Canção de embalar para o Pedro acabado de nascer
Isto, Pedro, em boa verdade, havia de ser em verso, pronto a cantar mas, que queres?, não me sai pelo que terás de te contentar com uma prosa pobre mas sincera e fingir que a ouves como uma cantiga. O teu avô, dúbia personagem que irás aprender a conhecer, telefonou-me há pouco contente como nem calculas, ultrapassando a tua avó que tentava apanhar a Doris mas que perdeu nessa corrida por uma miserável meia cabeça. Se eu fosse simpático diria que eles empataram mas, como diziam uns cavalheiros antigos e romanos “amicus Cato sed veritas” ou seja amigo de Catão mas mais ainda da verdade. Portanto o teu avô ganhou a batalha da informação coisa que irá pagar amargamente durante as próximas semanas. Aprende, meu querido, esta primeira lição: com as mulheres perde-se sempre ou, pelo menos, deve fazer-se por isso.
Dirás que com um simples dia de idade (e nem um dia é...) talvez seja cedo para receberes uma carta. É verdade mas isto tem uma explicação: há muitos anos, escrevi uma carta ao David primeiro filho da prima Maria Manuel quando ele teria quinze dias três semanas, vá lá um mês... O Manuelzinho, teu avô ficou de monco caído porque eu nunca tinha escrito ao teu pai. Prometi-lhe com a solenidade que meia dúzia de cervejas dá que alguma vez repararia tal falta. Esta é a razão primeira (mas não a única) desta carta. Porque há outras, Pedro, e muitas. À uma eu sou amigo do teu Pai. Vi-o nascer, quase que o vi ser concebido (Jesus que festim bárbaro!) vi-o crescer, dei-lhe carolos e um canivete suíço quando tinha sete anos (e a tua avó num susto, ai que o menino se corta. Qual corta qual quê, respondi-lhe e expliquei-lhe que com o canivete e os sete anos ele passava de menino a rapaz e que um rapaz não se corta. E não se cortou! O que prova a bondade da minha tese e a profundidade da minha ciência educativa.), ensinei-o a jogar poker de dados, a dizer alguns palavrões decentes, a mergulhar de cabeça no rio e mais um par de coisas que a seu tempo (se as Parcas me permitirem) te direi.
Não tenciono ir visitar-te ao hospital. As crianças, Pedro, quando nascem parecem-se, para pior, com os frangos de aviário expostos nos supermercados. Já sei que a tua avó e o teu avô te acham a criança mais linda da criação mas els são avós e ceguinhos pelo que se lhes perdoa o exagero. Vou deixar que cresças, tomes corpo e cor para te poder pegar como se pega num bebé.
Agora que estamos conversados quanto ao social, vamos ao que interessa. Acabas de herdar (do teu Pai) o lugar direito traseiro do meu carro. Poderás, querendo, trazer os teus pais que no entanto viajarão sempre classificados como bagagem não acompanhada. O tu avô irá pelos seus próprios meios ou de skate atado ao carro. Dentro não há espaço como verás logo que puderes ver. O homem é imenso, gordo, redondo como um tamanco, não cabe em sítio nenhum. Só de reboque. E é uma sorte.
Quando tiveres a idade adequada, e se eu viver, ensinar-te-ei um par de coisas. Quando souberes ler emprestar-te-ei com muito gosto a minha colecção de banda desenhada especial (a quem alguns espíritos mal informados chamam erótica. O teu pai leu-a e está aí que se pode ver: um magistrado de primeira, sem traumas, sem pecados escondidos, olhando a vida sem medo, sem vergonha e sem pecado. O que é bom para o pai há-de ser bom para o filho.)
