Entra no seu terceiro ano esta série. Melhor dizendo está lá quase. Em boa verdade, acabo de me certificar, foi em Março de 2006 que começou a Farmácia de Serviço. Tratava-se de, num blog de acentuadas características jurídicas, introduzir pequenas chamadas de atenção para o ar do tempo noutras disciplinas menos graves mas igualmente vitais.
Com uma outra pequena característica: nunca se pensou numa agenda cultural, sequer em referir coisas particularmente importantes do ponto de vista cultural. Nada disso. Ou muito pouco disso. Essa forte responsabilidade ficou reservada para os cavalheiros e damas que tem escritório com tabuleta e porta aberta para a praça das Letras, Artes & Similares.
O cronista é apenas alguém que gosta de ler como gosta de sardinhas, de pintura como de passear pela praia e por aí fora. Para a cultura com C maiúsculo, très a la page, já dei e há muitos anos, tantos que nem me lembro. Fartei-me de ver, criaturas pomposas carregadas de conhecimentos profundos e respeitáveis, ao par das últimas escolas, dos últimos “chismorreos”, das modas evaporantes que duram menos do que as mariposas, discorrer gravemente sobre assuntos que espantavam o público e o faziam fugir a cem à hora. Ou então, igualmente penoso, vi, de nariz apertado pelos dedos que me restam, e são todos, felizmente, louvaminhar as piores inconsequências, as facilidades, o tradicional lusitano, a cultura dos retroseiros e daquele ministro pacóvio que veio ao porto dançar com as vendedoras do Bolhão perante o olhar entusiástico do senhor Dr. Rui Rio, outro que tal.
Ou seja: a Farmácia tem navegado entre escolhos e nem sempre se safou de algum encontrão, de alguma roçadela. Não foi a pique e essa não é a sua menor vitória.
A seu favor tem apenas esta coisa simples: nunca, ou rarissimamente, se recomendou poção que o boticário não tivesse provado. Livros, discos, exposições, concertos e tudo o resto passaram pela rasa do patrão da loja. Há melhor? Seguramente! Esqueceram-se acontecimentos, obras e situações importantes? Sem dúvida. Mas aqui escreve-se para gente normal com alguma inclinação pelas artes e letras. Sem excluir essa outra e importante: a cidadania. E seguindo a máxima de um senhor bispo de Viseu que recomendava aos seus fregueses tomar a religião como se toma o sal na comida. Nem muito nem pouco, apenas o necessário.
Dito isto passa-se ao balanço do ano que se finou. E pelos mortos começamos: morreram três pessoas que merecem uma palavra: A Fernanda Botelho, uma escritora que nunca se pavoneou mas que escrevia com o próprio sangue, ou algo semelhante. O Alberto Lacerda, outro que passou despercebido a tantos, a quase todos, mas que em matéria de poesia “tinha a noção da galinhola” se a citação me é permitida. E o Eduardo Prado Coelho, um amigo de trinta anos que li diariamente, que me irritou vezes sem conta, com quem discuti in mente tantas vezes, que me enfureceu duas ou três, que me comoveu mais do que eu quereria, que tinha espírito, humor, fragilidade, ingenuidade, inteligência, apetite, vontade de viver tudo em quantidades excessivas. Ainda há uns tempos esteve aqui em casa, contando-me peripécias da sua movimentada vida sentimental que me fizeram rir a bandeiras despregadas ao mesmo tempo que me maravilhava com a sua inocência e ingenuidade e com a sua bem humorada confissão. Faz falta o EPC, faz falta o gordinho, faz falta aquela sua perpétua inquirição, a paixão pelas ideias, aquelas negaças que ele fez à maligna, como se fora um toureiro (!!!) desajeitado mas valente. Irritei-me, já o disse, com a sua defesa desta pobre imitação de socialismo praticada por esta pobre imitação de governo, mesmo sabendo que, tête-a tête, o EPC lhes disse um par de verdades. Está morto e apodrece um dos espíritos singulares da segunda metade do nosso século XX. Não deixa herdeiros e esse será o pior dos seus veniais pecados.
Não vou falar do Ministério da Cultura. Hoje alguém contactava-me indignado com um abaixo assinado contra a Ministra. Propunha outro abaixo assinado a favor. Disse-lhe que não assinava o primeiro por o desconhecer e o segundo por conhecer a obra feita. Isabel Pires de Lima terá qualidades, será uma queiroziana de mérito mas não tem jeito para aquilo. A sua navegação de cabotagem pelas costas rochosas da cultura é feita de erros e de errâncias, fez o frete vezes demais, foi inconsistente nas batalhas em que se meteu (e perdeu...) chegou tarde e a más horas às conclusões acertadas (quando chegou) numa palavra foi ainda pior em termos de comunicação do que outro nortenho que também se estampou nas lides ministeriais: Fernando Gomes.
