17 junho 2006

Fazem mesmo questão

de rebentar de vez com o sistema?

Comentando este post diz Vitor Sequinho dos Santos:

"Correndo o risco de ser repetitivo, só posso dizer, também a respeito de mais esta ideia peregrina [a partir de Outubro todas as testemunhas de processos cíveis - como cobranças, indemnizações ou divórcios - poderão depor por escrito]: lê-se e não se acredita!
Que fará um juiz perante depoimentos escritos contraditórios? Qual será o critério a seguir para a valoração desses depoimentos?
Já agora, espero que o legislador seja coerente e aproveite para regressar a um sistema de prova legal adaptado aos novos tempos:
1.ª regra:
A da maioria (para, finalmente, trazer a democracia para a administração da Justiça). O juiz fica vinculado à versão dos factos que tiver sido veiculada pelo maior número de testemunhas.
2.ª regra, para a hipótese de empate de acordo com a 1.ª:

a) Os depoimentos manuscritos deverão ser valorados de acordo com a qualidade da caligrafia, pois, testemunha com letra bonita, merece maior credibilidade;
b) Depoimentos dactilografados merecem maior credibilidade que depoimentos manuscritos, pois revelam maior adaptação aos tempos modernos;
c) Depoimentos redigidos com processador de texto prevalecem sobre aqueles que o sejam com recurso às velhas máquinas de escrever, pois revelam maior sensibilidade dos seus autores ao choque tecnológico - factor que, só por si, confere 100% de credibilidade ao depoimento.

Do ponto de vista dos juízes, decidir vai, finalmente, ser um sossego. Analisar cada depoimento com o maior detalhe possível, tendo em conta o seu conteúdo, a forma como é prestado perante o juiz e um sem número de pequenos pormenores, bem como valorar cuidadosamente o conjunto da prova produzida, tudo isso, que dá tanto trabalho e requer toda a atenção por parte do julgador, vai, finalmente, ser relegado para o caixote do lixo da História do Direito!

Não vale a pena os juízes preocuparem-se com os seus alegados interesses corporativos. Finalmente, encontraram quem, realmente, demonstra preocupar-se com eles. Agora, julgar vai ser um descanso. É caso para dizer: assim, até um sociólogo pode ser juiz! (Será essa a intenção de mais esta brilhante ideia?)

Finalmente, chega de brincadeira, pois o assunto é sério. Só posso concluir como no post: Fazem mesmo questão em rebentar de vez com o sistema?"

12 comentários:

Informática do Direito disse...

No artº 12º do Decreto-Lei nº 108/2006, de 8 de Junho, que estabelece as bases do processo civil simplificado (e experimental...) e entrará em vigor em Outubro próximo, fica consagrada a possibilidade de as testemunhas poderem depor por escrito.
As reacções a esta inovação que ouvimos até agora variam entre a estupefacção e a indignação.
Pondo de lado o aspecto emocional, creio que quem se lembrou de consagrar esta nova forma de depoimento nunca andou pelos Tribunais e não conhece uma realidade comezinha: é nos Tribunais, justamente a prestar-se depoimento, que mais se mente, que mais se falta à verdade, apesar do juramento exigido à testemunha.
Na maioria das situações não é muito difícil apurar-se se a testemunha está ou não está a mentir: essa conclusão extrai-se da convicção com que depõe, das hesitações que demonstra, da sua postura corporal, da forma como olha os advogados e juízes, das entoações da sua voz.
Com o depoimento escrito essa possibilidade de averiguação perde-se de todo.
É certo que o nº 3 do citado artº 12º estipula que o quando entenda necessário o juiz pode determinar a renovação do depoimento, agora prestado presencialmente.
Mas das duas uma: ou os juízes passam a usar essa faculdade por sistema, esvaziando completamente o sentido da norma e tornando impossível o depoimento por escrito, ou contemporizam com ele e a ausência de verdade dos depoimentos passará a ser a regra.
Este é um bom exemplo de como um legislador pouco conhecedor da realidade no terreno pode prejudicar substancialmente a verdade dos julgamentos e as soluções equilibradas e justas.
Além disso a disposição que se comenta está tecnicamente mal formulada, podendo levar a resultados perversos: é que no nº 2 do artigo estipula-se que a testemunha indicará, entre outros elementos, que “está consciente” de que a falsidade das suas declarações a fará incorrer em responsabilidade criminal, mas não está consagrado o dever de prestar juramento ou o compromisso de honra – a testemunha não é sequer ajuramentada nos termos do articulado legal !
Ora uma testemunha não ajuramentada não pode ser responsabilizada por não cumprir um juramento que não fez...
O amadorismo, o diletantismo e a falta de ligação à realidade têm destas coisas – como se costuma dizer, “esquece muito a quem não sabe”.
O sistema vai-se afundando tranquilamente à vista de todos - isto parece o Titanic: o barco afunda-se enquanto a orquestra continua tranquilamente a tocar as melodias da moda.

