Parábola do engenheiro ou um abraço à Kami, outro ao José e ao Coutinho Ribeiro sem esquecer o leitor Ferreira e mais uns quantos (tudo isto para não referir o caviloso escultor msp
que me dá conselhos perniciosos)
que me dá conselhos perniciosos)
Para quem, há dias, jurava que ia escrever curto, á escovinha quase, aqui está um título que prova a falsidade das promessas quaresmais. Eu não tenho emenda, nasci prematuro, como diz a depravada Crazy Grazy quando me quer atenazar, e isso já é todo um programa. Genético! Comecemos pois por aviar o engenheiro, e a sua cruel crónica, para depois voltarmos á vaca fria da minha escrituração.
Este engenheiro, chamemos-lhe Wenceslau (com w) para o distinguir do portuga matreiro que engana a mulher e jura fidelidades caninas na roda familiar (e eu conheço alguns, olá se conheço) foi meu vizinho nos idos de 74/75. Era o que se chama um “gajo porreiro”, bem disposto, bem falante, sem nada que o distinguisse, à vista desarmada mas com uma especial inclinação pelo sexo “fraco”. À data do nosso conhecimento, já tinha dois divórcios no activo e ia lançadíssimo para o terceiro como me contou. Tínhamos por hábito jogar aos dados, à melhor de cinco, o café da manhã. Essa cumplicidade jogadora foi pouco a pouco ganhando contornos de confidência e, ao saber-me advogado, contou-me, com alguma mágoa mas sem qualquer sinal de arrependimento, o divórcio por que estava a passar. Saibam os leitores que, resolvera ir até Madrid em viagem de núpcias com a terceira desinfeliz que lhe fora no paleio manso e enredador. E no primeiro dia, talvez o segundo, já não recordo, quando a recém-casada manifestou o desejo legítimo de ir de compras aos “Preciados” que por acaso até nem ficavam longe do hotel, logo o nosso W. (ponhamos que eu lhe chamava W para abreviar e dar um tom misterioso) lhe entregou um gordo maço de notas declarando que a manhã era a melhor ocasião para uma visita a preceito a tão grande loja e que ele ficaria a dormir mais um bocadinho. Aliás, terá prosseguido, isto de ir às compras é sempre melhor sem um homem à trela, sempre impaciente e pouco dado a ver por quatro vezes o mesmo vestido ou a mesma écharpe. A noiva, encantada, aceitou a sugestão e pela fresca manhã desandou para os Preciados. Com tanto azar que logo que se dispôs a fazer a primeira compra reparou que deixara noutra carteira as pesetas generosas que o marido fizera questão de lhe oferecer. Naturalmente que, estando o hotel tão à mão, foi pelo cacauzinho. Em má hora o fez porque, mal entrada no quarto descobriu W em decúbito dorsal, com uma empregada sobre ele numa atitude que não deixava dúvidas a ninguém. E começou aqui o casamento a desfazer-se. Uma injustiça, dizia W pois ela desandara com a massa e gastara-a com uma raiva e uma determinação pouco própria de uma jovem esposa enganada.
Confesso que me custou a solidarizar-me com W ainda que lhe admirasse a rapidez de sedução e a energia com que a concretizara na pessoa de uma modesta trabalhadora da industria hoteleira madrilena.
É a minha natureza, disse-me em tom pungente W. Eu, até sou “um gajo que acredita no matrimónio” (sic) mas depois dão-me os humores e pimba!. - Eu também gostava de ter dessas oportunidades para fazer circular os humores respondi-lhe, tanto mais que estou divorciado como Deus manda...
Isso arranja-se, respondeu-me o pecador arrependido (?). E a nossa amizade redobrou até um quarto e definitivo casamento que alguma vez contarei pois tem muito que ensinar.
Ora esta história de W aplica-se, como uma segunda pele, aos meus desvarios caligráficos, ortográficos ou lá o que quiserem chamar a estas páginas que vou atirando para a blogoesfera. Eu bem queria, cingir-me com um cinto de cilício, rapar a cabeleira, cobrir a careca de cinza, enfim fazer o percurso sacrificial por inteiro (ainda que sem cair nos excessos dos chiitas iraquianos que se azorragam com uns chicotes com puas de ferro, parecem parvos, depois admiram-se que os sunitas do lado os chacinem. Se calhar estes até pensam que lhes estão a fazer um favor, ao mandá-los mais cedo para a presença do íman escondido e das huris do profeta. É que um cavalheiro depois daquela passeata a chicotear os lombos daquela maneira nunca mais fica igual.)
Ora então pratiquemos sobre esta triste realidade da minha natureza perdulária e escrevente. Tudo está no método usado, e no meu caso mais valia falar na ausência de método, logo eu que gosto de usar a expressão “est modus in rebus”! Confesso-me incapaz, definitivamente incapaz, para me impor a mínima auto-disciplina. Mas é a minha natureza!
