Variações para seringa e bicicleta
Eu não consigo perceber o afã que entidades públicas e privadas põem em chatear o indígena a propósito de pretensas acções benfazejas. Então o amor pelo nosso físico e pelo ambiente chega a extremos que enlevam o mais assanhado libertino.
Desta feita foi o IDT que, para levar a cabo mais uma definitiva acção contra a droga, entendeu fazer um passeio de bicicleta entre as duas margens do Douro. Entenda-se entre um qualquer sítio de Gaia com obrigatória passagem pela ponte da Arrábida e o Castelo do Queijo. Para as leitoras que não conheçam o Porto e as suas bizarrias sempre se dirá que a cidade está atravessada por uma Via de Cintura Interna estranguladora, que separa o litoral do centro antigo e do interior, onde desaguam várias auto-estradas (aliás todas) e que une as pontes da Arrábida e do Freixo (as duas principais entradas sul do Porto, aliás as únicas). Em seguida, convém dizer que entre o centro e o litoral portuense escasseiam as comunicações: há a marginal do Douro, a Rª do Campo Alegre e a Avenida da Boavista. As duas últimas passam por cima da VCI.
Portanto, se quisermos tornar difícil senão impossível as comunicações entre o Oeste e Leste da cidade bem como entre boa parte do Sul e do Norte, basta fechar a torneira da VCI e a Avenida da Boavista.
Ora o que fizeram o IDT, a prestimosa Câmara Municipal (que se está nas tintas para os seus munícipes) e o selecto grupo de patrocinadores da piedosa romaria ciclista que veio salvar do inferno da droga milhares de criaturas fracas?
Fecharam a Ponte da Arrábida entre as 20.30 de sábado e as 14.00 de domingo. E não contentes com esta façanha terão cortado o sentido sul norte da VCI entre a Arrábida e o nó de ligação à rotunda da Boavista, bem como os acessos deste nó à mesma rotunda. Para culminar esta extraordinária acção de beneficência cortaram a circulação leste oeste na Avenida da Boavista. Com este plano brilhante conseguiram tornar impossível as saídas para sul e leste dos bairros de Ramalde e Aldoar, as comunicações de Matosinhos e dar cabo do trânsito descendente da Avenida da Boavista durante grande parte da manhã de domingo. Ou seja conseguiram tornar ainda mais difícil o acesso às praias e esplanadas a sul do Castelo do Queijo. Isto durante horas. Porque os seis mil ciclistas inscritos que demoraram mais de duas largas horas a fazer o trajecto não podiam parar uma ou duas vezes nos cruzamentos mais importantes (já se não pediam todos...) da Avenida da Boavista! O corte esteve a cargo da polícia (PSP ou Municipal, não interessa) que, perante as perguntas de centenas de motoristas engarrafados na zona mais a norte da cidade que só queriam saber como é que conseguiam chegar ao outro la.do não sabiam que responder Eu mesmo passei por essa provação e o resultado apenas veio confirmar o meu conhecido horror pelos briosos agentes da ordem. À uma mandavam as pessoas tentar uma passagem que estava sempre impedida pelos colegas destes benévolos informantes. Depois não eram capazes de informar quando é que acabaria o desfile lento e irritante de milhares de criaturas que só participavam para depois ficarem com a bicicleta que, obviamente, arrumarão num esconso da casa que a cidade é demasiado perigosa para quem se atreve a sair de casa em duas rodas. Ou seja os motoristas ficavam engarrafados em longas filas junto dos poucos acessos à Avenida e já sem hipóteses de dar meia volta e regressar à calma do lar. Pessoalmente quando já desesperava fui salvo por uma condutor do carro ao lado que me perguntou como é que ia para a ponte da Arrábida. Subitamente lembrei-me de um truque para apanhar a VCI em sentido contrário ao dos ciclistas que penosamente cumpriam a sua pedalante funçanata e, por aí atingir a Foz, por uma saída mais abaixo. O que consegui, sem todavia ver muita gente a imitar-me, sinal de que os senhores agentes não sabiam do truque ou sabendo guardavam o segredo cuidadosamente para os auto-transportados saberem e sofrerem o que custa ser rico.
Voltando ao início. Pelas minhas contas a passeata ciclista terá começado por volta das 9.30, 10.00 horas da manhã. A que título (e com que custos?) se fecha a ponte com uma antecedência de 9 ou 10 horas? Para quê? Quem foi a inteligência rutilante que teve a ideia? A Câmara? O IDT? A direcção das estradas? O Zé da Esquina? O Camelo do costume ou, dado estarmos no Porto, um simples dromerdário (eu escrevi dromerdário!)?
