Hoje há um fogo ao longo das casas, a desafiar as casas. E os que vão até ao lado ficam fascinados com esta corrida do tempo. Inédito, dizem os que passam por cima das brasas. E vão todos telefonar aos filhos, a dizer o que já se sabe. No fundo, o que querem é que a televisão apareça e entreviste muitos. É urgente que se filme o nosso declínio. De todos os lados emergem seres com olhar cheio de espanto. Talvez seja a consequência natural da fome encoberta que se espalha ou da perda que dá lugar a sentimentos próprios da frustração que sobe pelas janelas. Pressente-se a volatilidade dos dias. E o que muda é a distância entre os que têm e os que não têm, entre os que alcançam a porta e o batalhão imenso que soçobra. Cada vez mais se acentua a ironia do destino. Não há razões para ter esperança, excepto para os que já têm e sabem que vão continuar a ter. Os novos sistemas políticos funcionam assim. Gastam e gastam para que os que têm passem a ter mais e mais. É o princípio da acumulação restrita. Depois, quando tudo parece complicado, define-se um novo desígnio: repor o equilíbrio. É a contracção da economia. Só que, nestes tempos de fogo, a mesma família política que gerou o desequilíbrio é a que vai repor o equilíbrio. Ou seja, são pagos para equilibrar e para desequilibrar. São os modernaços circos e contra-circos da economia. E o grosso da população, incluindo a classe média, cada vez mais banda larga e de consciência ainda mais alisada, lá vai gemendo (baixinho) e pagando a quem lhe organiza o espectáculo e gere a vida.
21 janeiro 2008
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4 comentários:
Bem pensado, melhor escrito
Gostei muito deste texto. Não posso deixar de frisar a parte final: “E o grosso da população, incluindo a classe média, cada vez mais banda larga e de consciência ainda mais alisada, lá vai gemendo (baixinho) e pagando a quem lhe organiza o espectáculo e gere a vida.”
E ainda há uns bem-pensantes que "gozam" com a situação global do país. Na sexta-feira, ocorrem duas conferências com os seguintes títulos e oradores:
O power point português depois de Alcochete, por Augusto Mateus;
e
Economia com humor, por Miguel Beleza.
Circo, caro JSC? Aí está!
Verifico que no meu texto faltou a nota de rodapé, que transcrevo a seguir: Nota: Este texto foi escrito na época dos fogos de 2005. Descobri-o agora e verifico que, salvo a estação do ano, não perdeu actualidade.
Caro JCP, porque estamos numa série temporal alongada é que podemos falar destes circos na economia. Sem tirar nem por. Os colóquios ou conferências que refere inserem-se no mesmo plano.Até porque ambos os animadores foram agentes activos, cada um à sua maneira, na política de equilíbrio e de desequilíbrio.
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