No de la espada o de la roja lanza
Defiendeme, sino de la esperanza
(religio medici, 1643)
Morir es una costumbre
Que sabe tener la gente.
(milonga de Manuel Flores)
Paroquianas e paroquianos, são boas as notícias de hoje, mesmo que se inscrevam num incerto cenário de violência antiga (?), de infâmias várias e de (como não havia de ser? de memorias berlinenses, muito minhas, misturadas com outras de variadas latitudes ou longitudes ou as duas à vez.
Comecemos pelas da pátria: Jorge Luis Borges! Não por ser vagamente descendente de portugueses, como alguma vez escreveu num belo poema, mas por ser um imenso escritor. Ora bem, uma editora, ia jurar que é a Teorema do meu compadre Carlos Veiga Ferreira, um desses editores cultos e inteligentes que vão rareando e que só publica o que muito bem lhe apetece e gosta, atirou, dizem-me (que ainda os não vi) para as livrarias dois livros sobre o argentino que não teve o prémio Nobel (também Musil, Kafka ou Proust o não tiveram e o mundo não ficou pior). Uma fotobiografia e uma biografia. Em ambas, julgo, anda a mão excelente de Alejandro Vaccaro, pessoa recomendabilíssima. A Páscoa aproxima-se? Pois aí têm amêndoas e das melhores!
As duas inscrições que abrem esta receita são do “velho Senhor” como não podia deixar de ser, de um livro que em seu tempo se chamou “El oro de los tigres” (Emecé, Buenos Aires, 1972).
Borges descobri-o, ou melhor alguém o descobriu para mim, nos primeiros anos de 60, numa tertúlia de amáveis leitores capitaneada pelo Eduardo Guerra Carneiro acabado de chegar de Trás os Montes com um livrinho debaixo do braço ("O Perfil da Estátua", seu livro de estreia , a esquecer). Tratava-se de uma edição em português, já não sei de que editora, uma antologia que me deu a certeza que passasse o que se passasse eu tinha de aprender o suficiente espanhol para o ler no original. De tantos sonhos, promessas e planos, foi este um dos poucos que concretizei. Enhorabuena!, como diriam os meus amigos do outro lado da fronteira.
Borges voltei a revisitá-lo por muitas e boas vezes e dedico-lhe um bom metro de estante, livros lidos e relidos desde o “Manual de Zoologia Fantástica” do velho “fondo de cultura económica” que comprei em Irún (em Irun!)em 68 numa ida para França até ao “Album Borges” da Plêiade”. Para mim é ele, o grande impulsionador do “boom” latino-americano e julgo que em algum sítio vi referendada por Llosa esta minha opinião.
Mas o Borges que mais vezes recordo é um Borges lido em Berlim, no ano longínquo de 71. Tê-lo-ei comprado num clube de emigrados espanhóis pouco depois de ter visto um filme terrível chamado "La hora de los hornos” de Fernando Solanas, num cineclube alternativo, o “Arsenal”. O livro, entretanto oferecido a uma italiana bonita e do “potere operaio” (ai, Berlin...), constava de poemas e de entrevistas a Borges onde este dizia do seu visceral horror aos peronistas e aliados. Forte razão tinha, há que dizê-lo que os peronistas sobretudo na versão 2º Perón e Isabelita eram do piorio. Se aquilo não era fascismo então não sei o que o fascismo é: os apelos aos descamisados, a negação dos partidos, o Estado big-brother und so weiter. À conta desse Borges houve memoráveis discussões com uns alemães ultra-radicais e um cerco eficaz á italianinha do "potere operaio", em nome da solidariedade dos europeus do sul naquele invernoso Berlim cortado ao meio pelo muro.
No meio disto tudo é bom lembrar que o golpe dos generais argentinos tem trinta anos já e que os seus efeitos ainda subsistem na miséria do povo e do pais que durante décadas foi um farol de riqueza e bem estar.
