20 outubro 2006

Os cantos das sereias e as vitórias de Pirro

Um comentário de Gomez *(a este post do Incursões):

O Bastonário José Miguel Júdice - que (segundo li algures) já tinha dito que no lugar do Conselheiro Pinto Monteiro teria pedido a demissão, face ao veto, pelo CSMP, do nome proposto para Vice-PGR - dá hoje no “Público” (link não disponível) conselhos ao PGR que só poderão conduzir a um resultado: o pedido de exoneração (a menos que o CSMP aceitasse reponderar o veto à adequação do perfil do nome proposto para Vice-PGR, cobrindo-se de um irremediável descrédito...), com a consequente abertura de uma crise de repercussões imprevisíveis.
Tal como J. M. Júdice, entendo que o MP carece hoje, patentemente, a vários níveis, de liderança e de uma efectiva afirmação da hierarquia e dos mecanismos de coordenação, nos limites da lei, em benefício da eficiência, da eficácia e até da concretização, real, dos princípios da legalidade e da igualdade dos cidadãos perante a lei.
Mas nenhuma “máquina” se afina e nenhuma hierarquia se afirma, pela via da “espadeirada” (acompanhada, ou não de discursos grandiloquentes...). Qualquer reorganização bem sucedida pressupõe uma “massa crítica” de apoio, por mínima que seja. E só se consegue removendo, com determinação inquebrantável, mas também com bom senso, as inevitáveis resistências à mudança, evitando vias que as adensem.
Na minha modestíssima opinião, se o PGR está verdadeiramente empenhado em ter sucesso na reforma e na liderança do MP, trabalhando desde já com as leis que existem (como afirmou), deverá evitar os cantos das sereias voluntariosas que o empurram para confrontos que não poderá ganhar ou que só ganhará com vitórias de Pirro (que não só não o ajudarão a atingir os seus objectivos como serão mais uma machadada no crédito das magistraturas).
O PGR tem de ser um líder, com um programa claro. Mas liderar não é, só, julgar em última instância. Pressupõe um conjunto complexo de valências (visão estratégica, táctica, capacidade de gestão, de comunicação e de mobilização, ...). Também na vertente interna, o PGR terá de ter tacto “político” e “diplomático” se quiser atingir os seus objectivos. Isto não quer dizer que admita transigir sobre o rumo traçado. Quer dizer, apenas, que uma recta nem sempre é o caminho mais curto entre dois pontos, como saberá qualquer gestor capaz.
Importa, por último, recordar o óbvio: os comentadores dos media (sem excluir, naturalmente, o obscuro signatário) têm, por vezes, agendas próprias e não se responsabilizam – nunca – pelos resultados dos seus conselhos, recomendações e informações...


* titulo deste post da minha (Kamikaze) responsabilidade

2 comentários:

Carlos disse...

Por falar nisso:

http://grandelojadoqueijolimiano.blogspot.com/2006/10/o-grupo-dos-700.html

Um abraço

Kamikaze (L.P.) disse...

Lido no Sine Die

Sinceramente, espanta-me a crónica de hoje de J.M. Júdice no Público ("Tiro no pé ou no porta-aviões"). É que ela é, afinal, um desafio ao PGR para que afronte o CSMP, ou então que se demita!... Tal radicalismo pode levar água no bico. Mas o PGR certamente não se deixará embalar em cantos de sereias...
O meu espanto deriva sobretudo de ter ouvido Júdice, repetidas vezes, durante o seu mandato como bastonário, apoiar a autonomia do MP. E agora vem atacar descabeladamente o CSMP, precisamente o órgão que melhor representa a autonomia do MP, por ter exercido uma das suas competências legais: a de votar o nome proposto pelo PGR para Vice-PGR (votar sim ou não, porque se só pudesse votar sim não seria uma votação, mas antes uma aclamação).
Júdice esqueceu tudo o que dizia e sabia sobre o MP e agora olha para este como se fosse uma qualquer "organização", em que o "responsável cimeiro" deve poder escolher a sua "equipa" e o seu "braço direito".
Mas o MP não é uma organização qualquer, é uma magistratura autónoma. E o Vice-PGR não é o braço direito nem esquerdo do PGR, é o seu substituto legal na plenitude das suas funções, é o segundo dirigente do MP e por isso a sua escolha não pode ser feita exclusivamente na base da confiança pessoal do PGR, antes na conjugação de vontades entre o PGR e o CSMP, o que lhe confere uma legitimação específica, tendo em conta a composição mista do CSMP. O Vice-PGR, insisto, não é um funcionário administrativo, um conselheiro, um confidente ou um membro do gabinete do PGR, é um magistrado dirigente, o número dois da hierarquia. A confiança pessoal do PGR não é suficiente para a sua legitimação.
Tudo isto eu julgava que Júdice sabia e compreendia. Provavelmente esqueceu. Mas, em todo o caso, estranha-se tanto empenho na radicalização de posições dentro do MP.
Volto a dizer: o CSMP limitou-se a exercer as suas competências. Não houve aliás alinhamentos corporativos na deliberação, houve dispersão de votos entre as diversas componentes do órgão. Tudo decorreu conforme as regras. Para quê este alarido? Para quê este apelo às hostilidades? Para quê este incitamento a que seja apresentado o mesmo nome na próxima votação (o que contraria a lei)? Que interesse há nisso? A quem interessam as batalhas navais?

Eduardo Maia Costa