Nasces precipitadamente em 2006 quando só te esperávamos lá mais para Janeiro. Compreendo a pressa mas desculparás que te diga que meteste o pé na argola. Nascer a poucos dias do Natal significará confusão de prendas de Natal e anos. Mau negócio, Pedro! Precipitação, filho, muita precipitação. De todo o modo vens em boa altura, pelo menos para mim que acabo de perder dois amigos velhos de quarenta anos, provavelmente já meios imprestáveis mas de quem eu gostava bastante. Vens pois substituí-los o que é, já te digo, uma forte responsabilidade. Mas acho que estarás à altura. Vens de boa cepa, tiveste um bisavô guerrilheiro em Espanha, uma avó passadora de clandestinos pela fronteira, outro bisavô jogador de poker aberto e apreciador do belo sexo, enfim, tens à volta do teu berço um par de jarretas, vários até, desde o Álvaro caçador de perdizes ao Manuel Sousa Pereira impenitente escultor e mulherengo até dizer basta (se é que ele ouve tal coisa, surdo como está e vicioso como sempre foi), o Carlinhos Cal Brandão (cala-te boca!) e mais meia dúzia de babados adult(er)os que espero te ensinarão o que a mim já me esqueceu.
Desejo-te portanto a aventura, o risco, o trapézio sem rede, o amor louco (e que não seja pouco!), a alegria, a fruta roubada verde na árvore, a gargalhada forte numa rua de Paris, as raparigas saudáveis e loiras de Berlin e Amsterdão e o pecado sofisticado de Roma.
Entra, meu filho, na casa dos homens, com as suas grandezas e as suas misérias, sê bem-vindo e vê se aprendes a jogar bridge que há grande falta de parceiros.
Teu amigo,
Marcelo
PS a Joana e o João Simas estão de parabens. O mesmo se diga dos avós Laurinda e Manel. E dos amigos de há tantos anos que esperam agora um banquete celebrativo para apresentar o recém vindo à sociedade. Sem banquete não há criança mas apenas uma suspeita. Desaperta os cordões à bolsa, Manekas. Um neto é um neto, um neto, um neto.
Dirás que com um simples dia de idade (e nem um dia é...) talvez seja cedo para receberes uma carta. É verdade mas isto tem uma explicação: há muitos anos, escrevi uma carta ao David primeiro filho da prima Maria Manuel quando ele teria quinze dias três semanas, vá lá um mês... O Manuelzinho, teu avô ficou de monco caído porque eu nunca tinha escrito ao teu pai. Prometi-lhe com a solenidade que meia dúzia de cervejas dá que alguma vez repararia tal falta. Esta é a razão primeira (mas não a única) desta carta. Porque há outras, Pedro, e muitas. À uma eu sou amigo do teu Pai. Vi-o nascer, quase que o vi ser concebido (Jesus que festim bárbaro!) vi-o crescer, dei-lhe carolos e um canivete suíço quando tinha sete anos (e a tua avó num susto, ai que o menino se corta. Qual corta qual quê, respondi-lhe e expliquei-lhe que com o canivete e os sete anos ele passava de menino a rapaz e que um rapaz não se corta. E não se cortou! O que prova a bondade da minha tese e a profundidade da minha ciência educativa.), ensinei-o a jogar poker de dados, a dizer alguns palavrões decentes, a mergulhar de cabeça no rio e mais um par de coisas que a seu tempo (se as Parcas me permitirem) te direi.
Não tenciono ir visitar-te ao hospital. As crianças, Pedro, quando nascem parecem-se, para pior, com os frangos de aviário expostos nos supermercados. Já sei que a tua avó e o teu avô te acham a criança mais linda da criação mas els são avós e ceguinhos pelo que se lhes perdoa o exagero. Vou deixar que cresças, tomes corpo e cor para te poder pegar como se pega num bebé.
Agora que estamos conversados quanto ao social, vamos ao que interessa. Acabas de herdar (do teu Pai) o lugar direito traseiro do meu carro. Poderás, querendo, trazer os teus pais que no entanto viajarão sempre classificados como bagagem não acompanhada. O tu avô irá pelos seus próprios meios ou de skate atado ao carro. Dentro não há espaço como verás logo que puderes ver. O homem é imenso, gordo, redondo como um tamanco, não cabe em sítio nenhum. Só de reboque. E é uma sorte.
