20 setembro 2006

Estes dias que passam 37

Politicamente correcto e pronto a entrar
num desfile de moda para a terceira idade

Pois é verdade mimosas leitoras que me lêem com displicência, vamos lá a ver o que diz aquele idoso a cair da tripeça, olha o velhadas a babar-se quando passam raparigas novas e claramente anti-anoréxicas!, é a pura verdade: resolvi voltar ao esplendor dos meus quarenta anos e perder um quintal (se é que um quintal é ainda quinze quilos).
Isto de só já me ver por inteiro quando tenho um espelho na frente tem de acabar. O pneu tem de acabar, a curva da felicidade (ou da gravidez) tem de acabar, a bochecha mais rechoncha do que se deve num cavalheiro respeitável tem de acabar, o pescoço tem de voltar ao seu heróico tempo de gargalo apto a usar um lenço decente à volta, as camisas (boas e caras!...) tem de poder conter um conteúdo mais de acordo com a solidariedade com os países pobres do mundo.
Portanto hoje não há política (que ainda por cima não dá de comer a ninguém e até parece blasfémia no tempo Sócrates/Cavaco) ou se a houver será mais inocente do que um autarca modelo deste nosso ridente e maravilhoso país. Hoje falo da fome canina que me assalta, quando oiço tinir copos, talheres ou pratos a estilhaçar-se. Há uns tempos, um amigo meu chamado Eduardo, obrigado a um regime bem mais draconiano do que o meu, dizia-me na voz doce e educada que o caracteriza: eu gosto de chouriço (ele, muito lisboeta quase dizia “chóriço” –e ia nisto um pranto deslavado e antigo), de batatinhas fritas (topem-me este mimo: batatinhas! O que aqui não vai de lascívia gástrica...) de carnes assadas, de doces (e aqui, na secção doceira, a voz dele já era uma catarata do Iguaçu, de Vitória do Niágara de açúcar em ponto, de ovos moles fresquíssimos, de barrigas de freira ao gosto do finado rei D João V, enfim um desatino de sabores e tiros de canhão ao fígado mais robusto), eu gosto de tudo...
E eu, compassivo, ainda longe de pensar que me ia meter na mesma alhada, evocava in imo pectore, um farnel de queijos da Serra e de Serpa, salpicões antigos, uma roda de alheiras feitas em casa, morcelas da Beira, verdadeiras, empadões de lebre, perdizes em confit e mais uma boa dúzia de coisas que convertem um muçulmano fanático num cristão guloso e impudente (tenho de mandar esta ao Vaticano: sempre evita referencias à Jihad e aos maus hábitos do profeta...).
Portanto: dieta: muita salada, vegetais cozidos, muito passeio a pedibus calcantibus, intervalar manhãs e tardes com meia maçã ou outra fruta anoréxica e fome, fominha, fomeca, da antiga, da mediterrânica, que por cá também se teve muito mau passadio, se calhar foi por isso que nos metemos pelo mar fora, fartos de uma terra sáfara e madrasta, a caminho das Índias e do caril (como diria um certo juiz nosso leitor, músico de horas vagas e amante do apimentado).
Não vos digo nem vos conto. Já perdi quatro ou cinco quilos se for verdade o que marca a balança. Preciso de perder no mínimo mais dez para poder de novo olhar por mim abaixo sem necessidade de periscópio. Tudo isto poderia ter por motivo a vinda até nós da querida Sílvia, a nossa bonita brasileirinha que volta e meia nos surpreende com um texto admirável como o de hoje, esses mesmo que tem uma Helineide (livra!) como empregada doméstica. Mas não: ela, que está quase a chegar, ainda vai encontrar um mcr redondo como um tamanco, com uma linha de cintura que desmentirá o seu ar famélico mas determinado.
Apertar o cinto é a palavra de ordem. Apertar o cinto e pouca letra. Correr a maratona (está quieto ó mau!), economizar, ganhar saúde e perder adiposidades que só fazem mal ao coração, ao fígado e a mais não sei quantas vísceras que por cá estarão, queixosas dos tratos de polé que lhes infligimos via carnes gordas e salgadas, produtos com excesso de calorias, álcoois brancos ou não, que nós cá não somos racistas, toda uma parafernália de conselhos para sermos mais saudáveis e, eventualmente (menos) felizes.
O casal Simas Santos, de cada vez que me encontra, inspecciona-me de alto a baixo e compassivamente deixa cair um encorajamento: estás mais magro. Deus vos ouça, Deus vos ouça...
Por isso, leitorinhas esbeltas: esperem pelo fim desta via crucis em que me meti, pelos dez quilos a menos que preciso de perder, aguentem os maus humores que seguramente hão de vir ao de cima nos meus escritos. É a dieta, só a dieta e nada mais que a dieta. Ai que fome: vou beber um copo de água!

4 comentários:

Kamikaze (L.P.) disse...

Texto tao tao delicioso que me ate me trouxe a lembrança coisas em que ha meses nao penso (e muito menos como), como a saudosa feijoada a transmontana!
A minha solidariedade para-famelica, companheiro :)

Silvia Chueire disse...

Muito bom, o texto, MCR. Fez-me sorrir. Nada com perder peso com bom humor. : )
Tem a minha solidariedade também.

Um abraço,

Silvia

Informática do Direito disse...

Relegado para uma tão estulta quanto ignominiosa dieta de grelhados, saladas e iogurtes, aqui venho deixar uma palavra de solidariedade para com o MCR.
Na verdade ando em guerra com a balança que insiste em me aumentar a Kilo(metragem) enquanto eu teimo em a diminuir - caril, feijoada, cozido e outras comidinhas "leves" que enchem o bucho e regalam a alma, são para mim neste momento apenas miragens (e muitas saudades).

Silvia Chueire disse...

Corrijo aqui o comentário que fiz acima. Eu queria dizer : nada como perder peso com bom humor.

Após ler o comentário do Sr. Bruto da Costa, lembrei-me de acrescentar: se estivermos todos juntos num jantar deverá ser um jantar light, então. Eu também perdi peso. Só não dispenso o vinho. :)

Abraços ainda solidários,
Silvia