02 março 2006

Subitamente, no Porto…

«Na medida em que não está, por natureza, voltado para fins estáveis, o homem é maleável (…). A espécie humana é aquilo que quisermos fazer dela».
Myriam Revault d´Allonnes


O que pode levar um grupo de (doze, treze? Que importa?) jovens a torturar e deixar a agonizar uma pessoa?
Que processos sócio-culturais envolventes podem condicionar uma tal atitude? Será ela explicável apenas tendo em conta a dinâmica e a psicologia de grupo? Poderá ser atribuível a um preconceito, sendo a vítima transexual? É imputável à influência dos conteúdos violentos da programação televisiva?

Nos anos oitenta, houve um boom de violência juvenil em Washington (sim, a capital dos E.U.A.). No centro do aceso debate que se travou para analisar as respectivas causas e tentar reagir ao fenómeno, houve um dado que inquietou os investigadores e estudiosos: um grupo de menores afirmara ter agredido um outro até à morte «just for fun» (só para gozo, só por brincadeira).

É sabido que os comportamentos dos jovens mimetizam os padrões que os media difundem, (algumas vezes até com intuitos pedagógicos).
A violência juvenil provocada pela exclusão social é verificada na Família, na Escola e na Rua.
É na Rua, também, onde outros fenómenos sociais resultantes da exclusão são expostos, como a mendicidade, a toxicodependência, a prostituição.
O que se passou no Porto é uma manifestação de dois pólos da mesma realidade, infelizmente crescente nas sociedades contemporâneas do Ocidente europeu. Um grupo de jovens com comportamentos delinquentes – oriundos de uma margem social não inserida – seviciou, até à morte, uma pessoa ela também socialmente excluída (imigrante ilegal, transexual e toxicodependente), aparentemente sem qualquer das motivações mais frequentes para este tipo de crime (no momento em que se escreve não está estabelecido se a morte foi resultado pretendido pelos jovens, mas foi, pelo menos, consequência do seu comportamento).

E choca-nos o desprezo manifestado pelo valor Vida e Dignidade, que devem ser valores absolutos. È difícil compreender um tal comportamento.
Mas, pretender observar as causas mais superficiais do fenómeno da violência juvenil é um erro metodológico. Querer atribuir exclusivamente aos modelos de institucionalização de jovens a responsabilidade (pelo menos, a culpa in vigilando) por semelhantes ocorrências é perverso, porque se toma a «nuvem por Juno».
Por um lado, seria ignorar que tais modelos também têm casos de sucesso.
Por outro, seria irresponsável, porque se estaria a branquear todo o processo causal e anterior que determina a institucionalização das crianças e jovens.
Isto, sem prejuízo de poder haver alguma negligência na guarda e uma certa omissão na intervenção cívica e social sobre os jovens institucionalizados (de que não temos absolutamente quaisquer dados seguros).

Assim, quando um jornal pergunta «Como foi possível?», deveria, antes, questionar «Como é possível não acontecer mais vezes?».

4 comentários:

Kamikaze (L.P.) disse...

As Boas vindas a Contraverso! E votos de uma participaçao quantitativamente regular (que qualitativamente boa e garantido...:)
Quanto ao coment do Intrometido, nem contraargumento, ha coisas para que ja nao tenho pachorra e gastar latim so quando vale a pena, o que nao parece ser o caso.

Mocho Atento disse...

Não podemos educar as crianças, criando-lhes a convicção de que os seus actos não têm consequências.

M.C.R. disse...

Caro Contraverso
seja bem chegado a este porto frequentado pela flor da marinhagem desde Nemo a Sandokan.
Apenas um toque: estes rapazes (ou alguns deles ou colegas da mesma instituição) já se tinham tornado conhecidos na vizinhança por pequenos atropelos (roubos, zaragatas, pequenas agressões. Isto vem nos jornais ou pelo menos no Público. E há mais instituições públicas ou dependentes de IPSS onde ocorrem distúrbios que chegam à rua abafados mas chegam.
as Casas de Correcção deram tudo: boa gente e patifes. Os psicólogos e restantes formadores de juventude tamb´wem têm de tudo: bom e mau. idem quanto à actual "ideologia educativa". A coisa aqui é suficientemente grave para não andarmos a emular o Far West.
O Intrometido poderá sempre dizer que nos "velhos tempos" não se via disto. Ver, via-se mas havia sempre a mão solícita da censura para não permitir a informação.
Eu acho espectacular esta do contrAverso. Pena vir com copyright.

Silvia Chueire disse...

Bem vindo !

Silvia