28 agosto 2007

o leitor (im)penitente 17



Um quarteirão de livros depois...

Pode-se ser, ao mesmo tempo, escritor, jornalista, animador de tertúlias, homem na moda, símbolo do que á falta de melhor (e correndo todos os riscos) da desaparecida gauche divine e da movida de Madrid?
Já sei que alguém daí me dirá que ser escritor e jornalista é normal, o que de todo em todo é falso, como bem avisava o Fernando Assis Pacheco, e que o resto vem em consequência.
Nada disso, leitoras gentis (e uma referência à Maria Manuel que é uma apreciadora da literatura espanhola o que punha o Eduardo espantado e desconfortável porque, vá-se lá saber porquê, não conseguia ler o castelhano, pelo menos não conseguia ler romances. Ainda nas férias de 2006 nos seguiu resignado, mas murcho como uma alforreca naufragada, à Michelena em Pontevedra onde nós estoirámos uma valente soma nas novidades). De facto raros são os escritores que reúnem condições para manter uma coluna diária num jornal e, ao mesmo tempo, publicar com regularidade os seus outros livros.
Falo, claro, de Francisco Umbral. Um deslumbramento que terá começado nos anos oitenta do século passado (ah como gosto desta expressão: o século passado...). Mais precisamente, vejo agora, em 87. Há vinte anos portanto. Neste espaço de tempo comprei um quarteirão de Umbrais e mais um, repetido, prova provada da ganância que me animava. Comprei e, já agora, li. E acabo de descobrir que afinal só posso contar vinte e quatro livros. Descobri outro repetido. Azares de quem começa a envelhecer, é distraído e compra longe de casa.
Francisco Umbral, dizia. Um desses escritores que vem de um qualquer recanto e se maravilham com a grande cidade. Com uma particularidade. Umbral era madrileno, “gato”, como lá diz, mas passou a infância e a juventude em Valladolid só regressando à cidade natal na década de 60. E por isso, ao ler alguns dos seus textos mais memorialistas parece um intelectual subjugado pela visão da grande cidade. E pelos cafés, locais de encontro de tertúlias numerosas. Umbral apareceu no Café Gijon e aí se amesendou. Eu próprio fui um par de vezes a esse sítio emblemático com o único intuito de o ver. Mas ou fui a má hora ou acertei sempre nos dias em que ele faltou. Recordo com alguma emoção que foi lá mesmo que comecei a ler “La noche en que llegué al café Gijon”. Provavelmente esperava encontrar o mesmo ambiente descrito no livro. Não encontrei, claro. Os anos finais da década de oitenta eram felizmente diferentes, mesmo que se tenham perdido as gloriosas discussões do princípio da década de 60.
Umbral é, a par com o seu mestre reconhecido, Miguel Delibes, um prosador poderoso, original, poético e, em contadas ocasiões, cruel, violento e virulento. Provavelmente porque, qualquer leitor o nota, se põe em cena em cada livro, nu e indefeso perante o leitor.
Além de romancista e ensaísta (e aqui valeria a pena referir alguns textos certeiros sobre Lorca ou Valle Inclán) foi um jornalista esforçado cujas crónicas segui primeiro no El Pais e depois no El Mundo: tenho para aí umas 300 ou 400 crónicas que paciente e diariamente tirava da internet. Esta por exemplo, referente a 30-12-2000 sobre a intelctualidade:
...nuestras dinastias han sabido que no se pude vivir sin intelectuales, aunque sean bajitos y ahi están Savater, Jimenez Losantos, Ferrero imponiendo la dulce tirania de la estatura. De entre ellos solo Savater se juega la vida. Pensa más un morto que un vivo, cuando muere cabalmente.
Depois acusa grande parte dos intelectuais por não actuarem, de já não irem às manifestações anti-otan mas apenas “a la venial vanguardia del Teatro de la Abadis, en Fernàndez de los Rios, mala calle donde siempre te engaña una puta. En dias sin función, por supuesto.
Morre agora, com uns breves setenta e poucos anos e mais de cem livros publicados. Ou seja ainda me faltam cerca de setenta!.. Menudo lio, este!
Umbral teve todos os prémios possíveis em Espanha, desde o Nadal ao Cervantes, do Nacional de literatura ao Príncipe de Astúrias. Faltou-lhe entrar na Academia, coisa que muito o mortificou e que de facto é de uma injustiça gritante sobretudo quando se sabe que foi preterido por um escritor que não o iguala em qualidade.
Não tenho a certeza mas julgo que em Portugal se terão traduzido um ou dois livros dele. Desconheço que acolhimento tiveram mas não me custa a crer que tenham passado despercebidos. É a sina dos espanhóis entre nós. E somos nós quem perde.
A morte deste cronista implacável dos últimos cinquenta anos deixa, como é costume dizer, um grande vazio. Porque ele, escrevia com sangue, no fio dos dias, arriscando-se a todo o momento, na sua crónica diária. Ou como ele disse uma vez numa entrevista à televisão: não temos alma mas, de qualquer modo, devemos tentar salvá-la. Que programa imenso!

2 comentários:

josé disse...

A quem não lia EL Pais ( no tempo em que podia ser lido) e El Mundo ( no tempo actual), o escrítico passava despercebido.
Assim, quem perdeu fomos nós que o não lemos.
Por cá, caçávamos e caçamos sempre com gato...constipado ou não e neste registo, esta crónica é também implacável. Objectivamente.

Outro assunto:

Ontem, revi O Carteiro toca sempre duas vezes, versão dos anos setenta.
No fim aparece o nome do tradutor...
Sabe dizer-me se é alguém que conheço, caro M.C.R.?

M.C.R. disse...

Claro que V. não podia deixar de ler EL Pais e El Mundo. olha logo quem...

suponho que a sua pergunta traga água no bico. Não, não sou um Correia Ribeiro que traduz filmes.
Não conheço a pessoa se bem que a ser da minha família só pode ser um bisneto ou trineto do meu tio avô José Correia Ribeiro. De facto este tio, muito mais velho que o meu avô teve um neto (filho de um filho morto muito cedo e pai mais cedo ainda)que se chamava José e que era mais novo do que o meu pai. Desse José havia um filho que não conheço e que deve ser mais velho do que eu cerca de cinco a dez anos. Parece que também terá tido um filho. Portanto um dos dois é (ou pode ser) esse Correia Ribeiro que sempre me intrigou.