A aventura do referendo naufragado
Às vezes uma pessoa põe-se a pensar. Mau sinal. Pior se é sobre política. A política dizia-se num outro tempo não dá de comer a ninguém. Agora é o que se vê. Pessoalmente acho bem que os políticos sejam retribuídos. Bem retribuídos. Assim escusam de arredondar os seus fins de mês com outros recursos.
Em Portugal é o que se sabe. Uma miséria. Assim não se recrutam os melhores. E quando por vezes fazem uma perninha na política é por pouco tempo. Só para se divertirem e acessoriamente criarem nome e despertarem a gula das multinacionais que os hão-de convidar. Não é preciso citar nomes.
Depois há os outros. Os do lote. Nem muito bons nem muito maus. A política é um meio de saírem da mediocridade onde quase de certeza ficariam, dos empregos escassamente pagos, da vida cinzenta.
Uma motivação assim é quanto basta para se perceber que esta gente estará na política sem convicção, sem convicções. E isso, essa falta de chama e de entrega, traz consigo outro problema. A politica passa a ser tão só um meio de sair do anonimato, um relâmpago de lantejoulas que embriaga e que se torna num vício. E que, como qualquer vício que se preze, faz tábua rasa das normais convenções que nos enformam a vida e as relações com os outros. O que hoje é verdade é amanhã mentira, depende tão só do nosso interesse, a la rigueur do interesse do grupo, maxime do partido.
O discurso político passa a ter um único fundamento: a obtenção do poder, o exercício do poder. Do poder pelo poder. Só assim se justifica o facto de com toda a naturalidade se fazerem as mais graves promessas, de se formularem os mais categóricos votos, que na semana, mês ou ano seguintes, são desprezados. O povo que nem sempre se engana, diz que os políticos prometem tudo para não cumprirem nada. Ou pouco. Muito pouco.
Vem tudo isto agora para comentar uma solene promessa feita pelos dois partidos de governo, os nossos pouco interessantes Dupont e Dupond. Ambos num frenesi que ninguém lhes pedia juraram que a questão de um tratado europeu passaria por um referendo. Isto que já era uma burrice grotesca foi gritado aos quatro ventos enquanto não assentou o pó eleitoral. Logo que se viu no poleiro, o PS deitou contas à vida e percebeu a evidencia da sua diarreia verbal. Mesmo que fosse praticamente certo uma vitória do sim à Europa, o PS entendeu que pôr a populaça a referendar era perigoso. Porque poderia desmobilizar todos ou alguns dos que pensavam sensatamente que se há um parlamento é para isso que serve, para aprovar tratados mesmo este ou o anterior (e ambos têm a mesma matriz, nem vale a pena gastar cera com tão ruim defunto, digo-o sem zanga porque eu sou, era e, provavelmente, serei sempre a favor de um tratado que una a Europa mesmo este ou o anterior. Relativista e céptico penso que um tratado merdoso é melhor que nenhum tratado.) Ou porque, no fundo, bem lá no fundo, os aterrasse a hipótese de uma derrota, de uma reviravolta, como na França, ou ainda porque não queriam discutir na praça pública as debilidades de um tratado que francamente sempre poderia ter sido mais bem parido. Enfim, o PS entendeu dar um golpe de rins, mandar às malvas as promessas e fingir que a situação era outra. Já o falecido camarada Ulianov, Lenin, no século falava da exigência contínua de uma “análise concreta da situação concreta”. Mesmo sendo politicamente analfabeto, ou quase, o PS caseiro, aprendeu esta, se bem que seja duvidoso que aprendesse todas as suas implicações. O resto da esquerda, ou o que por aí corre como esquerda, era, claro, anti-Europa. Não me perguntem porquê porque por mais que uma pessoa queira ele há mistérios insondáveis. Que esta Europa é capitalista!, dizem uns. E que queriam que ela fosse? Sobretudo agora que o grande irmão oriental se estampou de ventas no chão com o mesmo estrondo do muro de Berlim. E com a mesma ânsia pelas delicias da Cápua capitalista. Só a nossa rapaziada é que acha que o cinzentismo soviético era mais agradável do que o centro comercial da Sonae aqui tão perto. Quando oiço o dr Louça lembro-me sempre de um filme piroso e pateta sobre o “konsomol” russo. Quanto aos camaradas do senhor Jerónimo de Sousa, a coisa tem outra raiz: Ainda ninguém lhes disse que a URSS desapareceu.
