mcr em Lisboa bavardando e cervejando com jcp e jvc
Dizem por aí que, quando não há onde meter o dente, se inventa um bey de Tunes a quem ferrar na canela. Não, leitorinhas, nada disso, desta vez a crónica tem substância, quanto mais não seja porque permite explicar o “bavardando” e o resto. Comecemos por esse gerúndio esdrúxulo. Ouvi-o com estas que a terra há-de comer, em Paris, num hotelzinho da Rue de Saint Sulpice onde em tempos me instalava. Certo dia, esperava pela CG :os homens, e este em particular, tem este fado mofino: esperam – e desesperam – pelas mulheres. Preferivelmente pelas próprias mas conheço muito marau que acumula com as alheias como um certo cavalheiro que em tempos não demasiadamente longínquos subia o Chiado sussurrando às cidadãs desprevenidas, e sós!, duas simples palavrinhas: “tenho vícios!”. Ao que me consta a coisa não era tão descabida como à simples escrita parece, porquanto testemunhas idóneas garantem que aquele investimento rendia mais do que no BPP ou no BPN... e mais duradouramente.
Mas voltemos, ó amáveis criaturinhas, à vaca fria: estava eu como dizia, a ler um jornal de véspera enquanto esperava que a CG se decidisse a dar um ar de sua graça, descendo para a portaria do hotel quando vejo o meu vizinho, cavalheiro de bom ar levantar-se e dirigir-se a duas senhoras que surdiam do elevador: “com que então bavardando, bavardando, disse o meu companheiro de espera às damas que vinham embrenhadas numa conversa desatada, parando a cada passo, sorrindo e acotovelando-se. Só um brasileiro seria capaz desse prodígio de nacionalizar o francesíssimo “bavarder” que, se não estou em erro, vem do argot, e significa falar de coisas sem importância, preguiçosamente e sem intenção especial.
Pois foi exactamente, ou quase, o que aconteceu ontem num antro simpático, velhacouto do João Vasconcelos Costa. Depois de saber que eu viria a ares à capital, marcou reunião urgente no “beer’hunter” e convocou para o efeito o José Correia Pinto, um velho colega e amigo meu, animador dessa coisa excelente que se chama Politeia e que é um dos blogs fundamentais para quem pretende perceber o que se passa. Já não nos víamos desde os “Estados Gerais” essa gorada tentativa de Guterres para animar, com independentes, o P.S. Razões várias e vícios antigos daquele aparelho que não gosta de novidade fizeram com que o espírito “estados gerais” soçobrasse em pouco tempo.
Foi pois uma reunião de “antigos combatentes” (que não depuseram as armas...) e que ainda se conseguem surpreender e indignar com o espectáculo de “la misére en milieu politique” se me permitem citar e “desviar” um texto famoso de 68. Ou por outras palavras, como se verá, lá fomos conversando com o fito de “tornar a vergonha ainda mais vergonhosa expondo-a à luz do dia” (cito de memória). De facto, enquanto íamos aviando umas “boémias” fomos relembrando este presente hostil (tout en bavardant), passámos em revista o estado da nação e dos seus rastaquouères, dos seus “chiens de garde” (ah que falta faz o Nizan!) e demais ouropéis com que a república se vai alegremente afundando. En passant, relembrámos um rapaz do nosso tempo que aportou à Coimbra de lavados ares enroupado na direita preguiçosa e que quase no fim do curso deu um pinote para a esquerda moderada e cautelosa. Depois do 25 A alistou-se no “partido” e foi em breves anos uma vedeta parlamentar. Por fas ou por nefas saiu com estrondo e foi cortejando o P.S. até, prodígio maravilhoso, este o recompensar com um cargo sem importância mas muito bem pago. Tem graça: vinha da direita, deu a volta dos tristes ao bilhar grande, e ei-lo quase igual ao que era nos primeiros sessenta mas mais velho, mais “ajuizado, e notoriamente mais rico ou em vias de o ser. Que lhe preste!
Somos gente de uma geração que passou a inteira juventude e uma parte não negligenciável dos seus vinte anos sob o capote caserneiro do salazarismo, lutando abertamente contra isso, contra esse vício do pensamento e contra outros mais subtis e porventura mais profundos e que eram/são os preconceitos e as taras da obediência sacralizada, do escândalo privado, do soalheiro político e ético para não falar de alguns vícios menores propostos à beatificação. Por outras palavras, vivemos e continuamos a viver num mundo a que se aplica (e cito outra vez de memória) o verso de Nietzsche: “não o teres derrubado ídolos/ mas tê-los derrubado dentro de ti/eis a tua maior vitória”. De facto, estávamos, e estamos, cercados de “revolucionários” sem revolução (e sem revolta) que pensam que a simples substituição dos santos nos altares muda o estado da igreja.
