Do assassínio da reputação como uma das malas artes ou
de como a imprensa é mal usada
de como a imprensa é mal usada
Eu não gosto de ver os jornais atacados. Sempre que isso sucede parece-me que os autores do ataque não gostam da imprensa livre. E a maior parte das vezes, de facto, não gostam. Claro que há excepções. Claro que há jornais que são uns esfregões de cozinha usados e que só existem porque há alguém a quem chupar o sangue, alguém que paga para ver isso e alguém que não se importa de se expor desde que isso lhe traga um breve instante de duvidosa glória.
Mas isso, essa papelada amarela vómito ou cor de rosa envergonhada é, ainda, felizmente, a excepção e não a regra por muito que as tiragens sejam altas e os leitores papalvos uma multidão.
O pior é quando, na imprensa dita séria, civilizada, a pequena sacanice medra, a coberto de notícias aparentemente neutrais, cuidadas, sobre factos comprovados. E isto já não é também uma excepção mesmo que ainda não revista o carácter de regra. Começou já há algum tempo, e vai escorrendo para a valeta da pequena história na companhia de reputações arruinadas, de gente ofendida que demora anos a ver o seu bom nome defendido e os malfeitores punidos.
Não me parece necessário dar exemplos mesmo que tal exercício pudesse avivar algumas memorias selectivas que só vêm o mal quando são os seus donos as vítimas.
O último caso passou-se neste mês que vai acabando. Um jornal publicou uma notícia sobre um procurador da república que pelos vistos é alvo de processo disciplinar. Não lhe citou o nome embora referisse o local de trabalho e a cidade onde eventualmente vive.
Ora, no caso em apreço, a notícia deixa de ser inócua porque aponta para uma pequena cidade, para um tribunal também de pequena dimensão, onde os procuradores não abundam antes escasseiam como aliás começa a ser regra.
Neste caso, como se vê, a notícia neutral pode ser uma arma de arremesso não contra um eventual culpado mas contra também, e de que maneira, os três ou quatro colegas que com ele trabalham. Aqui está como o anonimato protector da reputação de um acusado se transforma num gigantesco foco acusador de um pequeno grupo de pessoas.
Pelo pouco que li, porque entendo que já ao ler estou a apoiar o mau trabalho jornalístico, alguns procuradores entenderam, na sua ingenuidade, defender-se. E escreveram uma carta ao jornal que obviamente a publicou. Todavia, e aqui está o truque, não deixou de, em cinco ou dez linhas a comentar, esvaziando na medida do possível a reclamação justa e correcta e reafirmando a honestidade da sua conduta, os bons princípios de trabalho e a neutralidade do jornal. Durante anos os procuradores dessa pequena cidade irão ter de lidar com a incómoda sensação de, mesmo sem culpa, poderem a todo o momento ser alvo de um olhar de dúvida, do género nunca há fumo sem fogo.
Não tenho procuração de ninguém para escrever isto, não sou do grémio, acho que nem sempre todos os oficiais desse ofício estarão isentos de criticas e quem aqui me leu já deve ter reparado nisso. Todavia, com a mesma serenidade com que fui apontando alguns erros de procedimento quero, hoje e aqui, expressar-lhes a minha solidariedade.
Os leitores perceberão que a não citação do jornal, da autoria do artigo e demais informações não permite, desta vez, identificar quem quer que seja. Há demasiados jornais e uma montanha de jornalistas pelo que não corro o mesmo risco corrido por quem, na mira desenfreada de um scoop, cometeu um ataque imperdoável ao bom nome, à honra e consideração que se deve a um cidadão.
Saem de rajada dois "estes dias..." Não que eu tivesse vontade mas as coisas tem um tempo e o tempo delas e o meu encontraram-se assim desta maneira desastrada.
5 comentários:
Caríssimo MCR:
Sei do que está a falar. Mas quase posso garantir-lhe (e a quem sobretudo interessa) que a notícia em causa não visou atingir ninguém para além de quem estava em causa. E, nestas coisas, é sempre muito difícil fazer opções entre divulgar o nome ou não.
Um exemplo. Há alguns meses atrás, um jornal publicou um notícia sobre actos pouco edificantes de um familiar meu que, por várias razões, podia ser confundido comigo. O jornalista autor da notícia, que me conhece bem e é meu amigo, ligou-me um bocado à toa porque não sabia se devia ou não publicar o nome do dito. Achava que se publicasse o nome, iriam crucificar-me em determinados locais. Disse-lhe que não iria influenciar a sua opção, muito menos porque o assunto me tocava. Com absoluta boa-fé, ele não publicou o nome. Nos dias seguintes - mais para mágoa do meu amigo do que minha - fui fustigado num fórum, onde as pessoas - embora sabendo muito bem que não era eu que estava em causa - me trucidaram com insinuações torpes e anónimas.
Afinal, teria sido melhor - para mim - que a pessoa em causa tivesse sido identificada. E, no entanto, o jornalista agiu com a melhor das intenções...
Proc. disciplinares no conhecimento do publico porque nao, sao-no todos os proc. que contam e sao-no tambem os nomes dos suspeitos, arguidos, ofendidos, enfim, tutti quanti! Mais valia, de facto, ter posto os nomes aos... assim como assim, a quem assinou a noticia nada iria acontecer para alem do acontece nos outros casos, ou seja, nada. Vai-se a ver e foi mesmo com boa intençao, carteiro dixit...
PS - nao li a noticia, por isso desculpem la qualquer coisinha menos a proposito.
Meu Caro Coutinho Ribeiro
Eu podia dizer-lhe que de boas intenções está o inferno cheio...
que não houve -nem nunca há - outra intenção que não seja a de servir o bem público
que a liberdade de informar, esteio da democracia, não se compadece com os pruridos de A, b, ou C.
Poderia prosseguir neste rosário de justificações mas a verdade, como Maomé dizia, está lá: ou seja quando o Profeta foi interrogado sobre o que um caluniador devia fazer para limpar a calúnia, respondeu: ele que ponha uma pena branca à porta de casa casa do aduar. No dia seguinte teá de ir buscá-las todas sem faltar uma
Retorquiram-lhe: mas à noite sopra o siroco e as penas voam para longe, desaparecem...
E o profeta terminou: nesse caso que o caluniador se abstenha da calúnia.
no caso, alguém escreveu uma notícia que para evitar enxovalhar um nome, enxovalhou três ou quatro; quando duas das pessoas atingidas vieram a terreiro defender o seu bom nome usou-se o expediente miserável e vergonhoso da notinha de redacção para comentar o incomentável e finalmente vir dizer. ufanamente, que o jornal, estava acima de toda a suspeita. Não está!
E sabe que mais, caro Amigo? Tivessem os signatários a sulfurosa reputação de um certo cavalheiro de indústrio bem conhecido no país, aposto que um recadinho a dizer a quem de direito, cuidado que aí vem pau, matava no ovo a informação o informante o meio informativo e tudo o resto. Coisa que tem acontecido com frequência que o medo, o cagaço, a miufa, guarda a vinha. aqui só se escreve sobre quem não se pode defender e raro é o caso em que os que tudo lo mandam são sequer beliscados. E não falo desse fantoche madeirense onde agora todos arreiam mas sim nos grandes senhores do capital, no governo oculto deste país que aliás se pode dar ao luxo de ter os jornais que quiser, como quiser e a fazerem o que quiser.
Que pena não poder comentar este.
Mas vou comentar outro: o editorial de JMF no Público de hoje. Se tiver tempo e noutro lado.
MCR em grande forma! Que nao lhe canse o teclar, que do pensar estamos bem servidos! Bravo!
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