que a Lei 10/2004 enferma. Então não se atribui determinada qualificação, apesar do funcionário a merecer, só porque há uma percentagem de “quotas” a respeitar?

É isto justo? É isto a avaliação de desempenho? Ela está assim claramente falseada!!! Desvirtuada!

Minha amiga o que se pretende é tão só “poupar” dinheiro: para quê pagar a um Assessor se um Técnico Superior faz o mesmo por menos dinheiro?

Quem conhece a Administração Pública sabe bem do que falo.


O sistema do SIADAP foi tão bem pensado que ele, ainda a dar os primeiros passos e já com muitas “vítimas” às costas, está já a ser totalmente revisto por uma Comissão!

A realidade é sempre mais dura, para além da “propaganda”…ou da demagogia!

Muito mais há para dizer sobre o SIADAP, mas nós também não queremos aqui dar uma “lição” sobre a matéria, não é verdade?



Certo certo é que nesta III República todos os Governos que anunciaram reformas na Administração Pública sempre o fizeram focados apenas no recuo dos direitos e condições de trabalho dos funcionários, dando espaço tão só e apenas às suas “clientelas”...e depois, mais tarde, vêm queixar-se do “gigantismo do Estado!

Nunca actuaram na perspectiva da melhoria da qualidade do serviço público prestado e a prestar.

Caiu-se sempre na penalização dos, como Marcello Caetano chamava, “servidores do Estado” em vez de serem desencadeadas as necessárias melhorias das insuficiências que agora se apontam aos serviços, tais como a burocratização, a ausência de controlo financeiro e custos, eficácia e eficiência.



Um abraço fraterno a todos.

dlmendes

O meu olhar disse...

Caro Delfim,
Gostaria de lhe dizer que a informação que deu relativamente ao facto de poucos serviços terem implementado o SIADAP e de que os que o fizeram desembocou em conflito, não corresponde à totalidade da realidade. De facto, isso aconteceu em alguns serviços que eu conheço e não me custa nada acreditar, bem pelo que contrário, que tenha acontecido em muitos outros, mas não em todos, felizmente. Como afirmei no meu post, conheço serviços em que ele está a ser realizado com sucesso. Um dos casos é mesmo para mim uma referência do que pode e deve ser feito num serviço público.

Sabe, estas questões dependem muito dos dirigentes, dos que estão no topo dos serviços. Se eles quiserem, e souberam, conseguem. O que se passa é que passam mais tempo a lamentar-se e a explicar porque é que o modelo não pode ser implementado, do que a tentar perceber a forma de o utilizar com mais eficácia. Claro que o modelo tem defeitos, mas nenhum instrumento é o perfeito, pelo que a opção é nossa: pegamos nele pelo lado construtivo ou pelo lado derrotista, e segue-se em frente, que é mais um para arrumar.

Falo do que sei porque trabalhei durante mais de uma dezena de anos na administração pública e actualmente esse é um dos meus campos de intervenção preferidos. Acho que me ficou uma costela do serviço público que eu muito estimo. Quando trabalhei na AP fiz um trabalho para uma intervenção da OCDE sobre a AP portuguesa. Tratei então o tema da Avaliação de Desempenho. Na altura o anterior modelo estava a dar os primeiros passos. Infelizmente o que previ que iria acontecer, verificou-se. Este modelo actual é muitíssimo melhor, mas o anterior também não era mau. Aliás, são simples instrumentos, o que interessa é o que fazemos deles. E o que fizeram ao outro foi o que se viu. Aprendamos com os erros.

Grande parte do meu trabalho é com dirigentes do sector privado, mas trabalho também bastante com dirigentes do sector público e o que verifico é que se repete, nestes últimos, sempre o discurso que na AP os problemas são diferentes. Engano. Eu que ouço dos dois lados posso afirmar que a maioria dos problemas são iguais ou parecidos. Claro que há especificidades, mas menos do que é falado.

Concordo consigo quando afirma que o tempo dado para a implementação do SIADAP foi muito curto. As pessoas ainda não estavam a perceber o que implicava e já tinham que definir objectivos e avalia-los, sem tempo para nada, e ser saber como fazer, como definir objectivos. O diploma saiu em 2004 e no mesmo ano já tinha que haver resultados. Muito mau.

Bom, mas agora há uma outra oportunidade. O SIADAP está de facto a ser revisto, não para ser mudado na totalidade, como afirmou caro Delfim, mas sim para ser aperfeiçoado, melhorado, porque o essencial se mantém, e ainda bem.

A questão dos Corpos Especiais tem de facto de ser regulamentada, mas não só. Também as Autarquias ficaram de fora na altura. Está agora a ser trabalhada e já há uma proposta em discussão, prevendo-se para o primeiro semestre deste ano a sua publicação.

Não gostava de deixar de falar do exemplo que colocou do porteiro, penso que apenas em forma de caricatura. De facto, como sabe, o diploma do SIADAP, no seu artigo 2 sobre” Componentes para Avaliação” refere três: Objectivos, Competências Comportamentais e Atitude.
Ora essas vertentes têm pesos diferentes consoante estamos a falar de Técnicos Superiores, Administrativos, Técnico-profissionais, Operários e Auxiliares. Nos primeiros o peso dos objectivos é 60% e nos últimos 20%. Já nas competências comportamentais, o sentido é inverso: 30% para os primeiros e 60% para os últimos.


