Tão bonzinhos que nós somos...
Eu não queria falar disto. Não queria falar duma coisa que seguramente irá entristecer todos quantos participam nela de boa vontade ainda que sem pensar muito.
Refiro-me a uma recente vaga de voluntariado jovem em África. Três filhos de conhecidos meus embarcaram respectivamente para Moçambique, Quénia e Senegal para durante um mês (ou pouco mais) gastar as férias em trabalho junto de comunidades africanas. In loco!
Não ponho em causa a generosidade dos jovens, a sua vontade de ajudar, a despesa que eventualmente terão feito na preparação e no pagamento da viagem até esses destinos longínquos.
Questiono tão só a utilidade real de uma estadia curta numa terra desconhecida, entre gente desconhecida, fazendo provavelmente coisas para as quais não estão (ou estão pouco) preparados. Ou então levando a cabo tarefas simples e primárias que não justificam a deslocação dos jovens. Isto sem contar com um segundo problema: quem paga o alojamento deles nas terras onde chegam, tendo em linha de conta que, por muito espartano que seja é sempre minimamente adequado a um jovem europeu, o mesmo será dizer, custará sempre mais, muito mais, do que o alojamento de um eventual voluntário africano?
Mas, dando de barato este ponto, vamos ao que parece ser importante. Quem suscita estas viagens? É que não é por acaso que em menos de dois meses me relatam três casos, três partidas em diferentes tempos, mas três de todo o modo, no escasso círculo de relações que tenho.
Pessoalmente, eu diria que estas viagens terão alguma eventual utilidade para os voluntários: sempre vão conhecer uma realidade absurdamente diferente daquela em que vivem e por muito pouco que consigam aprender (um mês passa num instante) dado estarem mergulhados numa cultura, numa língua e numa sociedade profundamente diferentes, sempre ficarão com algo. Trata-se, como disse, de jovens sensíveis, generosos, com vontade de se abrir ao mundo e ao sofrimento dos outros, o mesmo é dizer que estarão alertados para a diferença, para o “outro”.
A vantagem para o assistido é que me parece menos visível. A África tem sido alvo, nestes últimos tempos de toda a espécie de ajudas normalmente desencontradas, descontínuas, desajustadas quando não francamente inúteis. A boa consciência dos ajudantes fica melhor, mais fresquinha e pronta a receber muitas palminhas e agradecimentos. O “indígena” ajudado normalmente fica na mesma.
Tudo isto me veio à cabecinha pensadora depois de ver na TV5 (a francesa) uma reportagem de uma manifestação de apoio aos “infelizes” e “injustiçados” elementos da Arca de Zoe presos à ordem de um facinoroso regime chadiano que é incapaz de perceber a grandeza de um rapto a grande escala de criancinhas que afinal não estavam em perigo de vida no Darfur, não eram órfãs nem sequer sudanesas. É que, se esta primeira leva de 105 pequenitos fosse bem sucedida, estavam previstas mais umas tantas até perfazer o milhar de criaturinhas ajudadas mesmo contra a sua vontade para já não falar na dos pais e restantes familiares ou do governo chadiano que nem sequer, et pour cause, permite a adopção de nacionais seus por estrangeiros benevolentes. Ele lá saberá porquê. A própria organização “arquista” evitava o termo adopção substituindo-o por asilo político (está-se mesmo a ver um garotinho africano de cinco anos a chegar ao solo gaulês e a dirigir-se a um agente da ordem solicitando um rebuçado e uma esquadra próxima onde pudesse manifestar o seu horror pela repressão e o seu entusiasmo pelo asilo político).
Também não deixa de ser curioso que mesmo em França, casais que se prontificavam a “hospedar” os “asilados políticos” menores tivessem de pagar à cabeça 5 ou 6000 euros per capita. O preto está caro!
Os manifestantes não só apoiavam os infelizes compatriotas presos no Chade mas ainda por cima exprobavam os casais hospedeiros que se queixavam dos bondosos traficantes de carne jovem. Para esta gente generosa tanto lhes dá trazer crianças sem autorização dos pais como com autorização. E, de facto, será que um preto chadiano sabe exactamente o que é uma autorização? E que mais lhes dá deixar vir um filho? Que façam outro, que eles para isso estão sempre prontos. Aquilo por lá, pelos trópicos, é um ver se te avias. Os pretos são danados para o truca-truca e para cantar. E para correr, claro. Correm como gamos, ganham tudo, nas olimpíadas. Basta ver os americanos. Esses também são muito bons no basquetebol, coisa que os africanos parece não saberem ainda fazer.
Os europeus ricos e brancos fazem dinheiro e os pretos africanos e pobres fazem filhos...
