08 janeiro 2008

Estes dias que passam 89


Ano novo, vida velha

Ah, os mistérios gozosos... Os da política, claro que os outros andam de asa murcha. Ao que leio nos jornais, o senhor Primeiro Ministro está indeciso mas poderá inclinar-se por propor um referendo ao tratado de Lisboa. Ou seja, Sua Excelência ter-se-á lembrado de uma promessa eleitoral e, uma vez sem exemplo, poderá achar que esta é para cumprir.
As escassas leitoras que me aturam recordar-se-ão que já por aqui insisti nesse velho princípio: as promessas, como os contratos, cumprem-se. Isto, apesar de pensar que se temos um Parlamento e se vivemos em regime parlamentar, pareceria mais sensato entregar aos senhores deputados esta questão. Sou pouco favorável a referendos e boa parte dos que me caíram em cima nada mais representaram do que uma fuga dos deputados às responsabilidades. Por todos recordo o do aborto. As criaturas não queriam assumir-se pelo que se escapuliram pela direita baixa e deixaram ao pópulo a resolução da questão. Uma vez decidida esta, foi um ver se te avias de virtuosas declarações sobre o aborto.
Portanto, corremos o risco de ser chamados a resolver mais este imbróglio. Como se os portugueses se pudessem dar ao luxo de dizer não. A Europa, isto é os governos da Europa alarmam-se. Então não se tinha combinado resolver as coisas no silêncio dos gabinetes parlamentares e não dar confiança à arraia miúda?
Todavia, eu tenho um vago pressentimento que tudo isto, este suspense de revista do Parque Mayer é só isso: um truque, uma brincadeira. Deixa-se correr que talvez se proponha um referendo, a Europa alarma-se, os telefonemas de altas personalidades chovem e finalmente tudo reentra na calma. Pode, porém, ocorrer que o boato tenha pernas para andar e que mesmo que se não queira se desemboque numa situação tal em que não haja escapatória. E aí teremos o PS, as criaturas que ontem rosnavam que era inadmissível um referendo, porque o tema é difícil, porque afinal, as coisas, depois de Lisboa, não são como eram na altura da promessa exaltada e aventureira, a dizer sim senhor, muito bem, eu sempre achei que as promessas são sagradas enfim um chorrilho de vacuidades que parece ser o destino actual da parlapatice paralamentar.
Ou seja, com esta deixa descaída para os jornais, o senhor Primeiro Ministro prepara-se para ganhar em todos os tabuleiros mesmo que isso mostre ainda mais a fraca conta em que ele tem os seus mais directos colaboradores. Convenhamos que a maioria destes também não merece mais.

Nos Estados Unidos vai um alvoroço: Barak Obama pelos vistos não foi sentido como demasiado preto pelos eleitores do Iowa e ao que consta leva uma confortável maioria sobre a senhora Clinton no New Hampshire, um Estado onde era ela que à partida parecia ser a favorita. Os Estados yankees seriam os bastiões para um senadora tão sofisticada, tão “experiente” (esta da experiência deixa-me boquiaberto) tão WASP. O pastor King deve estar a dar voltas na tumba. He had a dream, do you remember?

No Paquistão, nação extraordinária que tudo desune excepto a religião (ou nem ela?) o partido da falecida senhora Bhutto resolveu dotar-se de um novo líder. Como aqui, também implicitamente se aflorou, não arranjou melhor solução do que agarrar num adolescente tímido e atirá-lo para o centro do alvo dos tiros dos terroristas. O jovem Bhutto, é asim que agora se chama, tem dezanove anos, quase não conhece o país por ter vivido boa parte da sua curta existência no exílio, é estudante. Traz em cima a maldição de um nome, oxalá não partilhe o destino dos seus tios, mãe e avô.
Não duvido que Benazir fosse uma mulher corajosa, devotada e interessada pelo destino do seu povo, ou pelo menos dos habitantes do Sind. Não era uma democrata tal e qual costumamos definir e o seu partido era mais uma multidão arregimentada e unida por ligações clânicas e familiares do que um verdadeiro partido. Os ocidentais adoram pensar que lá as coisas se passam como cá. Já tinham cometido o mesmo erro com um líder afegão, o senhor da guerra Massud, o leão do Panshir, também ele assassinado por ordem de outros senhores da guerra, por intermediários talibans ou nem isso. Benazir, a democrata, que ofereceu ao Dr Mário Soares uma fotografia dedicada que o ancião mira embevecidamente, foi também a dirigente política que se aliou aos talibans e lhes deu forte cobertura na fronteira do noroeste. Minúcias de que ninguém gosta de falar...

O Presidente dos EUA vai ao Médio Oriente. Parece que agora lhe deram as pressas para suscitar um acordo de paz entre Israel e os palestinianos. Convenhamos que só por milagre o conseguirá mas, enfim, ele é, de há uns anos a esta parte, um homem de fé. A mesma fé que depositava na existência das armas de destruição maciça e no futuro radioso que aguardava o Iraque uma vez desembaraçado de Saddam?

Os jornais contam que já começaram as denúncias contra estabelecimentos onde alguém se atreveu a fumar perante a passividade do respectivo patrão. Autores das denúncias: zelotas higienistas e fanáticos? Nada disso. Patrões de estabelecimentos concorrentes. Já Irene Pimentel anotava com argúcia que a imensa maioria dos informadores da PIDE agiam por inveja, vingança ou interesse monetário. Estão de volta os tinhosos, estão de volta aureolados outra vez pelo espírito de cruzada, de missão, de superior interesse nacional. É a chamada vocação para oxiuro.
(isto é escrito por um ex-fumador).

na gravura: uma brigada da GESTAPO polícia que também zelava pelos bons costumes. Arianos de preferência.

2 comentários:

jcp (José Carlos Pereira) disse...

"Deixa-se correr que talvez se proponha um referendo, a Europa alarma-se, os telefonemas de altas personalidades chovem e finalmente tudo reentra na calma" - nem mais, e por mim está bem assim.

Concluindo: nem nós vamos ter o referendo, nem Obama teve o New Hampshire - terá ele a White House?

M.C.R. disse...

A white house for one black man?
tinha graça mas a coisa não está assim tão clara, se é que o trocadilho passa, De todo o modo Hillary averbou 39% e Obama 36%: ou seja a derrota é honrosa e não o belisca. Mas uma vitória teria sido muito mais importante para Obama.