Estávamos, e estamos, cercados de pequenos merceeiros que encaram a vida como deve-haver e que solicitam as atenções da clientela potencial como as “meninas” da Rue de Saint Denis solicitavam os peregrinos de Santiago.
Estávamos e estamos rodeados de velhos jovens cheios de empáfia que se tomam por monumentos mesmo quando à primeira vista ninguém os leve mais a sério do que um desses antigos, úteis e esquecidos urinóis públicos. E de jovens velhos (nasceram assim) que fazem tábua rasa de tudo, porque não viveram, não aprenderam, não erraram nem criaram. Uns e outros mandaram a política às malvas e pensam que os partidos mais não são do que máquinas distribuidoras de empregos, sinecuras, aposentadorias e caixas de esmolas. Não deixa de ter graça (duvidosa graça) verificar que para isso precisam de tornar os pobres ajuntamentos partidários em organizações monolíticas onde não se tolera a critica e muito menos o debate de ideias.
E disso falámos, melhor dizendo bavardámos, porque sabemos que não vale a pena levar muito a sério estas aves de arribação. De galinhas que querem ser águias mas que não passam de urubus. É pr’ó que estamos....
Quando nos despedimos, achei que lhes poderia dizer em guisa de consolo: malta ainda estamos vivos.
* este texto foi escrito no dia 4, pp, mas o autor esqueceu-se de o postar. A coisa explica-se: tinha acabado de adquirir num alfarrabista um exemplar do Tôkaidô de Hiroshige e uma edição facsimilada do Linschotten, editada pela Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses. A beleza das ilustrações de ambos pregaram-me a um maple até altas horas. Esqueci-me do pobre prato que tinha no forno e o post ficou em águas de bacalhau. Segue agora, com um abraço para os dois amigos citados. E para os leitores que me aturam ficam as duas belas gravuras. Numa delas, a da fusta, vão dois portugas em busca da árvore das patacas...
** Itinerário, Viagem ou Navegação de Jan Huygen van Linschoten para as Índias Orientais ou Portuguesas, Lisboa 1987
Tôkaidô, Hiroshige, ed. sp. pour le Cercle des Amis du Crédit Lyonais, Paris, ed. du Chéne, 1960
Mas voltemos, ó amáveis criaturinhas, à vaca fria: estava eu como dizia, a ler um jornal de véspera enquanto esperava que a CG se decidisse a dar um ar de sua graça, descendo para a portaria do hotel quando vejo o meu vizinho, cavalheiro de bom ar levantar-se e dirigir-se a duas senhoras que surdiam do elevador: “com que então bavardando, bavardando, disse o meu companheiro de espera às damas que vinham embrenhadas numa conversa desatada, parando a cada passo, sorrindo e acotovelando-se. Só um brasileiro seria capaz desse prodígio de nacionalizar o francesíssimo “bavarder” que, se não estou em erro, vem do argot, e significa falar de coisas sem importância, preguiçosamente e sem intenção especial.
Pois foi exactamente, ou quase, o que aconteceu ontem num antro simpático, velhacouto do João Vasconcelos Costa. Depois de saber que eu viria a ares à capital, marcou reunião urgente no “beer’hunter” e convocou para o efeito o José Correia Pinto, um velho colega e amigo meu, animador dessa coisa excelente que se chama Politeia e que é um dos blogs fundamentais para quem pretende perceber o que se passa. Já não nos víamos desde os “Estados Gerais” essa gorada tentativa de Guterres para animar, com independentes, o P.S. Razões várias e vícios antigos daquele aparelho que não gosta de novidade fizeram com que o espírito “estados gerais” soçobrasse em pouco tempo.
Foi pois uma reunião de “antigos combatentes” (que não depuseram as armas...) e que ainda se conseguem surpreender e indignar com o espectáculo de “la misére en milieu politique” se me permitem citar e “desviar” um texto famoso de 68. Ou por outras palavras, como se verá, lá fomos conversando com o fito de “tornar a vergonha ainda mais vergonhosa expondo-a à luz do dia” (cito de memória). De facto, enquanto íamos aviando umas “boémias” fomos relembrando este presente hostil (tout en bavardant), passámos em revista o estado da nação e dos seus rastaquouères, dos seus “chiens de garde” (ah que falta faz o Nizan!) e demais ouropéis com que a república se vai alegremente afundando. En passant, relembrámos um rapaz do nosso tempo que aportou à Coimbra de lavados ares enroupado na direita preguiçosa e que quase no fim do curso deu um pinote para a esquerda moderada e cautelosa. Depois do 25 A alistou-se no “partido” e foi em breves anos uma vedeta parlamentar. Por fas ou por nefas saiu com estrondo e foi cortejando o P.S. até, prodígio maravilhoso, este o recompensar com um cargo sem importância mas muito bem pago. Tem graça: vinha da direita, deu a volta dos tristes ao bilhar grande, e ei-lo quase igual ao que era nos primeiros sessenta mas mais velho, mais “ajuizado, e notoriamente mais rico ou em vias de o ser. Que lhe preste!