Alguém acha que dando umas bicicletas a uns pedalantes manhosos e ávidos de tudo o que for à borla, se combate a injecçãozinha na veia, o tráfico gordo que se vê à vista desarmada na Sé ou no Aleixo, o desastre do cortejo de drogados que se acumula a certas horas perto do CAT da Boavista? Então anda por aí tudo a regougar que o pais está a meia bancarrota e o mesmo país dá-se ao luxo de fechar uma das suas principais artérias durante horas mesmo que isso ocorra entre sábado e domingo?
Claro que alguém me dirá que estes cortes no transito citadino e nomeadamente na Boavista já são costumeiros. É verdade. Não há corrida de pançudos resfolegantes que não comece ou acabe no Castelo do Queijo ou nas avenidas que aí confluem (o eixo avenidas do Brasil e de Montevideu e a triste Boavista). A militaragem quando quer arejar os galões e mostrar os brinquedos bélicos que custam os olhos da cara e que não dissuadiriam sequer a Bechuanalandia de nos invadir se estivesse aqui mais à mão, não hesita: Foz com a tropa fandanga! Um clube da quadragésima divisão quer mostrar que, mesmo sem Pinto da Costa, pode cantar de galo? Não pensa duas vezes: ocupa a avenida e adjacências seja com uma meia maratona que mais parece uma procissão dos aflitos de sezões, ou com outra manifestação exaltante do pobre poderio físico dos seus atletas. O senhor Rio faz da avenida e do Castelo do queijo a sua anual pista de dinky toys tamanho grande. E zás!, toca de fechar a avenida por vários dias entre treinos e circuito de indianápolis dos pobres!
Os habitantes da “invicta cidade” (boa piada, esta da invicta...) passam pior que os do deserto além Tejo. A esses ninguém os chateia com estas coisas, ninguém lhes chama tripeiros, nem lhes atiram com umas tripas do tempo das descobertas, que ainda por cima são falsas como Judas, ninguém diz que eles são a reserva moral da pátria (quando na verdade não passam de uma reserva de perdigotos...) ninguém lhes chama cidade do trabalho ou outras parvoíces do mesmo jaez. A tropa deixa-os em paz, os atletas de domingo não lhes percorrem os oásis e os aduares. Nem os ministro vão lá oferecer, generosos, uma esmola que não se dá ao pobre mais insolente que nos saia ao caminho. Nem sequer são obrigados a aturar o IDT, o senhor Rio e a luta contra o flagelo tudo junto num domingo de sol, depois de tantos horríveis, que este ano o Verão português, ou pelo menos o nortenho, foi passar as férias com os colegas romenos e os gregos, que coitados, alombam com dois verões e nós a meia ração de primavera fresquinha...
Estou já velho mas confesso: mais uma de cicloturismo anti drogas e começo na maconha. Antes tarde do que nunca. E os paraísos artificiais têm uma pobre qualidade: a gente não dá por ministros, presidentes de câmara, deputagem variada e outros malfeitores da pátria.
Ou então volto a fumar. Caro Carteiro tem aí um cigarrinho para mim?
A gravura é o mapa possível do Porto. A linha branca com bolinhas vermelhas em cima é a avenida da Boavista. A curva verde que atravessa o rio e segue para norte é a VCI. Estão a ver?
O título ocorreu-me porque, enquanto escrevia, a televisão (via Mezzo) dava a sublime Bartolli a cantar Salieri. Esse mesmo tão estupidamente maltratado a propósito de Mozart que até foi seu amigo.
Desta feita foi o IDT que, para levar a cabo mais uma definitiva acção contra a droga, entendeu fazer um passeio de bicicleta entre as duas margens do Douro. Entenda-se entre um qualquer sítio de Gaia com obrigatória passagem pela ponte da Arrábida e o Castelo do Queijo. Para as leitoras que não conheçam o Porto e as suas bizarrias sempre se dirá que a cidade está atravessada por uma Via de Cintura Interna estranguladora, que separa o litoral do centro antigo e do interior, onde desaguam várias auto-estradas (aliás todas) e que une as pontes da Arrábida e do Freixo (as duas principais entradas sul do Porto, aliás as únicas). Em seguida, convém dizer que entre o centro e o litoral portuense escasseiam as comunicações: há a marginal do Douro, a Rª do Campo Alegre e a Avenida da Boavista. As duas últimas passam por cima da VCI.