Não tenho o menor gosto em dizer isto porquanto tinha dela uma boa impressão e julgava a equipa da cultura adequada aos dias que se vão vivendo. Já não o julgo. Demorei demasiado tempo porque antepus sentimentos pessoais a uma “análise concreta da situação concreta”, como diria um dos maîtres a penser da equipa ministerial... que provavelmente já dele se esqueceu, mas isso é outro falar.
Também não me parece oportuno babar-me sobre esse cavalheiro, barão da finança, que dá por Berardo. Estou farto, fartíssimo, de lhe ouvir patacoadas, acho que de benemérito não tem sequer o ar, a colecção é pirosa, o uso e abuso de Belém só foi possível num país como este que, subitamente, descobre o cheiro do dinheiro e o venera destemperadamente. Tinha de ser um governo “socialista” (boa piada!...) a dar de mão beijada um espaço para aquilo. Que há lá coisas boas? Claro que há. Mas também há muita lantejoula e isso daqui a pouco tempo será evidente. Deixem-nos poisar...
Em contrapartida, celebremos como se deve (e não se celebrou) os gestos discretos que estão no nascimento de duas instituições culturais: O Museu de Arte contemporânea de Elvas onde estaciona a excelente “colecção Cachola” e a fundação António Prates, em Ponte de Sor. Ora aqui estão iniciativas cidadãs de alta qualidade, de desinteressado patriotismo (feia palavra!) e de claro sentido cultural.
Não vou referir a desinspirada observação de uma ministerial criatura que regougava dislates sobre o facto da colecção Berardo colocar Lisboa no coração dos percursos culturais peninsulares. A pobre mente não deve saber de Bilbao, de Valência, de Madrid, de Barcelona, de Mérida e de mais dez cidades onde a palavra cultura se pronuncia mais simplesmente, menos sonoramente e menos impudentemente.
A televisão surpreendeu tudo e todos com duas realizações: Joaquim Furtado e António Barreto mostraram que cá também se pode usar a televisão para coisas interessantes, como sejam meditar um pouco sobre nós próprios e a nossa circunstância.
Uma mulher desarmada tem mostrado que em matéria de ONG se podem fazer milagres: Isabel Jonet é o rosto da persistência e da organização. O Banco contra a Fome é eficaz, chega a tempo e e não faz dez por cento do espalhafato de outras organizações cujo nome se omite. De propósito.
Outra mulher mostrou como a força de vontade, à falta de meios mais substanciosos, pode servir de base a uma história de êxito: Irene Pimentel ganha o “Pessoa” e ganha o público. A sua “História da PIDE” merece ser lida. Pela seriedade, pela sobriedade, pela honradez.
Uma última palavra sobre esse espantoso negocio da compra de editoras. De repente os fiananceiros, ou financistas se quiserem, descobriram que as editoras podem ser um bom negócio. Editor falido (enfim com mais cem amigos...) da Centelha só tenho pena de não termos chegado vivos até hoje. Provavelmente teríamos dito não ao maná mas isso ter-me-ia enchido de gozo. Todavia, pergunto-me: as editoras dão mesmo dinheiro? Há assim tanto leitor por aí à solta a comprar livros à doida, como um certo mcr que eu conheço e que nem se atreve a dizer quantos livros comprou em 2007? É que ainda pode haver alguma lei contra os perdulários e aí ficaria como os fumadores: pendurado no pelourinho, réu reincidente. Livra!
E tenham bom ano (os que até aqui chegaram).
A gravura: não tenho nenhum amor pela cocaína mas não resisto a pensar que neste momento os cocainómanos são mais bem tratados do que os fumadores. Injectam-se à vontade, vão buscar a sua dose tranquilamente, aos lugares do costume, conhecidos de toda a gente, até da polícia, pedem uma moedinha que poucos recusam com medo de represálias, tem salas de chuto e vão ter ainda mais, custam mais dinheiro do que os amadores do cigarro, volta e meia roubam e podem mostrar-se ás criancinhas das escolas sem receio de serem confrontados com a ASAE. Essa mesma cujo director rapa de cigarrilha num casino. Já agora: Os casinos são instituições de utilidade pública reconhecida? Além de sacarem o dinheiro aos parvos que os frequentam (muito dinheiro!) ainda têm direito a lei própria sobre o tabaco? gand'a país!!!
* Sou ex-fumador pesado (4 maços/dia) há mais de dez anos. Abandonei o tabaco sem razão alguma: sentia-me bem, não tinha catarro, tosse, falta de ar, nada. Decidi deixar de fumar e pronto.
