10 março 2007

O leitor (im)penitente 12


Um certo Jorge Silva Melo

Esta vem a propósito da notícia (auspiciosa, diga-se já) da saída de um livro de JSM. E porquê?, perguntará a leitora do costume. Ora, porque o Jorge, apesar de sete anos mais novo, é ainda desta minha geração com que vos tenho moído a paciência. Portanto aí vai: nos meados dos sessenta, os grupos universitários de teatro entenderam criar um organismo de coordenação e, por razões que não vêem ao caso, acabei por ser uma espécie de coordenador dessa proto-associação. Em nome do CITAC, evidentemente. As reuniões começaram pois, em Coimbra, e juntavam o TEUC e o CITAC (Coimbra) o TUP (Porto) o Grupo Cénico de Direito (Lisboa) e pouco depois um jovem grupo, acabado de formar na Faculdade de Letras de Lisboa. Lembro-me, como se fosse hoje, da chegada dessa delegação. Três criaturas, novíssimas, a saber Maria José Albarran (que viria a ser a minha ex-cunhada nº1), Luís Miguel Cintra, esse mesmo, o da Cornucópia e... Jorge Silva Melo. Nem mais! Uma embaixada de luxo mas nós ainda o não sabíamos! A primeira reunião em que participaram foi, se bem me lembro, extraordinária, porquanto nós, os veteranos tínhamos de analisar se aquilo, o novo grupo que queria fazer teatro, preenchia as condições. A dizer a verdade, não preenchia. Não tinham uma estrutura sólida, não tinham secções técnicas (montagem, luminotecnia etc...) sequer uma direcção tal e qual se concebia nesses tempos difíceis de luta contra o Ministério da Educação. Não tinham nada. Nada de nada! E tinham tudo (terei pensado eu, ou pelo menos agora gosto de acreditar nisso): uma vontade indómita, doentia, absoluta de fazer teatro!
Continuando a relembrar (e a pensar que foi isso o que acreditei nesse tempo, e talvez até seja verdade, sei lá...) foi isso, essa completa, ingénua e extraordinária inexperiência quanto aos mecanismos associativos, temperada por essa vontade evidente de teatro que nos convenceu (ou me convenceu, enquanto coordenador ad-hoc) a aceitá-los nessa “reunião inter teatros universitários" (nem do nome sequer me recordo). Mas, pondo de lado uma eventual reconstrução histórica desses “tempos tumultuosos”, a verdade é que, meses depois, o Teatro de Letras se estreava* em Coimbra, no Ciclo de Teatro do CITAC, com o “Anfitrião” de António José da Silva, o Judeu.
Não sei se a recepção do público coimbrão foi tão entusiástica quanto a minha própria a este magnifico espectáculo. Nem me interessa agora, porque o resultado está à vista: basta ver o percurso dos seus dois principais animadores, Cintra e Melo. Ambos têm mostrado algum do melhor teatro que por cá se vê, eu diria mesmo “o melhor”. Mas isto é uma mera opinião de espectador pouco assíduo ainda que interessado.
Este texto é apenas sobre o Jorge, com que nunca mais me cruzei, muito embora tenhamos passado ambos pelo MES e por mais um par de carnavais. Vi algumas das peças por ele encenadas, várias vezes me apeteceu ir aos bastidores falar-lhe mas, por boas ou más, por más de certeza, razões nunca fui. Depois tenho-o lido por aqui e por ali e não perdoo ao Publico ter fechado o suplemento mil folhas onde ultimamente o seguia sempre com a sensação de que estávamos de acordo em setenta ou oitenta por cento das vezes. Quem me conhece sabe que isto é quase inacreditável, sendo eu um chato abstruso, sempre contra a corrente.
Agora numa entrevista no Expresso, fica-se a saber que vai publicar um livro (Século passado, Cotovia) e promete outro (A mesa está posta). Que venham, que venham depressa, um ou mesmo os dois que este que estas escreve já está de guardanapo ao pescoço!
Jorge Silva Melo, além de inteligente e culto, é um gajo que escreve bem. Muito bem, mesmo. Vai ser um prazer lê-lo. Não percam esta oportunidade. E se porventura o virem, cirandar por alguma dessas livrarias que ainda resistem aí por Lisboa, dêem-lhe em meu nome um abraço. Um abraço que, pelas minhas contas tem quarenta anos de atraso.

*num programa da peça “anfitrião” lê-se que o grupo de teatro da faculdade de letras terá sido fundado alguns anos antes.

A gravura junta é uma máscara Kananga (território Dogon, Mali)

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