Mocho Atento disse...

Não estou de acordo com o princípio dos testemunhos escriros.

Mas, pergunto: não no nosso actual e anterior Direito Processual casos em que os depoimentos eram escritos?

E o problema da valoração não se colocava?

Mocho Atento disse...

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

ARTIGO 624.º
(PRERROGATIVAS DE INQUIRIÇÃO)
1. Gozam da prerrogativa de ser inquiridos na sua residência ou na sede dos respectivos serviços:
a) O Presidente da República;
b) Os agentes diplomáticos estrangeiros que concedam idêntica regalia aos representantes de Portugal.
2. Gozam de prerrogativa de depor primeiro por escrito, se preferirem, além das entidades previstas no número anterior:
a) Os membros dos Órgãos de Soberania, com exclusão dos tribunais, e dos órgãos equivalentes das regiões autónomas e do território de Macau;
b) Os juízes dos tribunais superiores;
c) O Provedor de Justiça;
d) O Procurador-Geral da República e o vice-procurador-geral da República;
e) Os membros do Conselho Superior da Magistratura e do Conselho Superior do Ministério Público;
f) Os oficiais generais das Forças Armadas;
g) Os altos dignitários de confissões religiosas;
h) O bastonário da ordem dos Advogados e o presidente da Câmara dos Solicitadores.
3. Ao indicar como testemunha uma das entidades designadas nos números anteriores, a parte deve especificar os factos sobre que pretende o depoimento.

ARTIGO 638.º-A
INQUIRIÇÃO POR ACORDO DAS PARTES
1 - Havendo acordo das partes, a testemunha pode ser inquirida pelos mandatários judiciais no domicílio profissional de um deles, devendo tal inquirição constar de uma acta, datada e assinada pelo depoente e pelos mandatários das partes, da qual conste a relação discriminada dos factos a que a testemunha assistiu ou que verificou pessoalmente e das razões de ciência invocadas, aplicando-se-lhe ainda disposto nos n.os 1, 2 e 4 do artigo 639.º-A.
2 - A acta de inquirição de testemunha efectuada ao abrigo do disposto no número anterior pode ser apresentada até ao encerramento da discussão em 1.ª instância.
(Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto)

ARTIGO 639.º
(DEPOIMENTO APRESENTADO POR ESCRITO)
1. Quando se verificar impossibilidade ou grave dificuldade de comparência no tribunal, pode o juiz autorizar, havendo acordo das partes, que o depoimento da testemunha seja prestado através de documento escrito, datado e assinado pelo seu autor, do qual conste relação discriminada dos factos a que assistiu ou que verificou pessoalmente e das razões de ciência invocadas.
2. Incorre nas penas cominadas para o crime de falso testemunho quem, pela forma constante do número anterior, prestar depoimento falso.

ARTIGO 639.º-A
REQUISITOS DE FORMA
1. O escrito a que se refere o artigo anterior mencionará todos os elementos de identificação do depoente, indicará se existe alguma relação de parentesco, afinidade, amizade ou dependência com as partes, ou qualquer interesse na acção.
2. Deve ainda o depoente declarar expressamente que o escrito se destina a ser apresentado em juízo e que está consciente de que a falsidade das declarações dele constantes o fará incorrer em responsabilidade criminal.
3. A assinatura deve mostrar-se reconhecida notarialmente, quando não for possível a exibição do respectivo documento de identificação.
4 - Quando o entenda necessário, pode o juiz, oficiosamente ou a requerimento das partes, determinar, sendo ainda possível, a renovação do depoimento na sua presença, caso em que a testemunha será notificada pelo tribunal, ou a prestação de quaisquer esclarecimentos que se revelem necessários, por escrito a que se aplica o disposto nos números anteriores.
(Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto)

Informática do Direito disse...

Caro Mocho Atento,
Não, não creio que a questão se colocasse anteriormente.
Embora a lei o permitisse, não conheço um único caso em que os advogados estivessem de acordo em utilizar as faculdades dos arts. 638º-A, 639º e 639º-A do CPC.
Mas ainda que estivessem, o regime seria substancialmente diferente, desde logo porque era exigido o juramento da testemunha, o que na nova lei não é exigido.
No regime da nova lei, como será possível responsabilizar a testemunha por ter "jurado falso", se ela nem sequer prestou juramento?
Poderia considerar-se que tal omissão é um simples lapso que o legislador poderá corrigir a todo o tempo, mas o problema é que estes lapsos se estão a tornar num padrão recorrente, levando a falta de qualidade crescente da legislação para limites inaceitáveis.