Escrevo de carreirinha, como alguma vez já terei dito. Quando leio algum romancista dizer que começa um romance sem saber como o vai acabar, como a história vai evoluir, que personagens aparecerão ou não, fico de pé atrás: “olha para o caramelo a tentar enrolar-me!” Mas depois olho-me miseravelmente num metafórico espelho e a imagem que ele me devolve é lancinante de acusações. Fico sempre deprimido, porque sei que eu, sem a dignidade dum romance, faço o mesmo, em pior claro, em mais comezinho, mas o mesmo, como aquelas antigas criadas de servir que interrogadas sobre as suas capacidades, respondiam invariavelmente que sabiam fazer o trivial. Como eu, exactamente!
Escrevo de carreirinha, ou seja sei onde começo e tenho um vago vislumbre do destino final. O problema é o percurso: aí sou pior do que o rio Guadiana que, dizem-me, se perde em desvios, em braços que acabam evaporados ou desaparecidos nos areias e terras safaras por onde passa. O veio principal avança entre voltas e rodeios e chega cansado às pequenas terras do Baixo Alentejo, toma algum alento e lá vai direito, uma vez sem exemplo, ao mar. Ou então é o mar que ao vê-lo tão aturdido o vem buscar ali por alturas de Mértola (esta foi-me sugerida pela Zé Albarran que por lá vive).
Portanto, e deixando-me de curvas e contracurvas, eu sento-me aqui mesmo, rapo do computador e começo com um título e uma branda e vaga ideia. Depois logo se vê onde é que isto pára. Pelo caminho sou assaltado por uma que outra história e por vezes dou-lhe boleia nesse texto que vai correndo. Curiosamente vou pensando nos eventuais leitores, se é que posso usar o plural. Gosto de pensar que também eles se vão divertindo com esta passeata. Eu adoro histórias e por isso também gosto de as contar, sem grandes preocupações com a verdade, confesso mesmo que lhes ponho uma boa dose de imaginação para as tornar mais suportáveis e legíveis. Também sucede juntar numa mesma história varias pequenas histórias que só assim conseguem ver a luz falsa deste ecrã de cristais líquidos. Nem histórias são, a bem dizer: trata-se mais de apontamentos, traços perdidos que recupero e junto para dar mais espessura ao que vou narrando.
Estão a ver? Isto já tem um bom par de páginas que até a mim me surpreendem. Vamos tentar ficar por aqui cumprimentando mais uma vez os meus colegas e comentadores. E os leitores claro, pelo menos os que até aqui chegaram. E um leitor, cunhado do nefando Fernando Maia Pinto que nos descobriu juntos nma fotografia de uma sessão de bridge.
Este engenheiro, chamemos-lhe Wenceslau (com w) para o distinguir do portuga matreiro que engana a mulher e jura fidelidades caninas na roda familiar (e eu conheço alguns, olá se conheço) foi meu vizinho nos idos de 74/75. Era o que se chama um “gajo porreiro”, bem disposto, bem falante, sem nada que o distinguisse, à vista desarmada mas com uma especial inclinação pelo sexo “fraco”. À data do nosso conhecimento, já tinha dois divórcios no activo e ia lançadíssimo para o terceiro como me contou. Tínhamos por hábito jogar aos dados, à melhor de cinco, o café da manhã. Essa cumplicidade jogadora foi pouco a pouco ganhando contornos de confidência e, ao saber-me advogado, contou-me, com alguma mágoa mas sem qualquer sinal de arrependimento, o divórcio por que estava a passar. Saibam os leitores que, resolvera ir até Madrid em viagem de núpcias com a terceira desinfeliz que lhe fora no paleio manso e enredador. E no primeiro dia, talvez o segundo, já não recordo, quando a recém-casada manifestou o desejo legítimo de ir de compras aos “Preciados” que por acaso até nem ficavam longe do hotel, logo o nosso W. (ponhamos que eu lhe chamava W para abreviar e dar um tom misterioso) lhe entregou um gordo maço de notas declarando que a manhã era a melhor ocasião para uma visita a preceito a tão grande loja e que ele ficaria a dormir mais um bocadinho. Aliás, terá prosseguido, isto de ir às compras é sempre melhor sem um homem à trela, sempre impaciente e pouco dado a ver por quatro vezes o mesmo vestido ou a mesma écharpe. A noiva, encantada, aceitou a sugestão e pela fresca manhã desandou para os Preciados. Com tanto azar que logo que se dispôs a fazer a primeira compra reparou que deixara noutra carteira as pesetas generosas que o marido fizera questão de lhe oferecer. Naturalmente que, estando o hotel tão à mão, foi pelo cacauzinho. Em má hora o fez porque, mal entrada no quarto descobriu W em decúbito dorsal, com uma empregada sobre ele numa atitude que não deixava dúvidas a ninguém. E começou aqui o casamento a desfazer-se. Uma injustiça, dizia W pois ela desandara com a massa e gastara-a com uma raiva e uma determinação pouco própria de uma jovem esposa enganada.
Confesso que me custou a solidarizar-me com W ainda que lhe admirasse a rapidez de sedução e a energia com que a concretizara na pessoa de uma modesta trabalhadora da industria hoteleira madrilena.