Hoje do reino desses criminosos resta a insuportável ausência de trinta mil desaparecidos, a ruína económica, intermináveis bichas de pessoas desejosas de regressar às terras dos seus antepassados (que eles, porém, não conhecem), um par de tangos, a memória luminosa de um grupo de encenadores e artistas com quem privei nos anos sessenta e que se chamavam Victor Garcia, Julio Castronovo ou Coppi. Curiosamente o desastre económico deu origem a dezenas de grupos de teatro de rua em Buenos Aires. Gente que nada tinha pôs isso em comum e a cada canto, li numa revista, surgem grupos de teatro. É a prova provada que entre Videla e Garcia, ganha este último. No único palco que interessa, a Argentina popular, a nossa, a dos leitores de Cortazar e Borges.
Em tempo: não tem nada a ver com a Argentina mas apareceu um disco que propõe a audição de peças de Thelonius Monk em quinteto: Monk’s Casino. O bocadinho ouvido na “mezzo” convenceu-me.
Comecemos pelas da pátria: Jorge Luis Borges! Não por ser vagamente descendente de portugueses, como alguma vez escreveu num belo poema, mas por ser um imenso escritor. Ora bem, uma editora, ia jurar que é a Teorema do meu compadre Carlos Veiga Ferreira, um desses editores cultos e inteligentes que vão rareando e que só publica o que muito bem lhe apetece e gosta, atirou, dizem-me (que ainda os não vi) para as livrarias dois livros sobre o argentino que não teve o prémio Nobel (também Musil, Kafka ou Proust o não tiveram e o mundo não ficou pior). Uma fotobiografia e uma biografia. Em ambas, julgo, anda a mão excelente de Alejandro Vaccaro, pessoa recomendabilíssima. A Páscoa aproxima-se? Pois aí têm amêndoas e das melhores!
As duas inscrições que abrem esta receita são do “velho Senhor” como não podia deixar de ser, de um livro que em seu tempo se chamou “El oro de los tigres” (Emecé, Buenos Aires, 1972).
Borges descobri-o, ou melhor alguém o descobriu para mim, nos primeiros anos de 60, numa tertúlia de amáveis leitores capitaneada pelo Eduardo Guerra Carneiro acabado de chegar de Trás os Montes com um livrinho debaixo do braço ("O Perfil da Estátua", seu livro de estreia , a esquecer). Tratava-se de uma edição em português, já não sei de que editora, uma antologia que me deu a certeza que passasse o que se passasse eu tinha de aprender o suficiente espanhol para o ler no original. De tantos sonhos, promessas e planos, foi este um dos poucos que concretizei. Enhorabuena!, como diriam os meus amigos do outro lado da fronteira.
Borges voltei a revisitá-lo por muitas e boas vezes e dedico-lhe um bom metro de estante, livros lidos e relidos desde o “Manual de Zoologia Fantástica” do velho “fondo de cultura económica” que comprei em Irún (em Irun!)em 68 numa ida para França até ao “Album Borges” da Plêiade”. Para mim é ele, o grande impulsionador do “boom” latino-americano e julgo que em algum sítio vi referendada por Llosa esta minha opinião.
Mas o Borges que mais vezes recordo é um Borges lido em Berlim, no ano longínquo de 71. Tê-lo-ei comprado num clube de emigrados espanhóis pouco depois de ter visto um filme terrível chamado "La hora de los hornos” de Fernando Solanas, num cineclube alternativo, o “Arsenal”. O livro, entretanto oferecido a uma italiana bonita e do “potere operaio” (ai, Berlin...), constava de poemas e de entrevistas a Borges onde este dizia do seu visceral horror aos peronistas e aliados. Forte razão tinha, há que dizê-lo que os peronistas sobretudo na versão 2º Perón e Isabelita eram do piorio. Se aquilo não era fascismo então não sei o que o fascismo é: os apelos aos descamisados, a negação dos partidos, o Estado big-brother und so weiter. À conta desse Borges houve memoráveis discussões com uns alemães ultra-radicais e um cerco eficaz á italianinha do "potere operaio", em nome da solidariedade dos europeus do sul naquele invernoso Berlim cortado ao meio pelo muro.