Portanto, se quisermos tornar difícil senão impossível as comunicações entre o Oeste e Leste da cidade bem como entre boa parte do Sul e do Norte, basta fechar a torneira da VCI e a Avenida da Boavista.
Ora o que fizeram o IDT, a prestimosa Câmara Municipal (que se está nas tintas para os seus munícipes) e o selecto grupo de patrocinadores da piedosa romaria ciclista que veio salvar do inferno da droga milhares de criaturas fracas?
Fecharam a Ponte da Arrábida entre as 20.30 de sábado e as 14.00 de domingo. E não contentes com esta façanha terão cortado o sentido sul norte da VCI entre a Arrábida e o nó de ligação à rotunda da Boavista, bem como os acessos deste nó à mesma rotunda. Para culminar esta extraordinária acção de beneficência cortaram a circulação leste oeste na Avenida da Boavista. Com este plano brilhante conseguiram tornar impossível as saídas para sul e leste dos bairros de Ramalde e Aldoar, as comunicações de Matosinhos e dar cabo do trânsito descendente da Avenida da Boavista durante grande parte da manhã de domingo. Ou seja conseguiram tornar ainda mais difícil o acesso às praias e esplanadas a sul do Castelo do Queijo. Isto durante horas. Porque os seis mil ciclistas inscritos que demoraram mais de duas largas horas a fazer o trajecto não podiam parar uma ou duas vezes nos cruzamentos mais importantes (já se não pediam todos...) da Avenida da Boavista! O corte esteve a cargo da polícia (PSP ou Municipal, não interessa) que, perante as perguntas de centenas de motoristas engarrafados na zona mais a norte da cidade que só queriam saber como é que conseguiam chegar ao outro la.do não sabiam que responder Eu mesmo passei por essa provação e o resultado apenas veio confirmar o meu conhecido horror pelos briosos agentes da ordem. À uma mandavam as pessoas tentar uma passagem que estava sempre impedida pelos colegas destes benévolos informantes. Depois não eram capazes de informar quando é que acabaria o desfile lento e irritante de milhares de criaturas que só participavam para depois ficarem com a bicicleta que, obviamente, arrumarão num esconso da casa que a cidade é demasiado perigosa para quem se atreve a sair de casa em duas rodas. Ou seja os motoristas ficavam engarrafados em longas filas junto dos poucos acessos à Avenida e já sem hipóteses de dar meia volta e regressar à calma do lar. Pessoalmente quando já desesperava fui salvo por uma condutor do carro ao lado que me perguntou como é que ia para a ponte da Arrábida. Subitamente lembrei-me de um truque para apanhar a VCI em sentido contrário ao dos ciclistas que penosamente cumpriam a sua pedalante funçanata e, por aí atingir a Foz, por uma saída mais abaixo. O que consegui, sem todavia ver muita gente a imitar-me, sinal de que os senhores agentes não sabiam do truque ou sabendo guardavam o segredo cuidadosamente para os auto-transportados saberem e sofrerem o que custa ser rico.
Voltando ao início. Pelas minhas contas a passeata ciclista terá começado por volta das 9.30, 10.00 horas da manhã. A que título (e com que custos?) se fecha a ponte com uma antecedência de 9 ou 10 horas? Para quê? Quem foi a inteligência rutilante que teve a ideia? A Câmara? O IDT? A direcção das estradas? O Zé da Esquina? O Camelo do costume ou, dado estarmos no Porto, um simples dromerdário (eu escrevi dromerdário!)?
Alguém acha que dando umas bicicletas a uns pedalantes manhosos e ávidos de tudo o que for à borla, se combate a injecçãozinha na veia, o tráfico gordo que se vê à vista desarmada na Sé ou no Aleixo, o desastre do cortejo de drogados que se acumula a certas horas perto do CAT da Boavista? Então anda por aí tudo a regougar que o pais está a meia bancarrota e o mesmo país dá-se ao luxo de fechar uma das suas principais artérias durante horas mesmo que isso ocorra entre sábado e domingo?
