03 fevereiro 2007

Marcelo, o aborto e a mulher

Marcelo Rebelo de Sousa é um homem hábil na palavra. Pena é que use essa habilidade para mascarar a realidade, para embrulhar as suas razões com palavras subtis e enganosas. A sua mensagem de apelo ao voto no Não é, para além de um poço de contradições, um imenso desrespeito pelas mulheres.

Refere ele que a pergunta do referendo é mentirosa já que, apesar de perguntar se concordamos com a despenalização, o que quer significar é liberalização. Se fosse despenalização ele, Marcelo Rebelo de Sousa, concordava, fosse até às 10, 12 ou 18 semanas (!), agora liberalização, não.

Este argumento que os defensores do não estão a desencantar é um paradoxo. Ou seja, o refendo é para despenalizar, mas eles votam não, mas querem despenalizar. É os chamados dois em um, mas que no caso é nenhum. Aliás, veja-se o que aconteceu após o último referendo relativamente à despenalização: nada. É o que nos espera se o Não voltar a ganhar.

Por outro lado MRS defende que se trata de liberalização porque depende da livre escolha da mulher. E, segundo ele, porque decide a mulher um aborto?
“Porque sim”
“Sem nenhuma razão justificativa”
“Por um incómodo momentâneo”
“Por uma depressão ligeira”
“Por um estado de alma ligeiro”

Repare-se que nem sequer é um incómodo constante, ou uma depressão pesada, ou um estado de alma carregado. Não, é tudo ligeiro. Como certamente é ligeira a imagem que este homem tem das mulheres.

Como é possível pensar que uma mulher possa tomar uma decisão destas com ligeireza? E, mesmo considerando que há pessoas para tudo, dê-se, pelo menos, o benefício da dúvida às milhares de mulheres que abortam clandestinamente por ano neste país, relativamente às razões que as leva a tomar essa decisão tão dolorosa.

De acordo com um estudo efectuado recentemente sobre o Aborto em Portugal para a Associação para o Planeamento da Família, onde foram entrevistadas 2000 mulheres dos 18 aos 49 anos, verificou-se que:

14,5 % dessas mulheres fez interrupção voluntária da gravidez;
38,8% tinha menos de 20 anos;
A grande maioria o fez apenas uma vez ( 83%);
73% fizeram-no até às 10 semanas;
21% dessas mulheres engravidou por uma falha do método contraceptivo;
46,1% não estava a usar nenhum método contraceptivo;
70,2% não recebeu nenhum conselho sobre contracepção após o aborto;
64,5 % não teve nenhum acompanhamento médico após o aborto;
20% teve complicações pós aborto;
85% realizou o aborto em Portugal.
43,8% fez o aconselhamento para a decisão com o marido/companheiro e 17,2% com familiares.

Este é o quadro da clandestinidade. Este é o quadro das decisões “ligeiras”. Este é o quadro que se manterá se a lei não mudar. Com a manutenção da lei actual, quem está desamparada nessa decisão fica ainda mais desamparada porque a porta que lhe é aberta é a da clandestinidade, sem qualquer tipo de apoio ou enquadramento.

Vou votar SIM no referendo porque considero que não temos o direito de criminalizar nem tão pouco de julgar e porque considero que é tirando o problema da clandestinidade que melhor o podemos conhecer e intervir adequadamente. Votar Sim é ainda um acto de tolerância.

Quanto ao MRS, deixemo-lo com as aligeiradas e insultuosas reflexões que faz acerca das mulheres. Isto para não lhe perguntar sobre o seu próprio processo de tomada de decisão. Pela amostra, deve ser bem mais aligeirado…

1 comentário:

M.C.R. disse...

MRS é uma criatura visceralmente de direita, rançosamente de direita. Agora, dantes, há vinte ou há trinta anos. Não nos enganemos. Não é de agora essa sua maneira especial de desqualificar os adversários para depois desqualificar opções de vida e de sociedade.
O seu argumentário é confrangedoramente pobre mas, pelos vistos eficaz pois até nos faz ter o prazer a ler cara Amiga.
Vou votar sim. Não porque pense que o problema seja o mais importante com que nos defrontamos mas apenas porque ao contrário de MRS este MCR respeita o sofrimento das mulheres que abortam e que normalmente são as mais pobres, as mais ignorantes, as mais desprotegidas, as com menos meios de se defender.
digamos que sou rançosamente dfe esquerda. sou e não me arrependo!