No meio disto tudo é bom lembrar que o golpe dos generais argentinos tem trinta anos já e que os seus efeitos ainda subsistem na miséria do povo e do pais que durante décadas foi um farol de riqueza e bem estar.
Hoje do reino desses criminosos resta a insuportável ausência de trinta mil desaparecidos, a ruína económica, intermináveis bichas de pessoas desejosas de regressar às terras dos seus antepassados (que eles, porém, não conhecem), um par de tangos, a memória luminosa de um grupo de encenadores e artistas com quem privei nos anos sessenta e que se chamavam Victor Garcia, Julio Castronovo ou Coppi. Curiosamente o desastre económico deu origem a dezenas de grupos de teatro de rua em Buenos Aires. Gente que nada tinha pôs isso em comum e a cada canto, li numa revista, surgem grupos de teatro. É a prova provada que entre Videla e Garcia, ganha este último. No único palco que interessa, a Argentina popular, a nossa, a dos leitores de Cortazar e Borges.
Em tempo: não tem nada a ver com a Argentina mas apareceu um disco que propõe a audição de peças de Thelonius Monk em quinteto: Monk’s Casino. O bocadinho ouvido na “mezzo” convenceu-me.
9 comentários:
"O livro, entretanto oferecido a uma italiana bonita e do “potere operaio” (ai, Berlin...), constava de poemas e de entrevistas a Borges"...
Sabe-a toda. Aposto que a oferenda deu em...boas conversas, na bella e estrepitosa...lingua italiana!
Si puó racontare?!
E 3 anos mais tarde ofereci o "Portogallo mio rimorso" (antologia de poemas de Alexandre O'Neil) a outra italiana, desta vez ourives, de Florença, na bela cidade de Pescara. E basta!
Livra!! Que engatatão!
1. entre oferecer um livro e obter algum ganho disso vai, ou pode ir, um enorme caminho.
2. os anos que se vão descrevendo (os últimos sessenta e e a primeira metade dos setenta) distinguiram-se por serem anos de grande liberdade sexual
3. mas se duas aventuras amorosas (admitindo por mera hipótese que é disso que se trata) espaçadas por três anos, dão para caracterizar um D. Juan ocidental, teremos de convir que o macho latino andava muito por baixo.
4. o engatatão não dá livros. E a vitima (ou beneficiária) do engate não anda atrás de livros.
5. A expressão "engatatão" faz parte de um dicionário que não possuo, que não pratico nem sequer saberia praticar. Mas -e pior - coloca a outra parte do jogo amoroso numa posição passiva que -e disso orgulho-me muito - nunca me aconteceu. 6. As mulheres que comigo se cruzaram tiveram tanta ou mais iniciativa do que eu. Sabiam exactamente o que queriam e penso mesmo que o sabiam melhor e mais profundamente do que eu. E só lhes estou profundamente grato por isso.
em tempo: Se algum dos meus amigos (ou amiga, porque não?) encontrar um livrinho da editora Einaudi com o título "Portogallo mio rimorso" à venda em 2ª, 5ªou 100ª mão fará o enorme favor de
a) comprá-lo em meu nome que eu pago
b) prevemnir-me rapidamente para eu poder comprar
c) comprá-lo e oferecer-me.
O mesmo poderá ocorrer com "made in Portugal" (quaderni della Fenice, nº 29).
Obrigadinho
Se fosse um possuidor privilegiado dessas operas sobre il potere operaio, cedê-las-ia de bom grade, para contribuir de algum modo para a reposição do défice memorial.
Por outro lado, longe de mim a ideia( credo!) que eventualmente passou de que o "sabê-la toda" tem a ver com a sedução de bellissimas donnas a declinarem-se em italiano!
Sabê-la toda, é mais uma expressão a convocar as memórias de repositório de experiências em territórios estrangeiros...
Por exemplo, ter-se-ia discutido nesses tempos pardos o advento da Lotta Continua?! E Toni Negri já era nome de gente conhecida?
