25 fevereiro 2006

Vida pia

Dias bravos. Hoje, durante todo o dia, falaram-me sobre o processo da Casa Pia. E diziam-me: o tipo é tramado! E eu olhava, abanava a cabeça de cima para baixo (e vice-versa...) e não percebia. Só mais tarde percebi: José Maria Martins, advogado de Bibi, deduziu incidente de recusa contra o colectivo (ou só contra Ana Peres? Não sei). Parcialidade, clamou Martins.

Duvido que Martins tenha razão. De fundo. Mas isso interessa nos tempos que correm? O que vale mesmo é ser criativo. E complicar. Que o resto é de somenos. Para um país que já não acredita no MP e ainda menos no juízes - ouçam bem, nos juízes - isto é um fait divers...

5 comentários:

Conservador disse...

A novela não acaba....basta os perguntadeiros do costume fazerem o que fazem no dia a dia dos tribunais portugueses. Nada de novo. O incidente decorre da morosidade da audiência, pois aí tudo é deferido, só falta saber se houve algum acto nas Seychelles. Justiça das cautelas dizem os menos atentos, eu prefiro dizer falta de autoridade na condução.

Alexandre Ferreira disse...

O Conservador coloca uma questão interessante que é a da da forma de exercício do poder de direcção da audiência de julgamento. Mas não me parece que seja, simplesmente, uma questão de falta de autoridade em concreto. A verdade é que a forma como está desenhada estrutura processual, quer penal quer civil - e este é um tema mais do que estafado mas curiosamente nao resolvido -, torna alguns incidentes processuais desencadeados em audiência num episódio penoso e, por vezes, caricato. Os requerimentos prolixos e a necessidade de resposta fundamentada exigem imenso tempo. A própria forma de registo dos mesmos torna a coisa ainda mais demorada. Impõe-se a adopção de regras processuais mais ligeiras. E a possibilidade de despachos apenas com decisão final, a fundamentar em caso de recurso.
Por outro lado, a autoridade não depende apenas do seu exercício - a nao ser quando é armada. Isto é, num campo fundamentalmete argumentativo mas com objectivos específicos - a decisão -, ou bem que se aceita que quem decide tem autoridade para o fazer ou bem que se não aceita. E o contexto em que vivemos favorece a não aceitação dessa autoridade. Além disso, aqueles que têm o poder-dever de exercer essa autoridade têm pleno conhecimento dessa erosão e a difiduldade em lidar com esse conhecimento resulta numa acrescida limitação (se calhar auto-limitação)no seu exercício. Não é simples.

o sibilo da serpente disse...

Pois é, anda tudo muito mal. Ainda há dias fui fazer um julgamento de emissão de cheque sem provisão. Um processo de 1992! Eu estava do lado do ofendido. Na véspera, quando comecei a olhar para os papéis, suspeitei que o caso estava prescrito. Mas já nãotive tempo para aprofundar - nem isso me interessava.
Achei que, atenta a minha posição processual, também não me era exigível que levantasse a questão. O julgamento fez-se. A máquina pesada da justiça moveu-se. 14 anos depois! Sentença: prescrição. E a máquina pesada andou a mexer durante 14 anos... para nada.

o sibilo da serpente disse...

Mais um caso:
Num tribunal do interior. O meu cliente achava que não devia ser julgado por determinado magistrado, porque entendia que havia inimizade entre eles que já vinha de trás. Eu também achei. Fui falar com o magistrado e coloquei-lhe a questão. Entendeu que não se justificava. Deduzi o incidente de recusa. A Relação não deu provimento. O Supremo também não.
Muito tempo depois, fez-se o julgamento. Logo a abrir, suscitei uma questão prévia. Entendia que a acusação enfermava de nulidade, uma vez que fora deduzida pelo assistente e eu entendia que se estava perante crime semi-público, logo, deveria ter sido deduzida pelo MP.
O magistrado - o mesmo - chutou para canto. 5 ou 6 sesões de julgamento. Sentença: depois de arrasar completamente o meu cliente, com abundantes considerações sobre a existência dos pressupostos para apicação de uma pena pesada, declarou nulo o processado a partir da acusação (inclusive).
Meses mais tarde, lá veio a acusação do MP. Decalcada da acusação particular. Novo julgamento, mais 5 ou 6 sessões. As mesmas testemuhas, os mesmos advogados, o mesmo magistrado do MP. Só o juiz era diferente. Sentença: o meu cliente foi absolvido.
Aguardo decisão da Relação.

Conservador disse...

Aí está ! Os exemplos anteriores ilustram precisamente o que acima escrevi embora de forma muito sintética. Os exemplos proliferam. Ora, é preciso devolver ao juiz da 1ª instância a autoridade que tem (não é autoritarismo). Conhecer bem o ilícito-típico ou as normas fundamento para a procedência do pedido, e após moderar a audiência rejeitando o supérfluo. Num crime de condução sem habilitação legal é irrelevante perguntar-se se o arguido ainda assim conduz bem, como já vi. Ou requerer um relatório psicológico ao lado do disposto nos arts. 159 ou 160 do C.P.P. como já vi para valorar-se síndromas de frustração na infância. Mas também já vi juízes com perguntas perfeitamente inócuas. Por favor!! Todos sabemos que um julgamento de condução em estado de embriaguez pode demorar 5 minutos (como deve ser) como 6 horas (como já me contaram)...è quem preside que deve liderar a audiência, e tal em Portugal é raríssimo!