28 julho 2008

Estes dias que passam 119


O ex-deputado (e ex-ministro) João Cravinho apresentou há uns tempos uma expressiva proposta de legislação contra a corrupção. O resultado é conhecido. João Cravinho foi indicado pelo governo para um lugar de direcção num Banco internacional (o BERD) e as suas propostas foram sendo paulatinamente esquecidas, desvirtuadas, ignoradas e deitadas para o caixote do lixo.
A recente aprovação (com os únicos votos do PS) de uma comissão ridícula e inútil (e dependente) conseguiu juntar o país numa gargalhada tristonha se é que me entendem. Com isso as pessoas diziam ao PS que não levavam a sério o seu afã legiferante sobre corrupção e que isso era apenas a verificação da exígua vontade do partido no governo de combater a corrupção.
Interrogado pela televisão, o engenheiro Cravinho disse o mesmo ainda que em termos relativamente suaves.
O dr Alberto Martins, deputado também, ex-militante de um partido a que Cravinho também pertenceu, conotado antigamente com o “sampaísmo” de que Cravinho é assumidamente uma das principais figuras, veio dizer no seu estilo pomposo que “o PS não recebe do eng. Cravinho lições sobre combate á corrupção”. Curiosamente, desta vez não acusou Cravinho de “tremendismo” palavra de que Martins particularmente gosta ainda que se duvide que ele saiba o que ela, de facto quer dizer (dá-se-lhe uma pista? Pois não! Literatura espanhola do post-guerra...). Seria um progresso no discurso fatigado de Martins se, ao verificar melhor, não víssemos que ele tem razão.
O PS não recebe lições de combate à corrupção de ninguém. Nem disso nem de coisa alguma. Nem de combate, acrescente-se. Melhor dizendo, o PS não combate a corrupção. Se calhar é porque acha que ela não existe. Ou que existe em quantidade negligenciável e daí a comissão que propôs.
O público, nós, é que está enganado. Aquilo a que prosaicamente chamamos corrupção não o é. É bom governo, boa gestão dos negócios públicos e privados, água limpa da fonte ou nem isso: água destilada!
Martins, com esta expressão arrisca-se a passar por pateta ou por patético. Ou até pelas duas coisas ao mesmo tempo. É que pode ocorrer que amanhã, o eng. Sócrates diga que Cravinho é um vulto incontornável na democracia e no socialismo português (se já o disse de Alegre porque não o há-de dizer de Cravinho?) ou outra banalidade idêntica e lá temos Martins a fazer o pino.
Mas há mais: a época eleitoral aproxima-se e começa a ser urgente apresentar cara lavada aos eleitores. Mal ou bem, estes têm Cravinho na conta de homem sério, que sabe do que fala, mesmo que, do meu particular ponto de vista, devesse ter recusado o exílio dourado para onde o despacharam (como Ferro aliás, diga-se de passagem).
Ao aceitarem cargos no exterior estes cavalheiros deixaram que sobre eles planasse uma dúvida. E na dúvida, dizia um velho mestre de bridge, paus por baixo. Ou seja: não se aceitam as prebendas que nos dão a título de consolação. Vem na “Eneida”(II, 49) a grande frase de Laoconte: timeo Danaos et dona ferentes. Com isso queria dizer que se arreceava dos gregos mesmo quando estes davam presentes. No caso, o presente era um cavalo enorme de madeira. O resto da história é conhecido. Tróia foi destruída e Ulisses reconhecido como o mais ardiloso dos heróis.
Deixemos, porém, os nossos clássicos, e voltemos ás nossas encomendas. Corre insistentemente, na nossa sociedade, o rumor de que há uma farta quantidade de políticos nacionais, regionais e locais corruptos até ao tutano. De vários apontam-se fortunas escandalosas, enriquecimentos súbitos, divórcios milionários (alguém teria dado à ex-mulher, meio milhão de contos, ou seja dois milhões e meio de euros, para a senhora se aquietar e permitir ao ex-chefe de família um futuro radioso com uma qualquer secretária ou similar com vinte anos a menos e paciência para os achaques da velhice que aliás podem ser suprimidos com a famosa cantárida azul da pfizer), vidas de estadão e o que mais se verá. Mais dia menos dia, estas historietas atingirão os media, quiçá alguma autoridade mais distraída e as ligações perigosas surgirão resplendentes à luz baça do dia.
Um político inteligente, e era isso que se deveria esperar de Martins, teria criticado Cravinho sem aquele arroubo definitivo e ultramontano. Convém ao PS, conviria a Martins, ser mais humilde, que o forno não está para bolos, como dizem os nossos vizinhos espanhóis. E mais elegante, se é que isso se pode exigir ao partido e ao seu coordenador parlamentar. É que a elegância não paga imposto mas dá dividendos. Ao contrario da verborreia e da desqualificação gratuita...

*a gravura foi roubada do blog macroscópio que parece de boa leitura. Obrigadinhos...

Sem comentários: