13 novembro 2006

Unanimidades (II)

nem na cultura "engagée" há unanimidades sem prazo de validade...

Kamikaze
Kamikaze



Jardim das Esculturas, Nova Galeria Tretyakov, Moscovo


estátua apeada do escritor Maximo Gorky (responsável, entre outros, pelos meus juvenis desvios esquerdistas), ícone da propaganda soviética que serviu como presidente da União de Escritores. Falecido em 1936, o anterior chefe da NKVD, Genrikh Yagoda, foi acusado e condenado pelo seu assassinato; persistem suspeitas de que a acusação tenha sido fabricada e também de que Gorky foi morto às ordens de Estaline.


(fotos: Kamikaze, Agosto 2006
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6 comentários:

M.C.R. disse...

Com que então apearam a estátua de Gorky?
Ora aí está uma extraordinária forma de ler a história.
em primeiro lugar Gorky é ainda hoje um grandíssimo escritor e como tal reconhecido por toda a gente (excepto ao que vejo em certos lugares da rússia).
em segundo lugar gorky não pode sequer ser acusado de ter servido o stalinismo que, efectivamente se serviu dele ainda que obliquamente. De facto já Lenin criticava certos desvios de pensamento em Gorky que o convertiam num mero social-revolucionário mas nunca num bolchevique.
Gorky protegeu muitos jovens escritores que, apesar de bons e de escreverem obras que serviam a rvolução foram por esta devorados, engolidos ou cuspidos: por todos Isaak Babel.
Que apesar disso agora lhe venham rebentar com a estátua é que já me espanta. A menos que o actual poder queira restaurar a memória do Rasputine ou pior ainda dos boardos do antigo-antigo regime...
De facto começo a pensar que Putin e os seus amigalhaços não são senão uma contrafacção muito sec XXI de Stalin. O mesmo punho de ferro mas numa luva de falso veludo.

cara Kami: se foi Gorky quem a desviou olhe que foi bem desviada. antes gorky que o Amado dos "subterraneos..." ou o Aragon dos "les comunistes".
Gorky era (e é em qualquer latitude) um excelente escritor.

Kamikaze (L.P.) disse...

Meu caro MCR, repare bem nesta parte do texto:
"ícone da propaganda soviética que serviu como presidente da União de Escritores." O regime serviu-se, de facto, de Gorky, mas este também serviu o regime, ao menos na compactuação silenciosa, que lhe rendeu, de resto, bastantes mordomias (desde logo como presidente da União de Escritores), uma das quais a magnífica moradia arte nova, de dois andares, onde lhe foi dado residir já nos últimos anos (e que, infelizmente, esta amante de arquitectura não pôde visitar, pois estava em obras, supostamente de restauro - no local ninguém sabia, ou queria, informar ao certo).

Quanto ao apeamento da estátua: não sei se se pode culpar Putin pelo facto, possivelmente anterior ao seu consulado; mas certo é ela jaz abandonada e encarcerada, por entre a relva rala e ressequida daquela zona do Jardim das Esculturas onde foram espalhados, mais ou menos a esmo (mas visíveis, ao menos!), tantos e tantos ídolos dos amanhãs que deixaram de cantar.
A grande maioria são esculturas grandiosas no tamanho e impressionantes pela qualidade do trabalho artístico, pelo arrojo criativo, o que me surpreendeu, preconceituosa que era quanto ao realismo socialista... Não é em vão, afinal, que se cresce num país onde a arte nos cerca, testemunhando glórias, riquezas mas também bom gosto e escola de séculos! A qualidade e pujança criativa quer da pintura, quer da escultura (muita!de novo deve ser a "escola", "história", a "tradição", enfim...), que vi na Nova Galeria Tretyakova é uma das memórias que melhor guardo dos "high lights" turísticos de Moscovo. Memória não só da surpresa mas também das próprias obras e emoções que experienciei ao observá-las o que, numa pessoa como eu, que guarda sobretudo, destas "incursões", uma conjunto de reminiscências e sensações vagas, é obra não seguramente fruto do acaso :) Obras onde se consegue facilmente vislumbrar uma personalidade muito própria, distintiva das obras contemporãneas de artistas de outros países - uma alma russa???

Kamikaze (L.P.) disse...

O Jorge Amado lio-o mais tarde, a eito, mas o que lhe devo é diverso. Ora veja bem: desanimada já por tanta tentativa frustrada de criar no meu filho gosto pela leitura, eis senão quando, pelos seus 13º ou 14º aniversário, já não sei bem, o seu estimado e já idoso explicador (na verdade, era mais um amigo e tutor) lhe ofereceu "Os Capitães da Areia". Milagre! A partir daí nunca mais o meu filhote parou de ler e, para gáudio da mãe babada, com sempre crescente critério de qualidade :)

Kamikaze (L.P.) disse...

Ah! Depois a mãezinha deu-lhe a ler o Gorky, a começar pelo "A Mãe"... too obvious, isn't it?

M.C.R. disse...

1. gorky enriqueceu (e de que forma) com os livros e respectivos direitos: viveu até em capri onde Lenin o visitou.
quando regressou à URSS perdeu boa parte desses direitos sobretudo numa época em que não se pagavam direitos no país da revolução. foi presidente da União dos Escritores por voto dos seus pares e antes de Stalin ter todo o poder. Depois foi morrendo vagarosamente. Se com ajudas ou sem elas é mistério ainda hoje. Deu ele muito mais à URSS que esta a ele. A casa? Uma casa expropriada seguramente. Ordenado? Duvido. Honrarias? Quais depois do reconhecimento geral?
O Amado de que eu falei é o amado do Cavaleiro da Esperança e dos subterrâneos. Só esse. O dos Capitães ou do s ciclos a ele posteriores é um magnifico escritor. De que eu gosto muito. Se me permite uma sugestão leia o último Amado: Navegação de Cabotagem: é um volume de memórias absolutamente delicioso sobretudo para quem foi esquerdista...
De facto não sei se foi Putin quem mandou a estátua às malvas. Mas ele ou seu alcoólico antecessor não são assim tão diferentes. acho que estão dispostos a deitar fora a água do banho e a criança dentro.
Se o seu rapaz gostou de ler os Capitães e depois vai tudo a eito, isso quer dizer que ele já tinha o bicho dentro. Só que às vezes o bicho demora a acordar. Eu costumo dizer que ler é como jogar cartas. Há quem gosta e joga e quem não gosta e nunca jogará. Não acredito muito no fenómeno de viciação externa na leitura. Ou pelo menos acredito pouco.

M.C.R. disse...

no meio disto tudo esqueci-me de dizer que não conheço a Rússia. A menos que um país possa ser conhecido dos livros e dos filmes, coisa que duvido. E bem que goataria de ir ver essas cidades e sobreuto (ah grande Miguel Strogoff) a Sibéria!
Todavia não me admira nada o que me diz da dignidade da escultura. UIsto são países da primeira divisão com gente dinheiro e gosto. Tem por força que ter grandes artistas até porque havia mercado e havia gente. Um país não pode ter os músicos ou os bailarinos que tem sem ter gente igualmente boa noutros campos. É a lei dos grandes números e a lei do contágio cultural. as ditaduras não conseguem destruir a cultura nem o génio. Podem apoucá-lo cerceá-lo mas aquilo rebenta onde menos se espera.