Uma moedinha para o desempregado
O “Monde” (Le Monde se faz favor) traz hoje um artigo onde se referem os “escandalosos” ordenados, prémios, comissões, subsídios e pensões de reforma dos grandes gestores das grandes empresas. Ou seja, não é um jornal nosso, pejado “ de invejosos”, de gajos que não sabem nada de economia, de gestão de empresas, enfim de esquerdistas (irra, credo!, abrenúncio!) que se atira à dinheirama ganha por uns cavalheiros que, aliás, nem sempre levam a barca a bom porto. Do que li verifica-se que a revolta (generalizada, ou em vias disso) começou há já algum tempo no país campeão da iniciativa privada: os Estados Unidos. E a razão é fácil de descortinar. Na sequência de uma série de escândalos gigantescos que envolveram empresas igualmente gigantescas e que arruinaram multidões (gigantescas, obviamente) de pequenos accionistas que, ao contrário dos gestores das falidas empresas, se viram sem cheta de um momento para o outro. Porque é preciso dizer que a estes gestores das américas miraculosas pouco se lhes dá ganhar ou perder. Porque eles ganham sempre. Já se não fala do ordenado que obviamente é alto. Tão pouco dos prémios que, enfim, sempre se poderiam vagamente justificar pelo acumular de lucros inesperados, muito embora isso, os lucros, devessem ser o resultado natural da acção do gestor. Todavia, o que excita as multidões lesadas e o público em geral é o facto de, na hora da saída por bons ou, sobretudo, maus resultados, o gestor sai com o bolso recheado, muito bem recheado mesmo.
E isso, esse prémio à incompetência, à falcatrua, esse pecado tão comum em países protestantes onde o perder dinheiro num negócio, mais do que um azar, é quase um pecado, ou é mesmo mais do que um pecado, põe as multidões anglo-saxónicas num estado de fúria incontida.
Não admira que, neste jardim da Celeste à beira mar plantado, nesta nóvel e surpreendida “west coast” duma Europa que, paradoxalmente, não nos inveja, também se elevem uns murmúrios indignados quando se sabe da reforma de um desses prodígios do capitalismo que por cá vicejam. Imaginem um pequeno accionista desse banco a quem o dr Vara vai agora oferecer o seu talento prodigioso, que viu a sua carteira encolher como “peau de chagrin” graças à chicana guerrilheira de meia dúzia de barões da finança, saber que os ex-dirigentes expulsos manu militari da direcção da instituição levam para casa um mais que confortável pé de meia, aliás dois pés, vários pés enfim uma centopeia inteira de meias grandes e cheias de cacauzinho...
Felizmente o país é de brandos costumes, as zangas acabam as mais das vezes num “é só fumaça” como dizia um imortal primeiro ministro do século passado. Alguma ardilosa leitora dirá que de todo o modo o escândalo é gordo. Poderá ser, poderá ser mas mesmo isso passa mais depressa que brotoejas da primavera.
E depois... mesmo quando se sabe de fonte certa que a pensãozinha substanciosa existe, há sempre um desmentido. E o desmentido do desmentido. Em que ficamos? Recebeu o ex-boss dos bosses aquele dinheiro que a ávida comunicação social parangonou ou não? E se não, quanto recebeu? Menos cem euros? Menos mil, dez mil, cem mil?
A questão seria ociosa se o visado viesse ao jornal e dissesse: saí do banco X, não recebi nada, um ceitil que fosse a titulo de compensações, indemnizações ou pensão de reforma. Mas os desmentidos nunca são assim. Normalmente desmente-se não o essencial mas o acidental, ou menos ainda. F. vem declarar que não recebe trinta e cinco mil euros de reforma. E trinta mil? Ou trinta e dois mil e quinhentos?
Eu estaria pronto a perceber que um grande patrão de uma grande empresa saia com um boa batelada e o compromisso de não ir trabalhar para a concorrência. Parece-me porém que uma pensão vitalícia de sete mil e quinhentos contos dos antigos, por mês, pode fazer pensar qualquer incauto que não estamos em Portugal mas no Brunei, nos emiratos ou em qualquer outro sítio onde à falta de pardaus corra petróleo em jorros pelas terras de Basto. Pelas minhas contas, mesmo sabendo que o gestor em causa se reformou por doença (e aproveito para lhe estimar as melhoras se é que melhoras pode ter) o banco poderá ter que desembolsar durante umas dezenas de anos uns largos milhões de euros, mesmo que o pensionista não tenha direito a 13º mês e subsídio de Natal. O que, diga-se de passagem, seria uma grande sacanice que lhe fariam.
mcr, enviado especial ao Porto, diante duma televisão que felizmente lhe está a proporcionar uma genial interpretação do “Barbeiro de Sevilha” (canal ARTE) o que o salva do deprimente espectáculo do 1º canal onde um Director Geral de Saúde gagueja e brande partículas de ar permitidas para o futuro contra cinquenta mil estabelecimentos construídos num venerável passado. Não seria melhor demoli-los todos e criar cantinas radiosas de saúde de higiene com ar quimicamente puro, água destilada e comida liofilizada, vitaminada, bebível por palhinha esterilizada, num mundo sans peur ni reproche mas com muitos e bons banqueiros para emprestar os capitais necessários aos produtores de tabaco da zona da Beira Interior, para investir na Tabaqueira, em mais um par de Casinos sem os quais a civilização é uma palavra vã e as leis uma pálida cópia do código de Hamurabi?