E o segundo partido, o dupond do dupont socialista? Pois também ele estava nessa onda. Um referendozinho é coisa que lhes afaga o ego populista e Deus sabe quanto populismo lhes corre nas veias. Esses, mesmo depois das eleições, mantiveram a ideia do referendo, uma promessa é para cumprir, tanto mais que isso os distinguia do irmão gémeo que governava. Ai eles estão com medo do povo? Nós não, terá pensado o transitório dr Marques Mendes.
Todavia Mendes já é só uma vaga lembrança perdida nos esconsos de um passado recente. Agora o dr Meneses, esquecido da posição do seu partido, veio dizer, sem se rir - forte prodígio! – que a situação actual não era a situação de há dois anos – fortíssima afirmação! – e que o tratado não era o tratado de há dois anos. Com estas duas descobertas faraónicas (copiadas do argumentário tristonho dos socialistas), Sª Exª entendeu que a ideia do referendo estava caduca e boa para deitar fora. O povo soberano, de que o dr Meneses julga ser um ícone ou uma metáfora vaporosa, já não era para aqui chamado. O súbito amor pelas virtudes parlamentares seria tocante se não viesse de quem vem, mas que querem? Durante os tempos mais próximos, um ou dois anos consoante os resultados eleitorais, Meneses será o rosto e a voz do PSD. Em boa verdade parece mais uma miragem, um fogo fátuo mas isso que até lhe dá uma certa graça pesada, tem um prazo porque, mesmo neste campeonato distrital da política, ninguém gosta de perder, sobretudo porque isto não é exactamente a feijões.
Portanto também o PSD evacuou sem sobressalto a tola teoria do referendo.
Para o quadro ficar completo, mesmo se mais feio, falta referir o CDS ou a coisa que passa por ser esse partido deliquescente que se vai evaporando a cada consulta eleitoral. A bem dizer, o CDS devia honradamente ser contra a Europa. Um partido de direita que se preze não quer nada com essa gente, com esse cosmopolitismo de pedreiros livres que só pensam em roubar a nossa alma imortal e a nossa glória passada. Alguém os ouviu? Disseram alguma coisa audível? Não? Então passem-lhes a certidão de óbito e não se fala mais disso. Amen.
Em Portugal é o que se sabe. Uma miséria. Assim não se recrutam os melhores. E quando por vezes fazem uma perninha na política é por pouco tempo. Só para se divertirem e acessoriamente criarem nome e despertarem a gula das multinacionais que os hão-de convidar. Não é preciso citar nomes.
Depois há os outros. Os do lote. Nem muito bons nem muito maus. A política é um meio de saírem da mediocridade onde quase de certeza ficariam, dos empregos escassamente pagos, da vida cinzenta.
Uma motivação assim é quanto basta para se perceber que esta gente estará na política sem convicção, sem convicções. E isso, essa falta de chama e de entrega, traz consigo outro problema. A politica passa a ser tão só um meio de sair do anonimato, um relâmpago de lantejoulas que embriaga e que se torna num vício. E que, como qualquer vício que se preze, faz tábua rasa das normais convenções que nos enformam a vida e as relações com os outros. O que hoje é verdade é amanhã mentira, depende tão só do nosso interesse, a la rigueur do interesse do grupo, maxime do partido.
O discurso político passa a ter um único fundamento: a obtenção do poder, o exercício do poder. Do poder pelo poder. Só assim se justifica o facto de com toda a naturalidade se fazerem as mais graves promessas, de se formularem os mais categóricos votos, que na semana, mês ou ano seguintes, são desprezados. O povo que nem sempre se engana, diz que os políticos prometem tudo para não cumprirem nada. Ou pouco. Muito pouco.
