Chover no molhado
Às vezes uma pessoa sente-se cansada. Ao fim de anos e anos a tentar perceber o mundo em que se move, ou em que a fazem mover-se, verifica que tudo continua na mesma e que os avisos de há quarenta, trinta ou vinte anos foram ouvidos por um lado e esquecidos com mais pressa pelo outro.
Anda tudo zangado com o aumento dos combustíveis, como se tal aumento fosse de hoje, ou não tivesse sido constante de há anos a esta parte. Lembram-se do preço da gasolina antes do Iraque?
Agora os pescadores resolveram fazer greve. Curiosa greve em que fazem de tropa de choque dos armadores. Que levam a sua gentileza ao ponto de despedirem as suas tripulações para que os homens do mar (e de mão) possam acolher-se ao subsídio de desemprego...
É a primeira vez que vejo patrões e assalariados unidos e em greve. Mas que raio de greve é esta que não tem destinatário conhecido e reconhecido? Será contra o engenheiro Sócrates e a pobre criatura que faz de ministro?
Será contra nós consumidores que dia a dia pagamos mais caro o pescado, a gasolina, o leite, o pão, as hipotecas das casas etc., etc.?
Ao que vejo fica mal falar de capitalismo desregrado (como se geralmente este tivesse especiais regras...) do crime das sub-primes, da corrida aos etanóis, da fome no terceiro mundo. Disse fome e repito. Não é de agora mas agora pode piorar porque a corrida aos cereais para produção energética torna as coisas ainda piores.
Umas almas caridosas acharam que três dias sem ir à Galp abastecer a fariam retroceder. De certo modo alguma razão tiveram e aí está o tal cartão Fast com descontos de cinco cêntimos por litro. A Galp é generosa.
Outras almas, “his master’s voice” governamentais, intimam o governo a não ceder, a não recuar por Deus e pela Pátria. Não cedam perante este pequeno problema, vociferam, que isto está no bom caminho. Aliás esteve sempre. Fosse à sombra do “sol da terra” nos anos do PREC ou agora sem prec mas com preços altos.
Se calhar estão na razão: vai começar o futebol e enquanto aquilo durar e os portugas não perderem, a crise passa. Passa? Não passa mas a malta habitua-se. Sempre se habituou. E depois vem o Verão, a praia e a silly season.
E no meio, o governo vai fingir dar qualquer coisinha. Como dizia o príncipe de Lampedusa, é preciso que algo mude para tudo continuar na mesma.
Ah, esquecia-me: vem aí a alta velocidade! Vamos fazer percurso Porto-Lisboa em menos vinte minutos. E mais mil milhões. Ou dez mil. Ou cem mil!
Divirtam-se, comprem uma televisão nova muito digital, um cachecol verde e vermelho e pipocas para ver os jogos.
Às vezes uma pessoa sente-se cansada. Ao fim de anos e anos a tentar perceber o mundo em que se move, ou em que a fazem mover-se, verifica que tudo continua na mesma e que os avisos de há quarenta, trinta ou vinte anos foram ouvidos por um lado e esquecidos com mais pressa pelo outro.
Anda tudo zangado com o aumento dos combustíveis, como se tal aumento fosse de hoje, ou não tivesse sido constante de há anos a esta parte. Lembram-se do preço da gasolina antes do Iraque?
Agora os pescadores resolveram fazer greve. Curiosa greve em que fazem de tropa de choque dos armadores. Que levam a sua gentileza ao ponto de despedirem as suas tripulações para que os homens do mar (e de mão) possam acolher-se ao subsídio de desemprego...
É a primeira vez que vejo patrões e assalariados unidos e em greve. Mas que raio de greve é esta que não tem destinatário conhecido e reconhecido? Será contra o engenheiro Sócrates e a pobre criatura que faz de ministro?
Será contra nós consumidores que dia a dia pagamos mais caro o pescado, a gasolina, o leite, o pão, as hipotecas das casas etc., etc.?
Ao que vejo fica mal falar de capitalismo desregrado (como se geralmente este tivesse especiais regras...) do crime das sub-primes, da corrida aos etanóis, da fome no terceiro mundo. Disse fome e repito. Não é de agora mas agora pode piorar porque a corrida aos cereais para produção energética torna as coisas ainda piores.
Umas almas caridosas acharam que três dias sem ir à Galp abastecer a fariam retroceder. De certo modo alguma razão tiveram e aí está o tal cartão Fast com descontos de cinco cêntimos por litro. A Galp é generosa.
Outras almas, “his master’s voice” governamentais, intimam o governo a não ceder, a não recuar por Deus e pela Pátria. Não cedam perante este pequeno problema, vociferam, que isto está no bom caminho. Aliás esteve sempre. Fosse à sombra do “sol da terra” nos anos do PREC ou agora sem prec mas com preços altos.
Se calhar estão na razão: vai começar o futebol e enquanto aquilo durar e os portugas não perderem, a crise passa. Passa? Não passa mas a malta habitua-se. Sempre se habituou. E depois vem o Verão, a praia e a silly season.
E no meio, o governo vai fingir dar qualquer coisinha. Como dizia o príncipe de Lampedusa, é preciso que algo mude para tudo continuar na mesma.
Ah, esquecia-me: vem aí a alta velocidade! Vamos fazer percurso Porto-Lisboa em menos vinte minutos. E mais mil milhões. Ou dez mil. Ou cem mil!
Divirtam-se, comprem uma televisão nova muito digital, um cachecol verde e vermelho e pipocas para ver os jogos.
1 comentário:
Caro MCR, três notas ao seu excelente texto. Primeira, o problema é que apenas se tenta perceber o mundo, quando se deveria era transformá-lo, como ensinava o outro;
Segunda, os pescadores não estão em greve. Os nossos jornalistas é que não sabem distinguir uma paralisação decidida pela entidade patronal de uma greve. Chamam greve ao que é um verdadeiro lock out (ainda que em concordância com os trabalhadores);
Terceira, A guerra no Iraque tem alguma coisa a ver com o preço da gasolina? Eu até já li algures que a gasolina está a subir porque os chineses resolveram passar a comer carne.
Por fim, ganhar 20 minutos numa vagem Porto-Lisboa é muito bom e se a viagem for de ida-e-volta ganham-se 40 minutos, o que é excelente. Custa muito dinheiro? Pois custa, mas dinheiro é coisa que não falta aos governos e como as restantes prioridades (educação, ciência, desenvolvimento tecnológico…) estão satisfeitas, apenas nos resta agradecer a clarividência ministerial.
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