** Não se referem outras figuras desaparecidas porque isso foi a seu tempo feito nesta ou noutras secções que também assino. De livros falar-se-á com vagar no "leitor (im)penitente"
Com uma outra pequena característica: nunca se pensou numa agenda cultural, sequer em referir coisas particularmente importantes do ponto de vista cultural. Nada disso. Ou muito pouco disso. Essa forte responsabilidade ficou reservada para os cavalheiros e damas que tem escritório com tabuleta e porta aberta para a praça das Letras, Artes & Similares.
O cronista é apenas alguém que gosta de ler como gosta de sardinhas, de pintura como de passear pela praia e por aí fora. Para a cultura com C maiúsculo, très a la page, já dei e há muitos anos, tantos que nem me lembro. Fartei-me de ver, criaturas pomposas carregadas de conhecimentos profundos e respeitáveis, ao par das últimas escolas, dos últimos “chismorreos”, das modas evaporantes que duram menos do que as mariposas, discorrer gravemente sobre assuntos que espantavam o público e o faziam fugir a cem à hora. Ou então, igualmente penoso, vi, de nariz apertado pelos dedos que me restam, e são todos, felizmente, louvaminhar as piores inconsequências, as facilidades, o tradicional lusitano, a cultura dos retroseiros e daquele ministro pacóvio que veio ao porto dançar com as vendedoras do Bolhão perante o olhar entusiástico do senhor Dr. Rui Rio, outro que tal.
Ou seja: a Farmácia tem navegado entre escolhos e nem sempre se safou de algum encontrão, de alguma roçadela. Não foi a pique e essa não é a sua menor vitória.
A seu favor tem apenas esta coisa simples: nunca, ou rarissimamente, se recomendou poção que o boticário não tivesse provado. Livros, discos, exposições, concertos e tudo o resto passaram pela rasa do patrão da loja. Há melhor? Seguramente! Esqueceram-se acontecimentos, obras e situações importantes? Sem dúvida. Mas aqui escreve-se para gente normal com alguma inclinação pelas artes e letras. Sem excluir essa outra e importante: a cidadania. E seguindo a máxima de um senhor bispo de Viseu que recomendava aos seus fregueses tomar a religião como se toma o sal na comida. Nem muito nem pouco, apenas o necessário.
Dito isto passa-se ao balanço do ano que se finou. E pelos mortos começamos: morreram três pessoas que merecem uma palavra: A Fernanda Botelho, uma escritora que nunca se pavoneou mas que escrevia com o próprio sangue, ou algo semelhante. O Alberto Lacerda, outro que passou despercebido a tantos, a quase todos, mas que em matéria de poesia “tinha a noção da galinhola” se a citação me é permitida. E o Eduardo Prado Coelho, um amigo de trinta anos que li diariamente, que me irritou vezes sem conta, com quem discuti in mente tantas vezes, que me enfureceu duas ou três, que me comoveu mais do que eu quereria, que tinha espírito, humor, fragilidade, ingenuidade, inteligência, apetite, vontade de viver tudo em quantidades excessivas. Ainda há uns tempos esteve aqui em casa, contando-me peripécias da sua movimentada vida sentimental que me fizeram rir a bandeiras despregadas ao mesmo tempo que me maravilhava com a sua inocência e ingenuidade e com a sua bem humorada confissão. Faz falta o EPC, faz falta o gordinho, faz falta aquela sua perpétua inquirição, a paixão pelas ideias, aquelas negaças que ele fez à maligna, como se fora um toureiro (!!!) desajeitado mas valente. Irritei-me, já o disse, com a sua defesa desta pobre imitação de socialismo praticada por esta pobre imitação de governo, mesmo sabendo que, tête-a tête, o EPC lhes disse um par de verdades. Está morto e apodrece um dos espíritos singulares da segunda metade do nosso século XX. Não deixa herdeiros e esse será o pior dos seus veniais pecados.
Não vou falar do Ministério da Cultura. Hoje alguém contactava-me indignado com um abaixo assinado contra a Ministra. Propunha outro abaixo assinado a favor. Disse-lhe que não assinava o primeiro por o desconhecer e o segundo por conhecer a obra feita. Isabel Pires de Lima terá qualidades, será uma queiroziana de mérito mas não tem jeito para aquilo. A sua navegação de cabotagem pelas costas rochosas da cultura é feita de erros e de errâncias, fez o frete vezes demais, foi inconsistente nas batalhas em que se meteu (e perdeu...) chegou tarde e a más horas às conclusões acertadas (quando chegou) numa palavra foi ainda pior em termos de comunicação do que outro nortenho que também se estampou nas lides ministeriais: Fernando Gomes.
Não tenho o menor gosto em dizer isto porquanto tinha dela uma boa impressão e julgava a equipa da cultura adequada aos dias que se vão vivendo. Já não o julgo. Demorei demasiado tempo porque antepus sentimentos pessoais a uma “análise concreta da situação concreta”, como diria um dos maîtres a penser da equipa ministerial... que provavelmente já dele se esqueceu, mas isso é outro falar.