Vítor Sequinho dos Santos disse...
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Vítor Sequinho dos Santos disse...

Também eu não conheço um único caso em que os advogados estivessem de acordo em utilizar as faculdades dos arts. 638º-A, 639º e 639º-A do CPC.

Estes últimos integram a crescente lista de preceitos legais sem aplicação prática devido ao seu desfasamento relativamente à vida real.

O «Mocho Atento» afirma-se contrário aos testemunhos escritos e nisso estamos inteiramente de acordo.

Portanto, parece-me que também está contra a generalização dos depoimentos escritos em processo civil - se se está contra um procedimento quando ele tem um âmbito de aplicação restritíssimo, como hoje acontece, deverá estar-se, por maioria de razão, contra a sua ampliação, por forma a tornar regra aquilo que actualmente é excepção (e, ainda por cima, com a importantíssima diferença de regime apontada pelo Sr. Dr. Bruto da Costa).

O único aspecto em que parece que divergimos é o da manutenção dos regimes excepcionais de inquirição por escrito que enunciou.

Relativamente aos arts. 638º-A, 639º e 639º-A do CPC, pelo que já disse, é-me indiferente que sejam, ou não, revogados. A prática já tratou de os «arrumar» no canto das coisas sem préstimo.

No tocante às prerrogativas de inquirição, não vejo razão para acabar com elas.

O seu âmbito de aplicação é muito restrito, é raríssimo serem arroladas como testemunhas pessoas com tais prerrogativas e, quando o são, não passam, pelo menos em regra, de uma única testemunha, cujo depoimento será valorado no quadro da outra prova testemunhal produzida oralmente.

Aliás, não tenho notícia de algum problema relevante relativo ao exercício, na prática judiciária, de tais prerrogativas.

Mocho Atento disse...

Não tenho dúvidas: não sou a favor dos depoimentos escritos. Muito menos neste país, em que sistematicamente os testemunhos não seriam autênticos, nem elaborados pelo próprio.

Apenas chamo a atenção de que o regime probatório é o mesmo que já estava previsto. Isto é, o Juiz pode sempre chamar as testemunhas a depor presencialmente.

E se quem ostensivamente mente fosse preso, acabava-se de vez com a praga dos falsos testemunhos (e dos falsos atestados! E das falsas certidões! E de muitas falsidades que andam por aí!).

Ainda ontem ouvi uma peça jornalistica em que alguém afirmava que as nosas crianças e jovens vivem da fraude nos testes e exames e que essa atitude se reflecte no seu comportamento adulto, designadamente na aceitação e prática da corrupção. O mesmo se passa em relação aos testemunhos. Toda a gente diz o que lhe apetece, e muitas vezes o que lhe mandam, sem qualquer pejo!

Mocho Atento disse...

E já agora onde está provado que os senhores mencionados no artigo 624º do CPCivil (que depõem por escrito) não mentem nem se enganam ?

Vítor Sequinho dos Santos disse...

Caro «Mocho Atento»

Partilho o seu cepticismo relativamente à prova testemunhal. Já falei sobre o assunto no MEU MONTE, a propósito da videoconferência, creio eu. Também neste aspecto, a situação não é animadora.

O fundamento das prerrogativas de inquirição previstas no art. 624.º do CPC não é qualquer presunção de que os titulares dos cargos aí previstos não mentem ou não se enganam.

Trata-se apenas de uma deferência perante os titulares de cargos de especial importância, que me parece justificar-se.

Informática do Direito disse...

Não está nem poderá poderá ser provado abstractamente que o Presidente da República, os governantes, os juízes dos Tribunais superiores, etc., nunca mentem.
Mas se o Mocho Atento coloca os depoimentos dessas pessoas ao mesmo nível a que coloca os depoimentos do zé dos anzóis ou do chico das iscas, já cá não está quem falou e por mim dou o diálogo por encerrado.

o sibilo da serpente disse...

Caro Dr. Francisco Bruto da Costa:
Costumo estar de acordo com as suas certeiras opiniões. Mas não desta vez. Por que razão haveremos de entender que o testemunho de um magistrado de um tribunal superior é mais credível do que, por exemplo, de um da primeira instância? E por que é que o testemunho de um governante há-se ser mais credível do que o do Quim dos Anzóis? A credibilidade das pessoas afere-se por aquilo que elas são - não pelo que fazem.
(veja-se, por exemplo, os casos que por aí andam relacionados com magistrados de instâncias superiores que estão nos órgãos do futebol...)
Cumprimentos

Informática do Direito disse...

Desculpe, Dr. Coutinho Ribeiro, mas este tipo de debate é daqueles que me parece pura perda de tempo, pelo menos aqui.
À roda de uma mesa, numa tertúlia presencial, talvez pudesse merecer 5 minutos de conversa.
Aqui, nem isso.