07 junho 2006

A governação na sociedade civil

Vital Moreira lançou ontem na sua crónica no “Público” um tema que já me tem assaltado por diversas ocasiões – a forma como são governadas instituições da dita sociedade civil, muitas delas instituições de utilidade pública a quem o Estado confere prerrogativas especiais.

Fico-me pelo exemplo de dois clubes de que sou sócio, o Automóvel Club de Portugal e o Futebol Clube do Porto: ambos têm largas dezenas de milhar de associados e a sua governação não é escrutinada por mais do que umas dezenas de carolas que vão às assembleias-gerais anuais. As Direcções têm total liberdade para decidir e dirigir os destinos da casa, sem uma verdadeira fiscalização, gerindo estruturas que passam a ficar exclusivamente preocupadas consigo próprias e com a manutenção dos centros de poder. A minha única intervenção numa assembleia-geral do FC Porto, levantando um problema de apreciação às contas, pura e simplesmente não mereceu resposta. Nestas entidades, os centros de poder em exercício só têm a oposição dos núcleos que procuram organizar-se para conquistar esse mesmo poder.

Vital Moreira diz que há um verdadeiro défice democrático na sociedade civil e nessas instituições, identificando nesse campo associações, cooperativas, mutualidades, sindicatos, associações empresariais e patronais, sociedades desportivas, ordens profissionais e sociedades comerciais: “Hoje a “sociedade civil” é essencialmente estruturada por grandes organizações sociais que são inequivocamente instâncias de poder social q que mantêm uma interacção privilegiada com o poder político. Bastaria isso para poderem ser consideradas elegíveis para deverem observar formas mais exigentes de organização democrática. A bem do direito de participação dos seus membros e do escrutínio público da sua acção”.

Está lançado um debate que deveria merecer a atenção dos responsáveis políticos e demais entidades preocupadas com a governação das instituições que fazem a “malha” do país e que têm um papel fundamental em muitas áreas de actividade.

2 comentários:

O meu olhar disse...

Plenamente de acordo. Esta é uma questão muito importante na nossa sociedade até porque essas instituições representam uma fatia muito significativa desta.

Do meu ponto de vista há um défice de cultura de participação da sociedade civil nas diversas instituições. Sempre que há uma assembleia-geral seja do que for aparecem, como disse o JCP, os carolas do costume. As pessoas em geral não estão para se incomodar e há quem utilize esses espaços para ter algum poder.

Conheço uma situação de uma organização recém criada, que terá à volta de 20 associados, no futuro poderá ter no máximo ai uns 200, mas que já abarcou uma luta pelo poder interno com jogos menos limpos pelo meio. De facto, esta coisa do poder é danada. O que se faz para o ter e para o manter! Veja-se o que se passa nas Universidades onde, sob o manto da soberania, se perpetuam poderes e muitas irresponsabilidades.

Acho que deveria ser vedada a eleição por mandatos sucessivos e intermináveis das mesmas direcções. É notória a deterioração que o exercício de um poder prolongado provoca.

Acresce um outro factor essencial focado neste post: a ausência de fiscalização válida, donde a ausência de responsabilização pelas decisões e actos de gestão.

Enquanto não forem salvaguardadas essas duas vertentes o exercício do poder fica à mercê da natureza humana e esta, sabemo-lo bem, é bastante imperfeita….

M.C.R. disse...

Eu hoje estou um moralista: aprecio o esforço do meu querido JCP e o comentário inteligente (como vem sendo hábito de "o meu olhar".
todavia há um pequeno problema: o aparelho interno dessas sociedades. Mesmo que se arrange uma norma que diminua drásticamente o número de mandatos, o poder pode perpetuar-se através do aparelho (uma organização interna, à organização) O aparelho perpetua-se. Aliás tenho um postal sobre isso, pronto há semanas. Se calhar é tempo de o postar...
A redução dos mandatos pode reduzir alguns perigos mas defronta-se com o problema da substituição. As organizações não podem ser regidas por medícres que obteem o posto graças a discriminação positiva.