04 junho 2008

Au Bonheur des Dames 126


It's a beautiful day

Eu tenho um sonho: que algum dia, esta nação se erguerá e viverá o verdadeiro significado das suas crenças...

...ouvirei o sino da liberdade no cume da montanha de New Hampshire...
...nas poderosas montanhas de New York...
...nas nevadas montanhas do Colorado...
...em todas as colinas do Mississipi....

Estas palavras proféticas de Martin Luther King um dos mais luminosos heróis dos anos 60, cuja memória venero, diga-se de passagem, começam a parecer evidentes. De Agosto de 1963 até hoje, dia, da vitória de Barak Obama nas primárias democráticas americanas, vão quarenta e cinco anos. Quarenta e cinco vagarosos anos. Quarenta e cinco rápidos anos se nos lembrarmos de onde partiam os negros americanos. As cruzes de fogo ardiam nos campos do Sul, os linchamentos eram moeda corrente, ainda hoje um réu negro tem garantias muitos precárias quanto á justiça do seu julgamento. Nos últimos anos, graças ao ADN foram já dezenas os presos negros condenados a longas penas que conseguiram ver provada a sua inocência. O que é que os condenara?
A cor da pele, evidentemente. Mas não só. A pobreza, a iliteracia, a ignorância, a miséria, o costume, a dramática tradição que associa tudo isto e converte os pobres nos danados da terra. E o racismo, a ignorância, a iliteracia, o costume de muito branco do sul ou do norte, educado em preconceitos rígidos e temeroso de ser comparado com o preto do lado. Pobres mas diferentes!
E agora, subitamente, neste verão que desponta, um mestiço com um nome impronunciável, Barak Hussein Obama, obtém os votos de milhões de democratas, brancos ou negros que o querem na Casa Branca.
Convenhamos, o dia é histórico. Absolutamente histórico, diga-se o que se disser do enorme progresso verificado nos últimos anos nos Estados Unidos. Ao patamar, só ao patamar, para já, da Casa Branca chega um “negro” de 46 anos (um ano mais do que o discurso de King), graduado em Harvard, o nec plus ultra das universidades da Ivy League, que conseguiu inclusive ser o director da prestigiosa Law Revue. What a long way to freedom!
Neste momento único, seria bom lembrar a grande Bessie Smith, the Emperess of Blues, tragicamente morta em consequência de um acidente de automóvel porque o hospital para onde foi conduzida não atendia pretos!!! Em 1937, há apenas 71 anos, uma mulher morria dessangrada à porta do hospital que a recusava por ser preta... What a long way...
E lembremos o punho fechado desses dois admiráveis atletas Tommie Smith e John Carlos que, sempre em 1968, protestavam contra o racismo nos EUA e que por isso foram expulsos da selecção americana e da vila olímpica. É bom tempo, é imperiosamente tempo, de reparar essa decisão infame e infamante.
Lembremos, finalmente, os milhões de cidadãos americanos, brancos ou negros, que saíram para a rua, nesses anos trágicos e exaltantes, sem temer a violência policial, a prisão, as ameaças, a morte mesmo, porque também eles tinham um sonho.
Há muitos anos, quarenta, provavelmente uma mulher que partilhou a minha vida, falou-me num autor e num livro (James Baldwin, “go tell it on the mountain”) que eu viria a ler. Agradeço-lhe daqui e suponho que partilho com ela, hoje, este momento histórico. De certo modo, foi por ela que comecei a ter uma ideia mais clara do que era ser negro nos Estados Unidos. Mais amigas e amigos, mais autores, mais músicos, mais cineastas, mais americanos comuns, contribuíram para a opinião que hoje tenho.
It’s a beautiful day, friends!
Let’s go tell it on the mountain.

*
It's a beautiful day
é o nome de uma banda de S. Francisco nascida em 1967 (ano de Barak) e formada por talentosos músicos: David La Flamme, Pattie Santos, Hal Wagenet, Mitchel Holmann e Val Fuentes. Durou cerca de dez anos e o seu primeiro LP tinha justamente estev título.

1 comentário:

jcp (José Carlos Pereira) disse...

É, de facto, um momento mágico para a história dos EUA.