"Potere operaio! e "lotta continua" estão fortemente aparentadas. Há mesmo zonas em que se passa de um a outro ou vice-versa quase sem se dar por isso. Ambas as organizações nascem de títulos de jornais. Em teoria poderia dizer-se que "PO" esteve mais secccionado por cidades, sobretudo universitárias, do Norte italiano onde coincidiam importantes concentrações operárias. É todavia no seio da lotta continua que se vão desenvolver as tendências mais extremistas . Toni Negri este ligado no início ao "PO".
C laro que eu quase só conheci (na minha fase berlinense) estudantes simpatizantes do PO. Mais tarde em Itália conheci sobretudo gente de "Il manifesto" fora dos circuitos "terroristas" (O Manifesto tinha por base uma cisão do PCI cpmandada por Luigi Pintor, Rossana Rossanda e etc...). Conheci também um militante de uma coisa chamada "Strella Rossa" que ainda me forneceu algum material teórico ultra-esquerdista. A latere conheci e li durante algum tempo gente e e a revista "Quaderni Piacentini" de Piacenza. Bem interessante.
claro que é preciso ter em linha de conta que a escalada terrorista italiana é posterior a estes anos e é acompanhada (o que não a justifica, claro) por identicas manobras de uma extrema direita terrorista e certos deslizes (oh palavra amável) dos serviços secretos italianos(processos Pinelli, Valfredda a morte de Feltrinelli ou de Calabrese). Pessoalmente, e com o recuo histórico, acho que o terrorismo de esquerda serviu ás mil maravilhas a ala dura da Democracia Cristã e rebentou com o tão falado "compromisso histórico".
Já agora, só para exclarecer: nunca, por nunca partilhei as teses brigadistas ou outras igualmente violentas. sempre achei que num estado "democrático" (as aspas estão de proposito) a luta tem de ser democrática. sob pena de cairmos, como se caiu, no terrorismo cego e sem apoio de massas.
em tempo: estou para aqui armado em sábio e esqueço-me do essencial. A partir de meados de 65 tive a sorte (e a honra) de pertencer via casamento (o 1º) á famíliade Jorge Delgado de Oliveira, um engenheiro dasArábias que fora assistente universitário e quadro do PCP. Este homem, obrigado a deixar a universidade "não teve outro remédio senão enriquecer" graças a uma pequena sociedade de engenheiros que também fazia alguma construção. A biblioteca dele era impressionante. As revistas que assinava cobriam todo o leque da esquerda europeia. O nosso encontro e posterior amizade até à morte dele (que ainda hoje choro) foi o encontro da fome com a vontade de comer. Eu perguntava e ele respondia, O que discutimos! O que conversámos! As nossas razzias a Paris eram extraordinárias; vinhamos carregados de livros, panfletos, revistas sei lá que mais. Jorge Delgado era um homem bom, justo e leal. Um senhor! um grande senhor! Com Rui Feijó, Marcos Viana, Paulo Quintela, Orlando de Carvalho, Joaquim Namorado, Luis de Albuquerque e Fred Fernandes Martins faz parte do meu grupo de velhos sábios professores de vida, de mundo e de honra. Eram, são, o sal da terra.
E é que a sabe mesmo toda- em todas as declinações historicamente relevantes, no tempo certo e nos sítios dos acontecimentos.
Felizardo, é o que V. é! Porque essas experiências ninguém lhas tira e as histórias delas, se fossem minhas, davam para contar aos filhos e netos e amigos que quisessem saber! V. é um Corto Maltese!
Por mim, já não tenho tempo para viver isso e mesmo que quisesse, encontraria o quê?!
A Feltrinelli que é uma livraria in Largo Torre Argentina ( a que conheço); a Rossana Rossanda uma belissima aliteração e de resto, sobre os anni di piombi, só leituras. Por exemplo, um artigo de Enzo Biagi, de 29.11.1992, na revista Panorama. Título: "Perché Buscetta dice la veritá".
E os livros de Sciascia também servem.
Ecco!
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