17 maio 2006

chateado no calabouço 3




Carta 2 (sobre a camisa de dormir)

Ao Ex.º Senhor D.D. Hodgson, esq.
Adido cultural da
Embaixada do Reino Unido em Lisboa
Caro sir D.D.

Tive, não há muitos dias, o desgosto de ler n’ “O século” (the “century” para melhor entendimento) uma notícia que deveras me impressionou: durante a votação da lei Carr nos Comuns, uma senhora deputada acorreu a todas as chamadas de camisa de dormir, roupão e chinelos com borla. A notícia era omissa quanto ao facto da distinta cidadã usar ou não creme de beleza nocturno e rede para o cabelo.
Parece-me, caro sir D.D., que, apesar de toda a sofisticação britânica e do natural fair play dos nossos compatriotas, o facto é grave.
Imagine, por momentos, peço-lhe, Sua Graciosa Majestade a jogar críquete , em Windsor, vestida com hot-pants, ou o nosso estimável amigo, o duque de Argyl, a receber os visitantes do castelo em pijama
Bem sei pelo que tenho lido no “Figaro” via “O Século” que a Inglaterra atravessa nesta momento grave crise social. Mas daí até ter de se votar em camisa de noite, vai uma grande distancia, creio.
Claro que compreenderia esta atitude se o caso se passasse com uma deputada trabalhista: todos nós conhecemos a verdadeira mania melodramática das classes baixas mas, pelo que me foi dado ler, foi uma representante da maioria quem assim se vestiu.
Poderá pensar-se que se trata apenas de uma manobra de promoção publicitária do género “Inglaterra por cinquenta libras com direito a strip no parlamento” ou “A alta classe inglesa em camisa” mas penso que para esse fim já temos o caso Profumo.
Por outro lado não me espantaria se o caso tivesse um homem como actor: poderia até ser um lorde. Imaginemos que um par do reino se despe em plena Câmara ficando apenas com a gravata (o que de resto não seria exactamente ficar despido). Poderia sempre dizer-se que era uma inteligente publicidade a Bond Street, o único local do mundo onde se podem encontrar gravatas decentes.
Mas uma mulher de meia idade a votar de roupão e chinelas (com borla!) não! Isso não!


(em Caxias, 1971)



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