Quando tiveres a idade adequada, e se eu viver, ensinar-te-ei um par de coisas. Quando souberes ler emprestar-te-ei com muito gosto a minha colecção de banda desenhada especial (a quem alguns espíritos mal informados chamam erótica. O teu pai leu-a e está aí que se pode ver: um magistrado de primeira, sem traumas, sem pecados escondidos, olhando a vida sem medo, sem vergonha e sem pecado. O que é bom para o pai há-de ser bom para o filho.)
Nasces precipitadamente em 2006 quando só te esperávamos lá mais para Janeiro. Compreendo a pressa mas desculparás que te diga que meteste o pé na argola. Nascer a poucos dias do Natal significará confusão de prendas de Natal e anos. Mau negócio, Pedro! Precipitação, filho, muita precipitação. De todo o modo vens em boa altura, pelo menos para mim que acabo de perder dois amigos velhos de quarenta anos, provavelmente já meios imprestáveis mas de quem eu gostava bastante. Vens pois substituí-los o que é, já te digo, uma forte responsabilidade. Mas acho que estarás à altura. Vens de boa cepa, tiveste um bisavô guerrilheiro em Espanha, uma avó passadora de clandestinos pela fronteira, outro bisavô jogador de poker aberto e apreciador do belo sexo, enfim, tens à volta do teu berço um par de jarretas, vários até, desde o Álvaro caçador de perdizes ao Manuel Sousa Pereira impenitente escultor e mulherengo até dizer basta (se é que ele ouve tal coisa, surdo como está e vicioso como sempre foi), o Carlinhos Cal Brandão (cala-te boca!) e mais meia dúzia de babados adult(er)os que espero te ensinarão o que a mim já me esqueceu.
Desejo-te portanto a aventura, o risco, o trapézio sem rede, o amor louco (e que não seja pouco!), a alegria, a fruta roubada verde na árvore, a gargalhada forte numa rua de Paris, as raparigas saudáveis e loiras de Berlin e Amsterdão e o pecado sofisticado de Roma.
Entra, meu filho, na casa dos homens, com as suas grandezas e as suas misérias, sê bem-vindo e vê se aprendes a jogar bridge que há grande falta de parceiros.
Teu amigo,
Marcelo
PS a Joana e o João Simas estão de parabens. O mesmo se diga dos avós Laurinda e Manel. E dos amigos de há tantos anos que esperam agora um banquete celebrativo para apresentar o recém vindo à sociedade. Sem banquete não há criança mas apenas uma suspeita. Desaperta os cordões à bolsa, Manekas. Um neto é um neto, um neto, um neto.
6 comentários:
Excelente, MCR. Depois da partida de dois Amigos , o nascimento do neto doutro Amigo há-de reconfortar um pouco a alma dorida.
Olhe, Marcelo aproveito para lhe desejar, e aos outros incursionistas um Grande Novo Ano de 2007, acompanhado de um batalhão de infinitos « gnomos benéficos e malicioos ».
PS: Milo Manara?!
Um grande Abraço
Ferreira
O usuário do nome "gnomo benéfico e malicioso" agradece com enormes viel danke a alusão amabilíssima. e inteligente se é que isto não ofende ninguém.
Ich wunsche Sie ein gut neues Jahr!
Manara? Was, wo Warum?
Ich wunsche Sie ein gut neues Jahr!
Manara? Was, wo Warum?
Infelizmente, corado de vergonha e ignorante ,nada sei de Alemão. Pelo que a parte final do seu amável comentário terá de me explicar quando tiver tempo e paciência. Para além de não ter um diccionário à mão.
A alemoada ich... é apenas "desejo-lhe um um bom ano novo".
as perguntas depois do Marara dizem "o quê, onde, porquê
ao escrever isto percebi a alusão ao Manara. Só agora! A bd tem Manara, claro, e alguns outros mais ousados e sulfurosos.
Estive tentado a aprender alemão, por motivos profissionais ( CPP, CP e até pelo CC ( BGB? ) Preguiça, é o que é!
Pois claro BD do melhor! Traços finissímos.
Ich wunsche Sie ein gut neues Jahr
Então parabéns e um Óptimo ano!
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