O “Monde” (Le Monde se faz favor) traz hoje um artigo onde se referem os “escandalosos” ordenados, prémios, comissões, subsídios e pensões de reforma dos grandes gestores das grandes empresas. Ou seja, não é um jornal nosso, pejado “ de invejosos”, de gajos que não sabem nada de economia, de gestão de empresas, enfim de esquerdistas (irra, credo!, abrenúncio!) que se atira à dinheirama ganha por uns cavalheiros que, aliás, nem sempre levam a barca a bom porto. Do que li verifica-se que a revolta (generalizada, ou em vias disso) começou há já algum tempo no país campeão da iniciativa privada: os Estados Unidos. E a razão é fácil de descortinar. Na sequência de uma série de escândalos gigantescos que envolveram empresas igualmente gigantescas e que arruinaram multidões (gigantescas, obviamente) de pequenos accionistas que, ao contrário dos gestores das falidas empresas, se viram sem cheta de um momento para o outro. Porque é preciso dizer que a estes gestores das américas miraculosas pouco se lhes dá ganhar ou perder. Porque eles ganham sempre. Já se não fala do ordenado que obviamente é alto. Tão pouco dos prémios que, enfim, sempre se poderiam vagamente justificar pelo acumular de lucros inesperados, muito embora isso, os lucros, devessem ser o resultado natural da acção do gestor. Todavia, o que excita as multidões lesadas e o público em geral é o facto de, na hora da saída por bons ou, sobretudo, maus resultados, o gestor sai com o bolso recheado, muito bem recheado mesmo.
E isso, esse prémio à incompetência, à falcatrua, esse pecado tão comum em países protestantes onde o perder dinheiro num negócio, mais do que um azar, é quase um pecado, ou é mesmo mais do que um pecado, põe as multidões anglo-saxónicas num estado de fúria incontida.
Não admira que, neste jardim da Celeste à beira mar plantado, nesta nóvel e surpreendida “west coast” duma Europa que, paradoxalmente, não nos inveja, também se elevem uns murmúrios indignados quando se sabe da reforma de um desses prodígios do capitalismo que por cá vicejam. Imaginem um pequeno accionista desse banco a quem o dr Vara vai agora oferecer o seu talento prodigioso, que viu a sua carteira encolher como “peau de chagrin” graças à chicana guerrilheira de meia dúzia de barões da finança, saber que os ex-dirigentes expulsos manu militari da direcção da instituição levam para casa um mais que confortável pé de meia, aliás dois pés, vários pés enfim uma centopeia inteira de meias grandes e cheias de cacauzinho...
Felizmente o país é de brandos costumes, as zangas acabam as mais das vezes num “é só fumaça” como dizia um imortal primeiro ministro do século passado. Alguma ardilosa leitora dirá que de todo o modo o escândalo é gordo. Poderá ser, poderá ser mas mesmo isso passa mais depressa que brotoejas da primavera.
E depois... mesmo quando se sabe de fonte certa que a pensãozinha substanciosa existe, há sempre um desmentido. E o desmentido do desmentido. Em que ficamos? Recebeu o ex-boss dos bosses aquele dinheiro que a ávida comunicação social parangonou ou não? E se não, quanto recebeu? Menos cem euros? Menos mil, dez mil, cem mil?
A questão seria ociosa se o visado viesse ao jornal e dissesse: saí do banco X, não recebi nada, um ceitil que fosse a titulo de compensações, indemnizações ou pensão de reforma. Mas os desmentidos nunca são assim. Normalmente desmente-se não o essencial mas o acidental, ou menos ainda. F. vem declarar que não recebe trinta e cinco mil euros de reforma. E trinta mil? Ou trinta e dois mil e quinhentos?
Eu estaria pronto a perceber que um grande patrão de uma grande empresa saia com um boa batelada e o compromisso de não ir trabalhar para a concorrência. Parece-me porém que uma pensão vitalícia de sete mil e quinhentos contos dos antigos, por mês, pode fazer pensar qualquer incauto que não estamos em Portugal mas no Brunei, nos emiratos ou em qualquer outro sítio onde à falta de pardaus corra petróleo em jorros pelas terras de Basto. Pelas minhas contas, mesmo sabendo que o gestor em causa se reformou por doença (e aproveito para lhe estimar as melhoras se é que melhoras pode ter) o banco poderá ter que desembolsar durante umas dezenas de anos uns largos milhões de euros, mesmo que o pensionista não tenha direito a 13º mês e subsídio de Natal. O que, diga-se de passagem, seria uma grande sacanice que lhe fariam.
mcr, enviado especial ao Porto, diante duma televisão que felizmente lhe está a proporcionar uma genial interpretação do “Barbeiro de Sevilha” (canal ARTE) o que o salva do deprimente espectáculo do 1º canal onde um Director Geral de Saúde gagueja e brande partículas de ar permitidas para o futuro contra cinquenta mil estabelecimentos construídos num venerável passado. Não seria melhor demoli-los todos e criar cantinas radiosas de saúde de higiene com ar quimicamente puro, água destilada e comida liofilizada, vitaminada, bebível por palhinha esterilizada, num mundo sans peur ni reproche mas com muitos e bons banqueiros para emprestar os capitais necessários aos produtores de tabaco da zona da Beira Interior, para investir na Tabaqueira, em mais um par de Casinos sem os quais a civilização é uma palavra vã e as leis uma pálida cópia do código de Hamurabi?
1 comentário:
Concordo plenamente consigo mcr. O que se passa, aqui e no resto do mundo, relativamente aos vencimentos, indemnizações e reformas dos gestores de topo das grandes empresas é, no mínimo, indecoroso. Quanto mais se falar disso melhor, até porque são esses mesmos gestores que são os responsáveis máximos pela existência do sistema que abarca o seu próprio proveito e o espremer de salários e regalias à multidão de trabalhadores que os sustém.
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