Vem tudo isto agora para comentar uma solene promessa feita pelos dois partidos de governo, os nossos pouco interessantes Dupont e Dupond. Ambos num frenesi que ninguém lhes pedia juraram que a questão de um tratado europeu passaria por um referendo. Isto que já era uma burrice grotesca foi gritado aos quatro ventos enquanto não assentou o pó eleitoral. Logo que se viu no poleiro, o PS deitou contas à vida e percebeu a evidencia da sua diarreia verbal. Mesmo que fosse praticamente certo uma vitória do sim à Europa, o PS entendeu que pôr a populaça a referendar era perigoso. Porque poderia desmobilizar todos ou alguns dos que pensavam sensatamente que se há um parlamento é para isso que serve, para aprovar tratados mesmo este ou o anterior (e ambos têm a mesma matriz, nem vale a pena gastar cera com tão ruim defunto, digo-o sem zanga porque eu sou, era e, provavelmente, serei sempre a favor de um tratado que una a Europa mesmo este ou o anterior. Relativista e céptico penso que um tratado merdoso é melhor que nenhum tratado.) Ou porque, no fundo, bem lá no fundo, os aterrasse a hipótese de uma derrota, de uma reviravolta, como na França, ou ainda porque não queriam discutir na praça pública as debilidades de um tratado que francamente sempre poderia ter sido mais bem parido. Enfim, o PS entendeu dar um golpe de rins, mandar às malvas as promessas e fingir que a situação era outra. Já o falecido camarada Ulianov, Lenin, no século falava da exigência contínua de uma “análise concreta da situação concreta”. Mesmo sendo politicamente analfabeto, ou quase, o PS caseiro, aprendeu esta, se bem que seja duvidoso que aprendesse todas as suas implicações. O resto da esquerda, ou o que por aí corre como esquerda, era, claro, anti-Europa. Não me perguntem porquê porque por mais que uma pessoa queira ele há mistérios insondáveis. Que esta Europa é capitalista!, dizem uns. E que queriam que ela fosse? Sobretudo agora que o grande irmão oriental se estampou de ventas no chão com o mesmo estrondo do muro de Berlim. E com a mesma ânsia pelas delicias da Cápua capitalista. Só a nossa rapaziada é que acha que o cinzentismo soviético era mais agradável do que o centro comercial da Sonae aqui tão perto. Quando oiço o dr Louça lembro-me sempre de um filme piroso e pateta sobre o “konsomol” russo. Quanto aos camaradas do senhor Jerónimo de Sousa, a coisa tem outra raiz: Ainda ninguém lhes disse que a URSS desapareceu.
E o segundo partido, o dupond do dupont socialista? Pois também ele estava nessa onda. Um referendozinho é coisa que lhes afaga o ego populista e Deus sabe quanto populismo lhes corre nas veias. Esses, mesmo depois das eleições, mantiveram a ideia do referendo, uma promessa é para cumprir, tanto mais que isso os distinguia do irmão gémeo que governava. Ai eles estão com medo do povo? Nós não, terá pensado o transitório dr Marques Mendes.
Todavia Mendes já é só uma vaga lembrança perdida nos esconsos de um passado recente. Agora o dr Meneses, esquecido da posição do seu partido, veio dizer, sem se rir - forte prodígio! – que a situação actual não era a situação de há dois anos – fortíssima afirmação! – e que o tratado não era o tratado de há dois anos. Com estas duas descobertas faraónicas (copiadas do argumentário tristonho dos socialistas), Sª Exª entendeu que a ideia do referendo estava caduca e boa para deitar fora. O povo soberano, de que o dr Meneses julga ser um ícone ou uma metáfora vaporosa, já não era para aqui chamado. O súbito amor pelas virtudes parlamentares seria tocante se não viesse de quem vem, mas que querem? Durante os tempos mais próximos, um ou dois anos consoante os resultados eleitorais, Meneses será o rosto e a voz do PSD. Em boa verdade parece mais uma miragem, um fogo fátuo mas isso que até lhe dá uma certa graça pesada, tem um prazo porque, mesmo neste campeonato distrital da política, ninguém gosta de perder, sobretudo porque isto não é exactamente a feijões.
Portanto também o PSD evacuou sem sobressalto a tola teoria do referendo.
Para o quadro ficar completo, mesmo se mais feio, falta referir o CDS ou a coisa que passa por ser esse partido deliquescente que se vai evaporando a cada consulta eleitoral. A bem dizer, o CDS devia honradamente ser contra a Europa. Um partido de direita que se preze não quer nada com essa gente, com esse cosmopolitismo de pedreiros livres que só pensam em roubar a nossa alma imortal e a nossa glória passada. Alguém os ouviu? Disseram alguma coisa audível? Não? Então passem-lhes a certidão de óbito e não se fala mais disso. Amen.
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