Quanto às quotas, concordo inteiramente consigo.”Desformatam” a realidade. Todavia compreendo que pode ser um meio de obrigar a haver alguma justiça, face ao que se passou com a execução do anterior modelo. Pode ser que quando o SIADAP estiver maduro, já seja possível a não existência de quotas, porque agora parece-me que funciona como um mal menor.

C.M. disse...

Cara Amiga: eu já pressentia que era uma especialista nesta área.

Realmente, é pena que, para implementação de um esquema de avaliação, tenham de ser cilindradas pessoas que não o deveriam ser. É como nas revoluções: devoram os próprios que as fizeram...Mas creio que, apesar de tudo, se passou do 8 para o 80. E que o SIADAP está mais vocacionado para uma actividade privada que pública. O sistema não tem, desculpe insistir, virtualidades que sejam aplicáveis à Administração Pública. Dei-lhe o meu próprio exemplo dos processos...

Mas, enfim, a ver vamos a "bondade" do sistema na sua aplicação. Que é como lhe digo: tenho aqui em cima da mesa inúmeros recursos graciosos e alguns contenciosos, para apreciação e ida a Tribunal, tudo derivado da recente aplicação do SIADAP.

Pena é que esteja tudo a ser feito às pressas...demorou-se muito tempo a aperfeiçoar a máquina; agora, o que não foi feito em 30 anos, querem fazê-lo num ano ou dois...

dlmendes

O meu olhar disse...

Caro Delfim, não sou especialista, sou sobretudo interessada e estudiosa do tema, porque gosto e porque está na minha área de intervenção profissional.

Também lhe peço desculpa por insistir, mas considero que é perfeitamente compatível o SIADAP e a Administração Pública. Veja o seu caso relativamente aos pareceres, por exemplo. Refere que tem prazos definidos pela Lei. Como deve entender desconheço estas situações em concreto mas atrevo-me a perguntar: esses prazos são sempre cumpridos? Ou são-no em 50% das vezes, ou…? E o que impede que o sejam a 100%? Falta de meios humanos? De equipamentos? Outros? Ora o que interessa é diagnosticar a realidade até então, como ponto de partida (porque ninguém pode construir objectivos realistas se não for a partir desta) definir metas e depois verificar se correu como o previsto, reformular as metas e de novo avaliar resultados. Trata-se de responsabilizar, mas também de identificar problemas, lacunas, pontos a melhorar, etc. Funciona. E de um modo geral os colaboradores gostam de ter objectivos claros, verificar se foram atingidos ou não, e obter reconhecimento pelo seu esforço e pelos resultados. E reconhecimento não passa obrigatoriamente por compensações financeiras. Bom, mas já estou a entrar por outras lides completares.

Concordo plenamente consigo em que estes processos precisam de tempo. Trata-se de uma mudança estrutural, que mexe com a cultura organizacional e estes processos precisam de tempo e não de uma gestão apressada.

Gostaria de deixar aqui uma frase muito conhecida, que eu aprecio em particular, e que vem a propósito:

“Não há vento favorável para quem não sabe aonde vai”
Séneca

E já agora, um provérbio chinês muito sábio:

“Se os teus projectos são para um ano, planta arroz; se são para vinte anos, planta uma árvore; para mais de um século, desenvolve os homens”

C.M. disse...

Cara Amiga, adorei esse seu comentário de Séneca (Ai a minha paixão pela Antiguidade!)

(e o provérbio chinês é fantástico!).


Tem razão quando diz que “os colaboradores gostam de ter objectivos claros, verificar se foram atingidos ou não, e obter reconhecimento pelo seu esforço e pelos resultados”.

É tal e qual! Para quem se preocupa com o seu trabalho, obviamente.

E considero que, embora os nossos vencimentos sejam uma vergonha, atendendo à responsabilidade que nos é imputada ( se se perder uma causa em Tribunal, o caso é sério...ou se porventura prejudicarmos alguém num processo por não termos cumprido um determinado prazo...somos directamente responsabilizados...) dá-nos mais “gozo” ver reconhecida a nossa capacidade profissional do que as tais compensações financeiras. Bom, estas “dão jeito” pois temos necessidade de “pão para a boca”, mas a realização profissional é, de facto, “o sal da vida”. Olhe, como a amizade é também o sal da vida!

C.M. disse...

Em tempo:

Relativamente aos objectivos, a reflexão que fez é muito importante e debatemos em conjunto precisamente esses parâmetros: os prazos de cumprimento. Mas, repare: a dificuldade está em criar objectivos, os quais têm de mudar todos os anos. No caso vertente, não é curial “encurtar” sistematicamente os referidos prazos, caso contrário, ao fim de 2 ou 3 anos de aplicação do SIADAP teremos imposto a nós próprios prazos mais curtos do que aqueles que a própria lei prevê, de tal ordem que o processo que chega hoje às nossas mãos tem de ser despachado no próprio dia!

Humanamente é impossível!

Enfim, a ver vamos...