06 fevereiro 2008

O jogo do empurra - art. 30º do C.P. (cont.)

Tentando escapar à lógica dos soundbytes do momento, que surgem diariamente em catadupas, relembro este post sobre o "mistério" do aditamento ao nº 3 do art. 30 do C. Penal, que veio expressamente permitir que a figura jurídica do crime continuado se aplicasse aos crimes de abuso sexual, tratando-se da mesma vítima, assim facilitando a punição do autor de vários crimes por um só crime continuado (pena muito mais branda).

Quer o Ministro da Justiça, Alberto Costa, quer o Ministro da Administração Interna, que foi o Presidente da Unidade de Missão para a Reforma Penal, Rui Pereira, enjeitaram publicamente qualquer responsabilidade na matéria.
E o MJ, de justificação em justificação, tem vindo a evitar a publicitação das Actas da UMRP (que não só dariam muito jeito para deslindar o sinuoso percurso desta alteração legislativa, como poderiam ser um bom auxiliar na interpretação das alterações legislativas do CP e o CPP).
Assim, 22 de Janeiro passado lia-se n' O Diabo (sob o título «Pereira arrependido, Costa precavido»):

(...) «Ante esta demarcação do actual ministro da Administração Interna, Alberto Costa ficou isolado.
Inquirido pelo nosso jornal, o seu gabinete escudou-se numa resposta lacónica. No essencial fizeram-nos saber que iam publicar as actas todas em livro. Temos vindo a aguardar, mas quanto a actas, nada. »
E o jornal prosseguia com a publicação de excertos da "acta nº 6", de 28 de Novembro de 2005, que teria obtido por outra via que não o MJ, na qual constava: «O Dr. Rui Pereira concordou com a necessidade esclarecer as regras processuais do cúmulo jurídico e do crime continuado». (...) «o Dr. Rui Pereira defendeu a alteração das regras do crime continuado, exceptuando os bens eminentemente pessoais e consagrando regras próprias para os crimes contra bens patrimoniais. A situação actual cria desigualdades por não ter em conta o valor total dos bens patrimoniais afectados pelos crimes que integram tal continuação».
O artigo d'O Diabo terminava assim: «O DIABO» fica à espera para ver o que sai no livro do Ministério da Justiça. E sobretudo para comparar com os textos que cá tem.»

No passado dia 29 Janeiro aquele semanário dava conta de que o MJ lhe enviara, entretanto, a seguinte informação:
(...) «a maioria das actas das reuniões da UMRP foi elaborada poucos dias depois de cada reunião e assinadas pelos presentes na reunião seguinte. Só assim não aconteceu nas reuniões mais recentes» mas mesmo assim foram «elaboradas pela URMP os respectivos projectos de acta, que apenas em alguns casos aguardam a leitura e assinatura por todos os participantes nas reuniões.»

Perante estes esclarecimentos do MJ, o jornal pergunta (e bem!):
«Está em causa o art. 30º do C. Penal. Em que reuniões da URMP (...) foi esse artigo discutido? (...) Quanto a essas reuniões há actas ou projectos de actas? (...) se há actas assinadas porque não no-las entregam? (...) porque motivo é que, volvido mais de um ano, o Ministério ainda não conseguiu que os "projectos de actas" fossem lidos e assinados pelos participantes? Que dificuldade haverá nisso? Preguiça? Ou recusa?»
O mais curioso é que, mais adiante, o jornal publica mais um excerto de "actas", desta feita da "acta nº 9", de 3 de Janeiro de 2006, do qual ressalta esta posição de Rui Pereira: «(...) a doutrina e a jurisprudência são unânimes em aceitar a exclusão dos crimes contra bens eminentemente pessoais do conceito de crime continuado, salvo tratando-se da mesma vítima, pelo que a alteração agora preconizada é pacífica».
Confusos quanto a saber qual foi, afinal a posição de Rui Pereira, na UMRP, quanto ao aditamento ao nº 3 do art. 30 que veio a permitir a figura do crime continuado nos crimes pessoais tratando-se da mesma vítima? Eu também! É que aquilo que consta das "actas" publicadas por O Diabo parece conduzir exactamente ao contrário do que afirmou depois à comunicação social: o ter sido CONTRA! E se a versão das actas em poder de O Diabo não é correcta, que espera o MJ para as publicitar?
Parece que estamos mesmo perante o que indica o título da notícia de O Diabo:
um "Mistério no Ministério"! (link deste artigo não disponível).
O semanário reproduz também, em caixa, um post de Ana Gomes publicado a 3 de Novembro de 2007, no Causa Nossa, no qual, intrépide como é seu timbre, dizia:
(...) «Quem assume responsabilidade por este "crime continuado" também contra o PS? Quem esclarece a origem da proposta de acrescento ao art. 30º que vinha da UMRP, passando pelo governo e aterra na AR? Quem tira ilacções políticas da actuação contraditória do PS na AR? E quem no PS - e no grupo parlamentar do PS na AR, em particular - toma a iniciativa de reconhecer a necessidade de corrigir este grave erro no Código Penal e rapidamente põe mãos à obra nesse sentido? Quem quiser pode continuar a meter a cabeça na areia. Mas não conta, de certeza, com a minha companhia. Nem com o meu silêncio".
Otítulo da caixa é: «Ana Gomes: não contávamos com o seu silêncio».
Pois.

3 comentários:

Laoconte disse...

De acordo com o princípio "ninguém trabalha p´ra boneco", desconfio que foram os potenciais beneficiados da norma.

ALG disse...

A "paternidade" da norma vai ficar por apurar, à boa maneira portuguesa!

Cumprimentos

Laoconte disse...

Porque não alerta aquele casal castrense de Tomar? Talvez queira também assumir a paternidade do artº 30º do CP.