02 novembro 2007

Cinema militante

Ela era uma rapariga simples que a vida levara para o mundo dos bares de alterne. Ele, presidente de um grande clube e frequentador dessa noite alternativa, conheceu-a numa “deslocação em serviço”. Apaixonaram-se e viveram juntos alguns anos, arrastando para as páginas das revistas cor-de-rosa as grandezas e misérias da sua relação. Ela viu-se, de um momento para o outro, guindada a “primeira-dama” do clube e a figura omnipresente em tudo o que estivesse relacionado com ele. Depois vieram a separação, os arrufos, as agressões, os insultos, os processos e todo um estendal de roupa suja. Ela escreveu (!) um livro e ele deixou que escrevessem um livro por ele.
Ele procurou refazer a vida sentimental e, depois de umas variantes mal sucedidas, acaba de recasar com a mãe da sua filha. Ela procura sobreviver e agarra-se aos últimos fogachos da fama com que sonhou. Nem que para isso tenha de se aliar com quem insultara amiúde.
Entretanto, o livro que (alguém por ela) escreveu deu azo a uma adaptação cinematográfica que pretendem apresentar como ficção. A verdade é que uma inenarrável dupla de alienados de um clube rival fez o guião e dirigiu um filme com o objectivo militante de expor as fraquezas dele e de amplificar as alegadas denúncias que ela faz no livro. Tudo muito à pressa, porque tinha mesmo de ser e, assim, pode ser que ainda se consiga sensibilizar alguns operadores judiciários para a rubra causa. O filme estreou ontem e há-de ser um sucesso de bilheteira, mesmo que produtor e realizador se tenham zangado pelo meio, com actores de um e outro lado da barricada. Os voyeurs não perderão a oportunidade. Mas, se houver escassez de bilhetes, podem sempre ceder o meu porque não alimentarei este projecto militante. Por mim, prefiro militar logo mais à noite nas bancadas do Dragão, a torcer pelo FCP contra o Belenenses. Aí é que vale a pena.

3 comentários:

M.C.R. disse...

Tem razão em quase tudo. Excepto no que se refere ao filme militante em geral. Há bons e maus filmes militantes. Por exemplo "A linha geral" de Eisenstein é um grande filme como já o fora "O couraçado Potemkin".

Mas também é verdade que o filme é objectivamente feito sobre o caso Porto Pinto da Costa. há ocasiões em que um realizador se arrisca a perder a alma...É pena. Mesmo que depois não assine a montagem. Assinaria uma outra que decerto não seria excessivamente diferente. E aí está de novo o pecado.
Todavia não se combate um filme indo ver o dragão jogar. É que se filme há é porque certos pormenores da carreira do presidente e do clube permanecem numa teimosa obscuridade. E também seria bom fazer-se luz sobre isso. não a de um filme ficcionado mas a da justiça. que tarda.

jcp (José Carlos Pereira) disse...

Eu não sou contra o filme militante em geral. Vi e revi, só para me ficar por exemplos recentes, os excelentes e alinhados filmes de Nanni Moreti sobre a Itália de Berlusconi.
Quanto ao mais, estou de acordo. Eu não sou um adepto acrítico da presidência de Pinto da Costa. Veja lá que até já intervim numa Assembleia Geral do FCP e fiquei sem resposta para as minhas dúvidas. Vejo muitas coisas de que não gosto e se a justiça tiver de actuar que actue. Mas não por imposição ou por derterminismos bem pensantes.

JSC disse...

Ainda não vi o filme, mas pelo que já vi e li, qualificá-lo de “cinema militante” é uma absoluta heresia. Ainda ontem o produtor dizia tratar-se de cinema comercial puro e duro. O que não tem mal nenhum. Aliás, segundo o mesmo, o investimento no filme, incluindo promoção, deverá andar pelo 2 milhões de euros. Caro JCP, também não haverá por aí clubismo a mais?