20 julho 2007

Diário Político 58


Lá vai Lisboa...


Há coisas em que nem com pinças se deve tocar: por exemplo as eleições para a Câmara de Lisboa. À cautela ponho “A Flauta Mágica” par ver se isto, com Mozart, passa melhor. Com Mozart a realidade é um pouco menos mesquinha, menos deprimente.
Portanto Lisboa. Uma bonita cidade que merecia outra sorte. Tenho muita pena mas é difícil para quem gosta de flanar por aquelas ruas carregadas de gente e de história saber que o destino de ambas (as gente e a cidade) estão nas mãos de um grupo de pessoas a que por más ou boas razões, os cidadãos viraram as costas.
Convenhamos que quando 62% dos cidadãos desertam as urnas, começa a ser caso para fazer como na travessia de uma linha férrea: parar, olhar e escutar. Foi isso que os senhores candidatos e, sobretudo, os partidos fizeram? O pudor impede-me de responder.
Os comentadores encartados também não ajudaram. Uns, bateram com a mãozinha no peito e lamentaram a abstenção. Outros, mais ousados, puseram em causa o resultado. Para estas almas saudosas dos velhos métodos salazaristas (que, diferentemente, apesar de tudo confundiram votos a favor e abstenções em 1933) o resultado é mais ou menos inválido: ganhou a abstenção troçava um cavernícola. Esquecem-se que não sendo o voto obrigatório qualquer percentagem de eleitores cumpridores elege uma vereação.
Finalmente outros houve que acharam dever gritar aos quatro ventos que o senhor António Costa tinha ganho. Grande descoberta! Claro que ganhou. Foi ele quem teve a maioria dos votos portanto ganhou. Com menos 17.000 votos do que o desastrado e desastroso Carrilho, felizmente desaparecido sei lá onde. Mas ganhou. Que lhe preste.
Conviria, eventualmente, saber porque é que tanta gente achou desnecessário ir votar. E deixaram de ir votar nas mais disputadas eleições dos últimos anos. Em eleições únicas sem o barulho das outras todas à volta. Com algumas candidaturas de peso, Costa por exemplo, mas também o tristonho Telmo Correia. E o inopinado regresso às lides de Carmona, com o picante de caçar no mesmo território de Negrão. E o inefável Zé, o caça-corruptos. E, já agora Roseta, perfumada pelo escândalo duma saída do PS, de um ps onde desde a eleição Alegre ela sufocava. Portanto, não foi por falta de visibilidade da campanha, por falta de publicidade, por falta de escândalo que as pessoas não apareceram.
A segunda suposição será que já quase ninguém, enfim dois terços dos votantes, acredita que a Câmara se renove. Os cidadãos perderam a esperança ou, pelo menos, a confiança. E isso poderá ainda não ser uma tragédia mas já é grave. Bastante. É que quando as pessoas perdem a confiança nas eleições, os autoritarismos avançam como faca em manteiga quente. Ora, para meu gosto, já temos autoritarismo que baste, seja ele marca Sócrates, marca Santos Silva ou Costa (os dois... ). Isto para não falar nas patéticas oposições onde também se ouvem apelos ao “Chefe” (que no caso do CDS já trouxeram de volta o senhor Portas, uma espécie de Mister Músculo da direita para tristeza do senhor Monteiro que, espera-se, passará à história ou ao seu caixote do lixo sem causar comoção a ninguém).
Portanto o senhor Costa ganhou. Sem apelo nem agravo. Com quem governará e como é um exercício ocioso à beira Verão. Como é ociosa a bravata comentarística que põe em causa o facto da vereação não competir unicamente ao partido que ganha. Há uma lei ou não? E uma constituição? E foi votada ou não? Logo na altura, houve vozes contra esta solução espúria. Ninguém se comoveu. Os partidos, CDS exceptuado, votaram a lei fundamental e para os seus tenores na altura tudo isto era bom, belo e eficaz. Agora parece que há quem se arrependa. Arrepende-se da burrice na altura ou, agora, por mero cálculo eleitoral, descobre esta imensa chatice de ter de haver vereações a várias cores? A questão que se põe é esta: o sistema tem funcionado ou não? As vereações monocolores serão melhores? Por mim sempre o achei, mas ninguém me perguntou e não tinha, aliás, que o perguntar. A questão era agilizar o funcionamento da Assembleia Municipal, dar-lhe reais poderes de fiscalização. Todavia o que se vai sabendo da corrupção municipal faz-me temer que a sua despistagem se torne mais difícil num regime monocolor. Mas mesmo assim, estaria disposto a arriscar embora ache que essa modificação deveria ir de par com outras entre elas acabar com o execrável sistema de eleição dos deputados por lista. Vivo numa zona onde os elejo ao quarteirão. Ou seja, não elejo ninguém, ninguém me presta contas. E pior: quando dou por mim, vejo que no parlamento não está a primeira dúzia de deputados que eventualmente conheceria. Estão uns tristes cinzentos, uma espécie de subalternos que nas eleições acampavam nos últimos lugares com a vocação única de fazer número. Mas são eles que acabam por ficar. E por legislar. Enfim, por levantar e baixar o cu quando quem de direito os manda levantar e baixar o dito cujo.
Isto, dirão, vem fora do contexto, falava-se de Lisboa e da Câmara. Ou das Câmaras. E convenhamos que excepção feita a meia dúzia delas, o resto, é pascigo para pessoal político de segunda ordem. Ou de terceira. Se não houver mais. E mesmo em Lisboa, convenhamos que boa parte dos candidatos a simples vereadores não merecem senão um silêncio pundonoroso e piedoso. Ora aqui está uma boa maneira de acabar.

A gravura: faço parte de um club de tótós que viveu intensamente o Maio de 68. E Coimbra 69. Mesmo sabendo que nem todos os dessa fornada ainda estejam em estado de visibilidade. que se lixem e que lhes aproveite. O cartaz diz que a luta continua. Entenda-se: a luta pela dignidade, pela liberdade, pela democracia.

gostaria de acrescentar que este texto é apenas mais um num blog divertido e plural como este e que não contradiz o essencial escrito mais abaixo por outros camaradas remadores desta barca e com quem estou de acordo no fundamental.


do vosso enviado especial na Utopia

d'Oliveira

1 comentário:

JSC disse...

Já aqui expus o que penso acerca desta matéria. A. Costa é Presidente da CM Lisboa, ainda que eleito por escassas dezenas de milhares de votos. Lisboa é, mero acaso, apenas a capital. Nestas circunstâncias o voto apenas serve para dar o poder a quem o procura, não serve para mudar o quer que seja na vida das cidades e das suas gentes, com excepção para os que gravitam em torno do novo detentor do poder.

O que todo o processo que conduziu à antecipação das eleições, a própria campanha eleitoral e o resultado final põe evidência é que o sistema político bateu no fundo. Bem era necessário um Maio 68 remoçado, que abanasse as estruturas do poder e as estruturas mentais da classe política.

Creio que não há gente com alma para tanto!