Também não me parece oportuno babar-me sobre esse cavalheiro, barão da finança, que dá por Berardo. Estou farto, fartíssimo, de lhe ouvir patacoadas, acho que de benemérito não tem sequer o ar, a colecção é pirosa, o uso e abuso de Belém só foi possível num país como este que, subitamente, descobre o cheiro do dinheiro e o venera destemperadamente. Tinha de ser um governo “socialista” (boa piada!...) a dar de mão beijada um espaço para aquilo. Que há lá coisas boas? Claro que há. Mas também há muita lantejoula e isso daqui a pouco tempo será evidente. Deixem-nos poisar...
Em contrapartida, celebremos como se deve (e não se celebrou) os gestos discretos que estão no nascimento de duas instituições culturais: O Museu de Arte contemporânea de Elvas onde estaciona a excelente “colecção Cachola” e a fundação António Prates, em Ponte de Sor. Ora aqui estão iniciativas cidadãs de alta qualidade, de desinteressado patriotismo (feia palavra!) e de claro sentido cultural.
Não vou referir a desinspirada observação de uma ministerial criatura que regougava dislates sobre o facto da colecção Berardo colocar Lisboa no coração dos percursos culturais peninsulares. A pobre mente não deve saber de Bilbao, de Valência, de Madrid, de Barcelona, de Mérida e de mais dez cidades onde a palavra cultura se pronuncia mais simplesmente, menos sonoramente e menos impudentemente.
A televisão surpreendeu tudo e todos com duas realizações: Joaquim Furtado e António Barreto mostraram que cá também se pode usar a televisão para coisas interessantes, como sejam meditar um pouco sobre nós próprios e a nossa circunstância.
Uma mulher desarmada tem mostrado que em matéria de ONG se podem fazer milagres: Isabel Jonet é o rosto da persistência e da organização. O Banco contra a Fome é eficaz, chega a tempo e e não faz dez por cento do espalhafato de outras organizações cujo nome se omite. De propósito.
Outra mulher mostrou como a força de vontade, à falta de meios mais substanciosos, pode servir de base a uma história de êxito: Irene Pimentel ganha o “Pessoa” e ganha o público. A sua “História da PIDE” merece ser lida. Pela seriedade, pela sobriedade, pela honradez.
Uma última palavra sobre esse espantoso negocio da compra de editoras. De repente os fiananceiros, ou financistas se quiserem, descobriram que as editoras podem ser um bom negócio. Editor falido (enfim com mais cem amigos...) da Centelha só tenho pena de não termos chegado vivos até hoje. Provavelmente teríamos dito não ao maná mas isso ter-me-ia enchido de gozo. Todavia, pergunto-me: as editoras dão mesmo dinheiro? Há assim tanto leitor por aí à solta a comprar livros à doida, como um certo mcr que eu conheço e que nem se atreve a dizer quantos livros comprou em 2007? É que ainda pode haver alguma lei contra os perdulários e aí ficaria como os fumadores: pendurado no pelourinho, réu reincidente. Livra!
E tenham bom ano (os que até aqui chegaram).
A gravura: não tenho nenhum amor pela cocaína mas não resisto a pensar que neste momento os cocainómanos são mais bem tratados do que os fumadores. Injectam-se à vontade, vão buscar a sua dose tranquilamente, aos lugares do costume, conhecidos de toda a gente, até da polícia, pedem uma moedinha que poucos recusam com medo de represálias, tem salas de chuto e vão ter ainda mais, custam mais dinheiro do que os amadores do cigarro, volta e meia roubam e podem mostrar-se ás criancinhas das escolas sem receio de serem confrontados com a ASAE. Essa mesma cujo director rapa de cigarrilha num casino. Já agora: Os casinos são instituições de utilidade pública reconhecida? Além de sacarem o dinheiro aos parvos que os frequentam (muito dinheiro!) ainda têm direito a lei própria sobre o tabaco? gand'a país!!!
* Sou ex-fumador pesado (4 maços/dia) há mais de dez anos. Abandonei o tabaco sem razão alguma: sentia-me bem, não tinha catarro, tosse, falta de ar, nada. Decidi deixar de fumar e pronto.
** Não se referem outras figuras desaparecidas porque isso foi a seu tempo feito nesta ou noutras secções que também assino. De livros falar-se-á com vagar no "leitor (im)penitente"
2 comentários:
Gostei do que li mas no meu tempo de escola escrever nomes a vermelho era mandar os ditos cujos à m----.
Os nomes de quem gosto marco-os com a bela cor vermelha que com o negro fazem a bandeira que gostaria de ver ondular sobre o meu caixão. azares de quem nasceu nos anos quarenta...
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