Dir-se-á que eu estou de má fé a misturar a arca francesa que importa crianças para a Europa e a eventual organização que exporta temporariamente jovens universitários para outros países africanos, felizmente em paz. Juro que não há nada mais longe do meu pensamento. A única coisa em comum nestas duas tão diferentes atitudes é, diria, o desconhecimento da África e a vontade de ajudar mesmo sem saber como.
Querem ajudar?
Recebam bem os imigrantes que arriscam tudo a bordo de uns caíques por esse mar tenebroso. Tratem bem os ciganos romenos, os operários magrebinos, os asiáticos que passam dez fronteiras a salto. Não permitam expulsões de emigrantes ilegais e dos seus filhos em idade escolar. Comprem produtos africanos. Protestem contra a especulação contra os preços cada vez mais baixos do algodão, da copra, do cacau, da bauxite, das bananas, do açúcar. Boicotem os produtos importados de países com regime ditatorial seja ele a Guiné ex-espanhola ou o Zimbabué. Não permitam vendas de armas aos países em guerra, sejam eles a Somália ou o Sudão. Denunciem as negociatas com o petróleo nigeriano ou angolano. Exijam a prisão dos cavalheiros que percorrem a África com um saco de notas para comprar dirigentes e políticos africanos (que ainda por cima estão caros!). Defendam os presos de consciência africanos, onde quer que eles penem. Leiam um livro, um só livro de um autor africano. Não queiram imitar o Tarzan, o negreiro bondoso travestido de ong, o investidor mais bondoso ainda que arrisca cem euros para só finalmente ganhar mil em metade do tempo que isso levaria na Europa. Não exportem leite em pó para África mas ofereçam uns miseráveis cêntimos para pagar o menino Peul que apascenta uma vaca no Sahel. Não gastem um balúrdio numa viagem: mandem esse dinheiro que dá de certeza para fazer um furo artesiano e trazer água onde não a há. E etc...etc...etc...
Dispam por um momento a farda de descobridor, de colonizador, de viajante na selva, de missionário, de salvador de almas. Basta que salvem os corpos. E façam filhos, vossos, cá. Também são precisos. E uma criança feita com amor e sacrifício aqui é exactamente igual à criança que um homem e uma mulher de cor parda estarão neste momento a fazer algures em África debaixo da mesma lua ou do mesmo sol que nos alumia.
Kanimambo (se esta palavra ronga é permitida a um neo-colonialista que tem saudades de Moçambique)
Refiro-me a uma recente vaga de voluntariado jovem em África. Três filhos de conhecidos meus embarcaram respectivamente para Moçambique, Quénia e Senegal para durante um mês (ou pouco mais) gastar as férias em trabalho junto de comunidades africanas. In loco!
Não ponho em causa a generosidade dos jovens, a sua vontade de ajudar, a despesa que eventualmente terão feito na preparação e no pagamento da viagem até esses destinos longínquos.
Questiono tão só a utilidade real de uma estadia curta numa terra desconhecida, entre gente desconhecida, fazendo provavelmente coisas para as quais não estão (ou estão pouco) preparados. Ou então levando a cabo tarefas simples e primárias que não justificam a deslocação dos jovens. Isto sem contar com um segundo problema: quem paga o alojamento deles nas terras onde chegam, tendo em linha de conta que, por muito espartano que seja é sempre minimamente adequado a um jovem europeu, o mesmo será dizer, custará sempre mais, muito mais, do que o alojamento de um eventual voluntário africano?
Mas, dando de barato este ponto, vamos ao que parece ser importante. Quem suscita estas viagens? É que não é por acaso que em menos de dois meses me relatam três casos, três partidas em diferentes tempos, mas três de todo o modo, no escasso círculo de relações que tenho.
Pessoalmente, eu diria que estas viagens terão alguma eventual utilidade para os voluntários: sempre vão conhecer uma realidade absurdamente diferente daquela em que vivem e por muito pouco que consigam aprender (um mês passa num instante) dado estarem mergulhados numa cultura, numa língua e numa sociedade profundamente diferentes, sempre ficarão com algo. Trata-se, como disse, de jovens sensíveis, generosos, com vontade de se abrir ao mundo e ao sofrimento dos outros, o mesmo é dizer que estarão alertados para a diferença, para o “outro”.
A vantagem para o assistido é que me parece menos visível. A África tem sido alvo, nestes últimos tempos de toda a espécie de ajudas normalmente desencontradas, descontínuas, desajustadas quando não francamente inúteis. A boa consciência dos ajudantes fica melhor, mais fresquinha e pronta a receber muitas palminhas e agradecimentos. O “indígena” ajudado normalmente fica na mesma.
