19 junho 2006

Au bonheur des Dames 26

Sexagésimo quarto ano

Diz-me um noticiário que Paul Mc Cartney faz hoje 64 anos. Bem-vindo, companheiro a esta provecta idade que soubeste cantar há cerca de 40 anos com essa admirável When I’m sixty-four e que ouvida a esta distância, soa a melancolia, a angustiada melancolia.
Deixarei para o meu caríssimo leitor e amigo José a análise musical e literária da canção que aliás recorda outras de outros autores sobre a inexorabilidade dos anos que nos vêm caindo em cima. Alguma vez terei conversado com o Rui Feijó sobre a mítica fronteira dos quarenta (ou dos cinquenta?) anos cantada por Reggiani. E agora, meditando nisso, nessa diferença entre um numero redondo e esse mítico 64 verifico aqui uma um sinal da diferença de mentalidades e atitudes entre uma educação francesa (a minha e a dos meus amigos) e a inglesa (a dos meus sobrinhos, por exemplo) com notória vitória, ahimé, dos segundos.
E é curioso este lamento tanto mais que cito e com que prazer esse momento mágico que juntava Beatles, Byrds, Stones e Dylan para não ir mais longe e vos cansar com uma lista gigantesca do movimento pop, das suas raízes rock n’ roll e o jazz eterno. Só que ainda tive oportunidade de ouvir ao mesmo tempo, o tempo deles, Ferré e Brel. E isso abria possibilidades hoje desconhecidas, como também o facto de ver cinema francês, italiano, alemão e inglês a par do americano abria para o espectador curioso um mundo hoje morto e enterrado com tudo o que isso significa de perda cultural. E de vida, diria o meu amigo Manuel Sousa Pereira que, nestas coisas é sempre radical, sinal de que está vivo, Deus o guarde em tão excelentes disposições. De vida vivida, de aventura, de visão do mundo... acrescentaria eu que lhe não quero ficar atrás.
Mas voltemos ao when I’m sixty four. Não se sabe ao certo quando é que a canção foi feita. Da publicação não restam dúvida:1967 o ano do milagre Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band o álbum absolutamente mítico que contraditoriamente marca o fim das aparições públicas dos Beatles e anuncia aliás o fim da banda mesmo se esta só se consumou em 1970. A boa tradição, sempre a magia dos números, colocava a criação da canção em 1964, ano em que o pai do autor terá completado 64 anos. Infelizmente nesse ano o senhor atingia dificilmente os 61 pelo que a magia teve uma panne e atira para 1967.
E se ando por aqui perdido em números é tão só porque esse é o meu estado de espírito: dum lado atiram-me com o orçamento, o deficit público, doutro com o goal average do campeonato do mundo, os cálculos do senhor Scolari, as lágrimas dos eliminados, o entusiasmo dos fãs (cá em casa é uma desbunda: a minha enteada Ana, faz uma pausa nos estudos - que vão óptimos benza-a Deus – e vai de cachecol verde rubro para casa dos amigos uivar pela selecção. A Crazy Grazy pergunta 3 vezes contra quem é “jogamos” e eu, evangelicamente paciente, lá a informo enquanto ligo o canal Mezzo. Futebol só em resumo! Eu gosto é de golos e jogadas difíceis. O resto é uma chatice. Portanto ela vai ligando uma das outras televisões enquanto eu vou traduzindo um belo e longo romance de Almudena Grandes ao som duma ópera qualquer.)

E a propósito de futebol e de pátria ( neste momento a pátria está a dar que se farta! ) vou meditando maldosamente nas bandeiras que pendem por aí nas janelas e varandas do meu país. Celebram não as Índias que assaltámos, as naus da pimenta que se afundaram, os alcáceres quibires em que nos perdemos mas tão só odisseia modesta do apuramento para os oitavos de final. Por um momento único e exemplar antes da modorra estival os funcionários públicos são bons, os juízes competentes e o governo um desparrame de inteligência. O único problema é se escorregamos lá mais para a frente nessa traiçoeira Germânia loira, forte e rica.
Então as bandeiras esvoaçarão tristes e mesquinhas na melhor das hipóteses como panos, na pior como trapos. Com da última vez em que se foram desfazendo desprezadas, sujas e rotas nas janelas da indiferença de milhares de patriotaços, patrioteiros e patriotinhas que parecem ser, e são!, a prova provada do inverno do nosso descontentamento tornado subitamente verão pelo lampejo de um Figo, a sorte de um Pauleta e o azar dos adversários.
Em tempos que já lá vão, imaginava mal os meus futuros, e acaso improváveis, sixty four. Todavia, apesar do cerco inquietante dos esbirros e da cobardia política reinante e dominante, sonhava com uma pátria livre e insubmissa de bandeiras desfraldadas e dignas, de gente laboriosa e entusiasta, de futebol cidadão e responsável, de governantes competentes e uma opinião publica culta e tolerante.
Era a juventude, a minha juventude, juventud divino tesoro (Ruben Dario), juventude doce pássaro (Tenesse Williams, a peça, Richard Brooks o filme).
Deveria ter tomado em linha de conta a frase terrível de um velho amigo: a juventude é uma doença que se cura com a idade.
E com isto: outra vez um país adiado.
Desculpem lá qualquer coisinha mas há momentos em que dói ser português. Muito!

8 comentários:

josé disse...

Já está a resposta na Loja.

Mas o nosso génio, parece que perfez os 64, ontem...

Na mesma, obrigado pela lembrança. Tinha o texto alinhavado para aí, e só foi preciso retocar.

M.C.R. disse...

Ó josé transfira aquele excelente texto para aqui. aquilo merece sair em vároios blogues, homem!

josé disse...

Transferir?

Já está!

Ahahahah! Obrigado, pela condescendência.

Kamikaze (L.P.) disse...

mais exactamente aqui:
http://grandelojadoqueijolimiano.blogspot.com/2006/06/quando-tiver-64.html

C.M. disse...

MCR: Rectius: A única bandeira capaz e digna para celebrar "as Índias" e "as naus da pimenta" é, logicamente, a bandeira azul e branca...e não esta fantochada de bandeira que hoje temos.

jcp (José Carlos Pereira) disse...

O Manuel A. Pina até agradeceu ontem no JN o texto do nosso amigo José!

Kamikaze (L.P.) disse...

"fantochada"Delfim?!? Mas que "agressividade" ... sera que "isso" se apanha por contagio? :)

M.C.R. disse...

Delfim
a bandeira das Indias e das naus trazia a cruz de Avis e não era azul e branca.
A bandeira monárquica é relativamente recente e também não tem nada de bonita. Conviria até dizer que tem como simbolo um senhor que descende de D miguel que era segundo filho e foi vencido. E renunciou a todo e qualquer direito à coroa (convenção do Gramido, se não erro...) A linha real portuguesa extinguiu-se com o rei Manuel II e não há milagre que dê ao pretendente Duarte
Nuno qualquer espécie de legitimidade.

A bandeira que temos é uma bandeira respeitada pela imensa maioria do povo português. Preferia outra mas não me sobreponho ao meu povo e espanta-me que V pense doutro modo. Não há país sem povo. E queira ou não este é o povo a que V e eu pertencemos.