Quando entrei para a faculdade, a moda era: eu quero ir para a carreira diplomática! E eu olhava, de viés, aquela malta tão decidida, eu, o miúdo que, após passagem de dois anos pelo Porto, vinha de Soalhães, a terra-do-mata-e-queima, onde a diplomacia, carregada de carrascão, tinha mais a ver com cenas monumentais de pancadaria entre clãs. Diplomacia! Que é que eu tinha a ver com aquilo?
Presumo que nenhum dos que assim diziam chegou lá. Aliás, eu também nunca percebi a fixação que eles tinham pela carreira, mas isso são coisas minhas que, como já disse atrás, não tinha sido propriamente preparado para perceber o que a diplomacia significava.
Nos últimos anos, os colegas jovens que têm passado pelo meu escritório a tentar aprender alguma coisa que eu lhes possa ensinar, eles e os amigos deles, que eu tenho um escritório de portas abertas, dizem-me, quase todos, com olhar grave: eu tenciono ir para a magistratura.
E eu olho-os com o mesmo olhar com que olhava os antigos colegas que queriam ir para a carreira diplomática. Mas desta vez percebo-os melhor. Há um sobredosagem de gente a tentar ser advogado. E, então, a escolha já não é feita pela vocação: escolhe-se aquilo que parece mais seguro.
Nada disto que conto é surpreendente. O que me surpreendeu esta semana foi ouvir um conceituado magistrado de um tribunal superior perguntar-me se eu achava se ele ainda estaria com idade para ingressar na advocacia. No princípio, pensei que ele estava a brincar. Não estava. Fiquei sem saber o que lhe dizer. Mesmo depois de ele se justificar com a ideia de que, hoje, a magistratura já não compensa. Ainda assim, pensei que fosse caso único e um desavario. Comentei, genericamente, o assunto com outras pessoas que me desenganaram: há muitos magistrados a pensar o mesmo. Continuo sem saber o que diga. Mas acho que anda por aqui qualquer coisa que não bate certo. Que acham?
2 comentários:
É o desencanto caro dr. Coutinho Ribeiro, o desencanto. Parece que anda tudo de monco caído. eu próprio tenho tido falta de apetite (e de dinheiro, mas isso é outra conversa.... O país está desanimado, o povo idem, e os futebolistas perderam com a França! É muita desgraça junta.
A Magistratura já foi chão que deu uvas, com efeito. Ou seja, ia-se para a Magistratura pois esta representava uma carreira interessante, com prestígio, respeitada pela sociedade, e onde seria possível fazer algum bem pela sociedade. Ai idealismos!...
Hoje, é o que se vê. Vilipendiada, acossada pelo poder político, mal paga. Sim, mal paga: hoje, um Juiz de Círculo ganha o mesmo que um agente da Judiciária. Incongruências do nosso sistema…
Relativamente à nobre profissão que é a Advocacia, ela também sofreu a erosão deste tempo que tudo corrói: fundaram-se faculdades privadas que viram no “Direito” uma mina a explorar: não sendo necessários equipamentos especiais para ministrar o respectivo curso, eis que se multiplicaram por esse País fora essas mesmas faculdades, que de faculdades só têm o nome…e que desprestigiaram um ramo do saber que é, por definição, hermético, não acessível a não iniciados, mas que, curiosamente, toda a gente em Portugal tem a mania de ser entendida na matéria…agora são os sociólogos…talvez amanhã os toxicodependentes quem sabe...
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