01 fevereiro 2007

Au Bonheur des Dames 48

Efeméride! Sorrindo entre lágrimas!
Setenta anos! O Assis faria hoje setenta anos! “ai, rapaz, como o tempo passa!” (obrigadinho O Neil por me permitires esta evocação sem ter ar merdoso de tópico!). Para celebrar a efeméride – e já que não posso estar hoje com o Manel (Valente) o João (Rodrigues) as a pachecal família (aposto que estão lá todos, bebés incluídos e cão!) na Casa Fernando Pessoa, por via dum resfriado cabrãozinho que parece que vai mas não vai, desabotoo dos meus “arquivos implacáveis” (ora aqui está uma citação de que o Fernando havia de gostar. Haverá leitor capaz?) uma carta do poeta e respectiva resposta. Decerto que alguma leitora mais arguta virá dizer que já leu parte da história no falecido “O jornal” (secção Periscópio) mas sempre lhe repontarei que não leu a minha parte mesmo que triste e mesquinha. Ora toma lá que já almoçaste!

1. carta circular de FAP

Lisboa, angustioso Fevereiro de 1985
Caro Fulano
Você acaba de ser escolhido sem computador, por simples palpite, como um dos 108 mais que prováveis beneméritos para o repatriamento do estudante brasileiro Paulo Ricardo Ribeiro, adiante designado PRR. A história de PRR é tão melancólica que mereceria dois sonetos de Soares de Passos. Ei-la:
1 em data infausta de 1984 viajou de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, para Lisboa, destinado a um curso de Comunicação social na Universidade Nova. Esse erro custou-lhe toda a massa que tinha! 2 Aqui chegado, constataria que o dito curso estava a milhares de milhas marítimas do seu desiderato, pelo que, vendo entretanto uns míseros e poucos escudos desaparecerem por evaporação, decidiu partir de regresso à bem amada (Pátria). 3 instado o Consulado do Brasil a ajudar na operação, baldou-se e 4 o mesmo fariam a Varig (...) o telerromance “Chuva na Areia” e o ayatollah Khomeiny (que ofereceu mesmo porrada e água a jarro ao impetrante).
Resta quiçá pedir 1000$ per capita a 108 ricos homens, infanções e similares (a passagem custa 108.000$ ...), gente em cujas mãos bentas jaz a solução deste probleminha. Caso contrario PRR regressará a nado!
No momento presente PRR aguenta à base de comidas suaves, tendo inclusivamente mastigado a agenda dos telefones, que porém lhe deixou um sabor – citamos – a couve lombarda.
O mote é: seja cristão, não perca a ocasião!
Contribuições (mil!) para.... cheque, please, dentro de uma folhinha de papel , because of tentações.
Tá?
Trata das relações públicas e esportula o seu sob a forma de 108 selos, o infinitamente grato
Fernando Assis Pacheco

2. mcr esportula e responde

Porto, dadivoso mês de Fevereiro de 1985
A Dom Fernando Assis Pacheco, escrivam da Casa da Índia, em Lisboa
Não Vos sabia, Senhor, mesário da Casa da Suplicaçam, prebenda bem pouco pecuniosa pelo que entendo de Vossas boas novas ora mesmo chegadas a meus paços de S. Eugénio de Castro.
Porque é matéria de melindre e urgência, aqui Vos mando ordem de pagamento sobre meus abastados onzeneiros que nessa praça de Lisboa têm valia e aceitaçam. Mil morabitinos, em tempo de quebra de moeda, pouco é para quem, como este Vosso criado e admirador, pretende ganhar o paraíso e a excelente companhia de Santos, Apóstolos e demais Doutores da Igreja.
Menos é ainda se tivermos em linha de conta que se trata de enviar para a selva natal um indígena das Terras de Santa Cruz que nosso parente Pedro Alvares descobriu para El-rei.
Temo-me porém que os bons ensinamentos que nesta terra cristianíssima esse Paulo recebeu se percam em terras de grandíssimo pecado como me dizem ser as dos antípodas para onde ele seguirá se os restantes cavaleiros e demais ricos homens abrirem generosamente a bolsa. De todo o modo eis-me gostosamente dador pedindo em troca que uma vez chegado à Capitania do Rio de Janeiro, vá o impetrante de jornada aos santuários de Ipanema, Leblon e Barra e que nesses lugares louve os seus benfeitores contando sua gesta a todas as donzelas que vir, demonstrando o seu carinho e gratidão por nós, impondo-lhes as suas (dele) mãos como se de nossos membros se tratasse.
Vai a ordem de pagamento dirigida a Vós, porquanto a nós, fidalgos da Ribeira de Lima é imposto o anonimato em importâncias inferiores a cinco mil morabitinos.
Aceitai meus respeitos e não olvideis que esta é a época da lampreia nesta invicta e sempre leal cidade para a qual vos convida o vosso sempre mcr

3. FAP na crónica já citada espantava-se de ter recebido resposta positiva ao seu pedido de mais de 75% dos contactados entre amigos, conhecidos, desconhecidos que ele estimava e etc... Há tipos assim: a mim o que me espanta foi que uma minoria não mandasse o cacau. Às tantas esqueceram-se, ou as cartas foram dar a sítios errados, ou se perderam as respostas. PRR chegou são e salvo à pátria e para oitenta mânfios como eu ficou uma bonita história para contar, vinte e dois anos depois.

O Fernando morreu em finais de Novembro de 95, com 58 anos. (Já lhe levo sete de vantagem) num ano que começou com a morte do Pedro Sá Carneiro Figueiredo em Janeiro e meou com a do Zé Valente em Agosto. Há anos assim: desastrosos! Vai esta croniqueta em memória deles três. Fazem-me uma falta do caraças!

3 comentários:

josé disse...

Valente crónica. De boa cepa e melhor restilação.
Tomara que todos pudéssemos ter quem nos lembrasse assim.

M.C.R. disse...

Tomara que fossemos de tal cepa que suscitasse lembranças dos nossos amigos. Bem aparecido caro José!

Silvia Chueire disse...

Excelente, MCR!