Somos gente de uma geração que passou a inteira juventude e uma parte não negligenciável dos seus vinte anos sob o capote caserneiro do salazarismo, lutando abertamente contra isso, contra esse vício do pensamento e contra outros mais subtis e porventura mais profundos e que eram/são os preconceitos e as taras da obediência sacralizada, do escândalo privado, do soalheiro político e ético para não falar de alguns vícios menores propostos à beatificação. Por outras palavras, vivemos e continuamos a viver num mundo a que se aplica (e cito outra vez de memória) o verso de Nietzsche: “não o teres derrubado ídolos/ mas tê-los derrubado dentro de ti/eis a tua maior vitória”. De facto, estávamos, e estamos, cercados de “revolucionários” sem revolução (e sem revolta) que pensam que a simples substituição dos santos nos altares muda o estado da igreja.
Estávamos, e estamos, cercados de pequenos merceeiros que encaram a vida como deve-haver e que solicitam as atenções da clientela potencial como as “meninas” da Rue de Saint Denis solicitavam os peregrinos de Santiago.
Estávamos e estamos rodeados de velhos jovens cheios de empáfia que se tomam por monumentos mesmo quando à primeira vista ninguém os leve mais a sério do que um desses antigos, úteis e esquecidos urinóis públicos. E de jovens velhos (nasceram assim) que fazem tábua rasa de tudo, porque não viveram, não aprenderam, não erraram nem criaram. Uns e outros mandaram a política às malvas e pensam que os partidos mais não são do que máquinas distribuidoras de empregos, sinecuras, aposentadorias e caixas de esmolas. Não deixa de ter graça (duvidosa graça) verificar que para isso precisam de tornar os pobres ajuntamentos partidários em organizações monolíticas onde não se tolera a critica e muito menos o debate de ideias.
E disso falámos, melhor dizendo bavardámos, porque sabemos que não vale a pena levar muito a sério estas aves de arribação. De galinhas que querem ser águias mas que não passam de urubus. É pr’ó que estamos....
Quando nos despedimos, achei que lhes poderia dizer em guisa de consolo: malta ainda estamos vivos.
* este texto foi escrito no dia 4, pp, mas o autor esqueceu-se de o postar. A coisa explica-se: tinha acabado de adquirir num alfarrabista um exemplar do Tôkaidô de Hiroshige e uma edição facsimilada do Linschotten, editada pela Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses. A beleza das ilustrações de ambos pregaram-me a um maple até altas horas. Esqueci-me do pobre prato que tinha no forno e o post ficou em águas de bacalhau. Segue agora, com um abraço para os dois amigos citados. E para os leitores que me aturam ficam as duas belas gravuras. Numa delas, a da fusta, vão dois portugas em busca da árvore das patacas...
** Itinerário, Viagem ou Navegação de Jan Huygen van Linschoten para as Índias Orientais ou Portuguesas, Lisboa 1987
Tôkaidô, Hiroshige, ed. sp. pour le Cercle des Amis du Crédit Lyonais, Paris, ed. du Chéne, 1960
5 comentários:
Meu Caro Amigo
Um dia destes temos de levar o JVC ao Porto, para mais uma noite de conversa...Mas sem passar por Coimbra, que lhe causa tédio...
Abraço Amigo
JMCP
Mesmo o Porto, só para ir ao Bull & Bear e com garantia de não me encontrar com o Santos Silva :-)
“Bavardar”e “cervejar” com amigos é sempre um excelente programa.
Eu sou amigo do Artur Santos Silva desde coimbra. Acho-o, e por esta ordem, um sério e honrado democrata, um grande jogador de bridge e um fino banqueiro (disse banqueiro e não bancário).
A menos que tu, JVC, te refiras a outros Silvas mas nesse caso tens de pôr mais no prato. Não tem mal que depois de suja, a loiça pode sempre lavar-se e fica como nova...
Mea culpa! Nem tinha pensado no Santos Silva Artur, por quem tenho grande consideração, apesar de só o conhecer de raspão, em coisas da gulbenkian.
Claro que falava do Santos Silva Augusto, que creio que não é nada ao primeiro. De facto, não era muito compreensível, porque o inefável académico Augusto anda agora é por Lisboa, mas continua a ser para mim um genuíno produto tripeiro.
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