Claro que alguém me dirá que estes cortes no transito citadino e nomeadamente na Boavista já são costumeiros. É verdade. Não há corrida de pançudos resfolegantes que não comece ou acabe no Castelo do Queijo ou nas avenidas que aí confluem (o eixo avenidas do Brasil e de Montevideu e a triste Boavista). A militaragem quando quer arejar os galões e mostrar os brinquedos bélicos que custam os olhos da cara e que não dissuadiriam sequer a Bechuanalandia de nos invadir se estivesse aqui mais à mão, não hesita: Foz com a tropa fandanga! Um clube da quadragésima divisão quer mostrar que, mesmo sem Pinto da Costa, pode cantar de galo? Não pensa duas vezes: ocupa a avenida e adjacências seja com uma meia maratona que mais parece uma procissão dos aflitos de sezões, ou com outra manifestação exaltante do pobre poderio físico dos seus atletas. O senhor Rio faz da avenida e do Castelo do queijo a sua anual pista de dinky toys tamanho grande. E zás!, toca de fechar a avenida por vários dias entre treinos e circuito de indianápolis dos pobres!
Os habitantes da “invicta cidade” (boa piada, esta da invicta...) passam pior que os do deserto além Tejo. A esses ninguém os chateia com estas coisas, ninguém lhes chama tripeiros, nem lhes atiram com umas tripas do tempo das descobertas, que ainda por cima são falsas como Judas, ninguém diz que eles são a reserva moral da pátria (quando na verdade não passam de uma reserva de perdigotos...) ninguém lhes chama cidade do trabalho ou outras parvoíces do mesmo jaez. A tropa deixa-os em paz, os atletas de domingo não lhes percorrem os oásis e os aduares. Nem os ministro vão lá oferecer, generosos, uma esmola que não se dá ao pobre mais insolente que nos saia ao caminho. Nem sequer são obrigados a aturar o IDT, o senhor Rio e a luta contra o flagelo tudo junto num domingo de sol, depois de tantos horríveis, que este ano o Verão português, ou pelo menos o nortenho, foi passar as férias com os colegas romenos e os gregos, que coitados, alombam com dois verões e nós a meia ração de primavera fresquinha...
Estou já velho mas confesso: mais uma de cicloturismo anti drogas e começo na maconha. Antes tarde do que nunca. E os paraísos artificiais têm uma pobre qualidade: a gente não dá por ministros, presidentes de câmara, deputagem variada e outros malfeitores da pátria.
Ou então volto a fumar. Caro Carteiro tem aí um cigarrinho para mim?
A gravura é o mapa possível do Porto. A linha branca com bolinhas vermelhas em cima é a avenida da Boavista. A curva verde que atravessa o rio e segue para norte é a VCI. Estão a ver?
O título ocorreu-me porque, enquanto escrevia, a televisão (via Mezzo) dava a sublime Bartolli a cantar Salieri. Esse mesmo tão estupidamente maltratado a propósito de Mozart que até foi seu amigo.
4 comentários:
Arranja-se sempre um cigarrinho, caríssimo. Mas agora não posso, que estou a fazer ginástica e tenho ali uma colecção de cremes para pôr a seguir :-)
Esta iniciativa do IDT não podia ser mais oportuna, veio mesmo a calhar, para marcar o fim do Programa Porto Feliz.
MCR, em tratando-se de bicicletas, o nosso amigo carteiro não terá críticas a apontar. Nem por ter ficado sitiado em casa. Já agora, houve mesmo sol neste domingo? No Porto Oriental não se deu por ele.
Houve sol, claro, e bastante agradável.
ao ler o jornal de hoje, segunda, verifico que a partida dos "atletas" estava marcada para as 10 horas mas que, dada a quantidade de lutadores contra a droga, houve quem só partisse depois das dez e meia, digamos onze.
Onze como os quilómetros que era preciso fazer. Portanto não se percebe a razão do fecho da ponte à meia noite e sobretudo, já que o desfile era "em tom de passeio"(sic)porque é que não se previram duas ou três passagens a abrir e a fechar consoante o transito dos automobilistas presumivelmente drogados a gazolina, gazóleo e outras moléstias idênticas...
quanto aos efeitos do Porto Feliz apesar de deixar para um postal algumas considerações devo dizer que, vivendo como vivo, num bairro privilegiado (o foco) sempre tivemos e temos aqui dois ou três arrumadores. O que roubava mais (mas roubava mesmo...) desapareceu não graças ao Porto Feliz mas a uma overdose.É pelo menos o que consta no supermercado e no quiosque dos jornais. Os outros mantém-se firmes no seu posto de trabalho (pegam pelas 10 da manhã e normalmente saem a princípios da tarde. O horário não é excessivo mas pelos vistos o facto de "trabalharem" numa zona rica, permite-lhes cumprir apenas meio tempo. É um progresso que ainda por cima nada tem a ver com exigências sindicais. Um exemplo!
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