Tudo isto me veio à cabecinha pensadora depois de ver na TV5 (a francesa) uma reportagem de uma manifestação de apoio aos “infelizes” e “injustiçados” elementos da Arca de Zoe presos à ordem de um facinoroso regime chadiano que é incapaz de perceber a grandeza de um rapto a grande escala de criancinhas que afinal não estavam em perigo de vida no Darfur, não eram órfãs nem sequer sudanesas. É que, se esta primeira leva de 105 pequenitos fosse bem sucedida, estavam previstas mais umas tantas até perfazer o milhar de criaturinhas ajudadas mesmo contra a sua vontade para já não falar na dos pais e restantes familiares ou do governo chadiano que nem sequer, et pour cause, permite a adopção de nacionais seus por estrangeiros benevolentes. Ele lá saberá porquê. A própria organização “arquista” evitava o termo adopção substituindo-o por asilo político (está-se mesmo a ver um garotinho africano de cinco anos a chegar ao solo gaulês e a dirigir-se a um agente da ordem solicitando um rebuçado e uma esquadra próxima onde pudesse manifestar o seu horror pela repressão e o seu entusiasmo pelo asilo político).
Também não deixa de ser curioso que mesmo em França, casais que se prontificavam a “hospedar” os “asilados políticos” menores tivessem de pagar à cabeça 5 ou 6000 euros per capita. O preto está caro!
Os manifestantes não só apoiavam os infelizes compatriotas presos no Chade mas ainda por cima exprobavam os casais hospedeiros que se queixavam dos bondosos traficantes de carne jovem. Para esta gente generosa tanto lhes dá trazer crianças sem autorização dos pais como com autorização. E, de facto, será que um preto chadiano sabe exactamente o que é uma autorização? E que mais lhes dá deixar vir um filho? Que façam outro, que eles para isso estão sempre prontos. Aquilo por lá, pelos trópicos, é um ver se te avias. Os pretos são danados para o truca-truca e para cantar. E para correr, claro. Correm como gamos, ganham tudo, nas olimpíadas. Basta ver os americanos. Esses também são muito bons no basquetebol, coisa que os africanos parece não saberem ainda fazer.
Os europeus ricos e brancos fazem dinheiro e os pretos africanos e pobres fazem filhos...
Dir-se-á que eu estou de má fé a misturar a arca francesa que importa crianças para a Europa e a eventual organização que exporta temporariamente jovens universitários para outros países africanos, felizmente em paz. Juro que não há nada mais longe do meu pensamento. A única coisa em comum nestas duas tão diferentes atitudes é, diria, o desconhecimento da África e a vontade de ajudar mesmo sem saber como.
Querem ajudar?
Recebam bem os imigrantes que arriscam tudo a bordo de uns caíques por esse mar tenebroso. Tratem bem os ciganos romenos, os operários magrebinos, os asiáticos que passam dez fronteiras a salto. Não permitam expulsões de emigrantes ilegais e dos seus filhos em idade escolar. Comprem produtos africanos. Protestem contra a especulação contra os preços cada vez mais baixos do algodão, da copra, do cacau, da bauxite, das bananas, do açúcar. Boicotem os produtos importados de países com regime ditatorial seja ele a Guiné ex-espanhola ou o Zimbabué. Não permitam vendas de armas aos países em guerra, sejam eles a Somália ou o Sudão. Denunciem as negociatas com o petróleo nigeriano ou angolano. Exijam a prisão dos cavalheiros que percorrem a África com um saco de notas para comprar dirigentes e políticos africanos (que ainda por cima estão caros!). Defendam os presos de consciência africanos, onde quer que eles penem. Leiam um livro, um só livro de um autor africano. Não queiram imitar o Tarzan, o negreiro bondoso travestido de ong, o investidor mais bondoso ainda que arrisca cem euros para só finalmente ganhar mil em metade do tempo que isso levaria na Europa. Não exportem leite em pó para África mas ofereçam uns miseráveis cêntimos para pagar o menino Peul que apascenta uma vaca no Sahel. Não gastem um balúrdio numa viagem: mandem esse dinheiro que dá de certeza para fazer um furo artesiano e trazer água onde não a há. E etc...etc...etc...
Dispam por um momento a farda de descobridor, de colonizador, de viajante na selva, de missionário, de salvador de almas. Basta que salvem os corpos. E façam filhos, vossos, cá. Também são precisos. E uma criança feita com amor e sacrifício aqui é exactamente igual à criança que um homem e uma mulher de cor parda estarão neste momento a fazer algures em África debaixo da mesma lua ou do mesmo sol que nos alumia.
Kanimambo (se esta palavra ronga é permitida a um neo-colonialista que tem saudades de Moçambique)
1 comentário:
MCR, partilho totalmente das suas inquietações. Também não deixei de me questionar quando soube de uma colega que se mandou para Moçambique e esteve numa missão mais de um ano. Ajudou certamente quem se cruzou com ela, sei que se deu por inteiro àquela causa, veio melhor consigo própria e até com vontade de lá regressar. Mas quanto valerá este somatório de contributos individuais? Resolver-se-á desse modo alguma questão estrutural? Temo bem que não.
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