É a minha natureza, disse-me em tom pungente W. Eu, até sou “um gajo que acredita no matrimónio” (sic) mas depois dão-me os humores e pimba!. - Eu também gostava de ter dessas oportunidades para fazer circular os humores respondi-lhe, tanto mais que estou divorciado como Deus manda...
Isso arranja-se, respondeu-me o pecador arrependido (?). E a nossa amizade redobrou até um quarto e definitivo casamento que alguma vez contarei pois tem muito que ensinar.
Ora esta história de W aplica-se, como uma segunda pele, aos meus desvarios caligráficos, ortográficos ou lá o que quiserem chamar a estas páginas que vou atirando para a blogoesfera. Eu bem queria, cingir-me com um cinto de cilício, rapar a cabeleira, cobrir a careca de cinza, enfim fazer o percurso sacrificial por inteiro (ainda que sem cair nos excessos dos chiitas iraquianos que se azorragam com uns chicotes com puas de ferro, parecem parvos, depois admiram-se que os sunitas do lado os chacinem. Se calhar estes até pensam que lhes estão a fazer um favor, ao mandá-los mais cedo para a presença do íman escondido e das huris do profeta. É que um cavalheiro depois daquela passeata a chicotear os lombos daquela maneira nunca mais fica igual.)
Ora então pratiquemos sobre esta triste realidade da minha natureza perdulária e escrevente. Tudo está no método usado, e no meu caso mais valia falar na ausência de método, logo eu que gosto de usar a expressão “est modus in rebus”! Confesso-me incapaz, definitivamente incapaz, para me impor a mínima auto-disciplina. Mas é a minha natureza!
Escrevo de carreirinha, como alguma vez já terei dito. Quando leio algum romancista dizer que começa um romance sem saber como o vai acabar, como a história vai evoluir, que personagens aparecerão ou não, fico de pé atrás: “olha para o caramelo a tentar enrolar-me!” Mas depois olho-me miseravelmente num metafórico espelho e a imagem que ele me devolve é lancinante de acusações. Fico sempre deprimido, porque sei que eu, sem a dignidade dum romance, faço o mesmo, em pior claro, em mais comezinho, mas o mesmo, como aquelas antigas criadas de servir que interrogadas sobre as suas capacidades, respondiam invariavelmente que sabiam fazer o trivial. Como eu, exactamente!
Escrevo de carreirinha, ou seja sei onde começo e tenho um vago vislumbre do destino final. O problema é o percurso: aí sou pior do que o rio Guadiana que, dizem-me, se perde em desvios, em braços que acabam evaporados ou desaparecidos nos areias e terras safaras por onde passa. O veio principal avança entre voltas e rodeios e chega cansado às pequenas terras do Baixo Alentejo, toma algum alento e lá vai direito, uma vez sem exemplo, ao mar. Ou então é o mar que ao vê-lo tão aturdido o vem buscar ali por alturas de Mértola (esta foi-me sugerida pela Zé Albarran que por lá vive).
Portanto, e deixando-me de curvas e contracurvas, eu sento-me aqui mesmo, rapo do computador e começo com um título e uma branda e vaga ideia. Depois logo se vê onde é que isto pára. Pelo caminho sou assaltado por uma que outra história e por vezes dou-lhe boleia nesse texto que vai correndo. Curiosamente vou pensando nos eventuais leitores, se é que posso usar o plural. Gosto de pensar que também eles se vão divertindo com esta passeata. Eu adoro histórias e por isso também gosto de as contar, sem grandes preocupações com a verdade, confesso mesmo que lhes ponho uma boa dose de imaginação para as tornar mais suportáveis e legíveis. Também sucede juntar numa mesma história varias pequenas histórias que só assim conseguem ver a luz falsa deste ecrã de cristais líquidos. Nem histórias são, a bem dizer: trata-se mais de apontamentos, traços perdidos que recupero e junto para dar mais espessura ao que vou narrando.
Estão a ver? Isto já tem um bom par de páginas que até a mim me surpreendem. Vamos tentar ficar por aqui cumprimentando mais uma vez os meus colegas e comentadores. E os leitores claro, pelo menos os que até aqui chegaram. E um leitor, cunhado do nefando Fernando Maia Pinto que nos descobriu juntos nma fotografia de uma sessão de bridge.
Gravura de Ishikawa
4 comentários:
Obrigado pela gentileza, MCR. E, por mim, está muito bem assim. abraço cr
Muito agradeço a amabilidade e destaque, M.C.R.
Leio com grato prazer as suas crónicas desde que o « descobri ». Leio tudo seja qual for o tamanho ou estilo.Mas não minto se disser que as prefiro como a de hoje.
Um grande abraço.
O Incursões faz parte há já muito tempo da lista privada dos meus blogues de estimação. E eis que eu, que mal distingo a dama de ouros dos ouros da dama, me cai o queixo com a concentração do nefando na jogatina.
CUNHADO DO NEFANDO.
Com o humor e a ironia habituais. Gosto.
Obrigada, MCR.
Abraços,
Silvia
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