A vírgula
Não tenho à mão o texto do Código, sequer o do artigo, muito menos o do número, parágrafo seja lá o que for. Sei sim, que um determinado artigo de um determinado código foi publicamente discutido.
Que nessa discussão, pública, não havia vírgula nem excepção a seguir à vírgula.
Que na comissão parlamentar de direitos liberdades e garantias o artigo apareceu já com a competente vírgula e o não menos competente acrescento.
Que verbalmente alguém, por acaso do PS, propôs retirar vírgula e acrescento.
Que entretanto a proposta de retirada tarde aparecida foi por sua vez retirada.
Que ao fim e ao cabo, contra todos os representantes grupos parlamentares, excepto o do PS, a virgula marota e sua comitiva escandalosa ficaram no lugarzinho em que sub-repticiamente tinham sido postas.
Que isso pode configurar (pode, disse eu) a suspeita de que se pretende proteger alguém, já ou no futuro.
Que processos há onde isso pode imediatamente ocorrer, e falo dos mais badalados justamente aqueles em que “bens eminentemente pessoais” podem deixar de ficar tão protegidos quanto deviam.
Que réus de múltiplos crimes idênticos e repetidos podem ver isso transformar-se num único crime se a vítima for a mesma. Por exemplo, um menor sistematicamente violado por um cavalheiro de bem. O criminoso neste caso poderá ser sancionado por um só crime mesmo que a tenha cometido cem.
Que isto tem consequências quanto à amplitude da pena.
Que.. que...o quê?
Para terminar recordo uma aula de religião e moral onde a vírgula entrava e de que maneira: Ao chegarem ao túmulo de Jesus, as mulheres santas encontraram um anjo e perguntaram-lhe por Jesus. E ele respondeu: Ressuscitou, não está aqui.
Houve todavia quem corrigisse o anjo e dissesse que a resposta deles seria: Ressuscitou? Não, está aqui.
No caso pio que ora cito de memória, as consequências são tão simples quanto isto: a primeira resposta aceita que o Filho do Homem tenha ressuscitado e esteja à direita do Pai e fundamenta o cristianismo. A segunda nega a ressurreição e atira com a mesma doutrina para o balde do lixo das crenças inúteis.
Peço a quem de direito deste blog o favor de colocarem em postal visível o artiguinho do código e a alteraçãozinha macaca que, como o Espírito Santo, desceu algures entre o fim da discussão pública e a discussão em sede de comissão. De direitos liberdades e garantias! Livra!
a gravura: fractal em forma de vírgula.
M.C.R.
***
a pedido e em forma de aditamento
art. 30º do Cód. Penal (sobre o concurso de crimes e crime continuado), nº 3, sem a vírgula, tal como consta de documento da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, da Assembleia da República, ali em discussão na especialidade (documento datado de 11 de Julho de 2007):
"O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais."
documento acessível em:
http://smmp.pt/doc/codigo_penal_projectotextofinal.pdf
com a vírgula, tal como aprovado, afinal, no mesmo dia 11 de Julho acima referido, pela mencionada Comissão (e em vigor desde 15 de Setembro 07):
"O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens emiminentemente pessoais, salvo tratando-se da mesma vítima."
Quanto ao diz que retira mas não retira, documentado na acta nº 73/X/2ª (final da pág. 8) da referida Comissão Parlamentar, eis o que concluo da sua leitura: o Projecto do Governo viria com a vírgula (será o Governo o progenitor do coração da dita, sendo o biológico o actual MAI Rui Pereira, ex Unidade de Missão, ex juiz do TC, ex membro do CSMP, ex putativo PGR, ex etc etc etc, ou vice-versa?), alguém do PS na Comissão propôs a sua retirada e veio depois a retirar a proposta (puxão de orelhas? fogo de vista?), sendo a versão com a vírgula aprovada (apenas) com o voto a favor do PS, já que todos os demais partidos votaram contra.
Leia-se, a propósito, o escrito hoje no Patologia Social
Kamikaze (a quem parece que este post do MCR merecia estar na categoria Farmácia de Seviço! Quanto ao seu fino humor, dir-se-ia abençoado pelo Espírito Santo :)
Sem comentários:
Enviar um comentário