A notícia hoje saída no Público, com o título “Mais de 75 por Cento de Reprovações nos Exames de Acesso à Magistratura”, remete-me para as questões já aqui colocadas, no Incursões, em 21 de Maio, em post com o título “Devia dar mais que pensar…”, do qual se respiga:
(…)”Terá o CEJ feito a reflexão que, nas alegadas circunstâncias, parece impor-se, sobre eventuais responsabilidades que a própria instituição poderá ter nesse estado de coisas?
Sendo a elaboração dos testes escritos de admissão da responsabilidade única do CEJ, será que este já reflectiu sobre a eventual (in)adequação das provas ao objectivo de, por meio delas, encontrar os candidatos com “mais do que as qualidades mínimas”?
E será que já reflectiu sobre a questão primeira, qual seja, o que entende por tais “qualidades mínimas”?Está em aberto a discussão sobre o Projecto de alteração à Lei do CEJ.
Sobre a determinante questão do recrutamento/selecção a única novidade é a consensual eliminação dos dois anos de “vacatio” após licenciatura.
Pelos vistos, os ilustres representantes do MJ, do CSM, da PGR, do CSTAF e o director do CEJ entendem que tanto bastará para que os “melhores” abundem nos concursos. Bastará?”
Também no Incursões, logo a 22 de Maio, escrevia Til:
“O modo de acesso ao CEJ é o tradicional: uma prova escrita em que se arrasam as expectativas de uma larga maioria dos candidatos e uma prova oral conciliadora e atenta às necessidades numéricas fixadas. Se as dificuldades levantadas nas provas escritas fossem transferidas para as provas orais, estou em crer que, em muitos anos, o CEJ funcionaria para meia dúzia de alunos. Mais recentemente, dos que vão à oral, é-lhes feita uma avaliação psicológica sumária com uma capacidade de triagem pouco significativa.
É neste contexto que a entrada no CEJ é, para a generalidade dos casos, um acaso.”(…)
Como contributo para o debate destas questões - que continua a não ter, ao que parece, outros "palcos" para além de iniciativas sindicais ou espaços de liberdade como os blogs... - transcreve-se excerto da comunicação apresentada no Colóquio Internacional sobre formação, que teve lugar no dia 28 de Maio, na Póvoa do Varzim, pelo Procurador da República Dr. Rui do Carmo, actualmente a exercer funções no CEJ.
(…) “Defendo que não deve existir qualquer limitação a que os licenciados em Direito, logo que concluída a licenciatura, sejam candidatos ao ingresso em ambas as magistraturas. Em Portugal foi essa a regra durante cerca de 20 anos e não existe nenhuma demonstração de que tenha sido um erro ou que se tenha traduzido nalguma diminuição da qualidade ou da capacidade de resposta do sistema.
Decisivo para uma correcta aplicação do direito é o nível de formação, a qualificação profissional e cultural, que os magistrados possuam os conhecimentos necessários à compreensão dos vários aspectos da realidade social, e não a idade.
A primeira questão que se coloca é a de saber se o concurso a que terão de ser submetidos estes candidatos visa tão só fazer uma reavaliação da aprendizagem obtida na licenciatura dos conhecimentos essenciais das principais áreas do direito – justificada pela existência de um número significativo de instituições que formam licenciados em direito, com currículos, critérios de selecção e de notação diferentes, ou simplesmente pela necessidade de seleccionar um número de pessoas muitíssimo inferior ao número de candidatos.
Entendo que não, pois a resposta afirmativa seria contraditória com o já afirmado objectivo de contribuir para o recrutamento, selecção e formação de magistrados tecnicamente competentes, culturalmente esclarecidos e socialmente empenhados, assim como com o conteúdo da formação que proporei mais à frente.
Assim sendo, que outros aspectos terão de ser considerados?
É essencial a avaliação do correcto domínio da língua em que se têm de exprimir, tanto na forma escrita como na forma oral – pois, para além da sua importância na interpretação da lei e na compreensão do objecto processual, a capacidade de comunicação, de fundamentação e explicação acessível aos cidadãos das decisões dos tribunais é hoje uma exigência do estado de direito democrático.
É essencial avaliar a informação do candidato sobre os temas não jurídicos essenciais para um esclarecido exercício das funções de magistrado, bem como se está suficientemente informado sobre os principais temas da actualidade e de interesse geral, e se mostra capacidade de os debater de forma fundamentada – pois a administração da justiça não é somente um exercício técnico-jurídico.
Deve exigir-se que o candidato conheça suficientemente bem a organização judiciária, as funções e os estatutos das profissões forenses, que tenha uma ideia cívica clara sobre as regras éticas e deontológicas exigidas no exercício das funções de juiz ou de procurador – ou seja, que tenha obtido informação suficiente e tenha uma ideia clara sobre a profissão que pretende abraçar.
E a avaliação dos conhecimentos de direito deve incidir essencialmente sobre a capacidade, em face de situações concretas, de sobre elas reflectir, de utilizar adequadamente os conhecimentos jurídicos pertinentes, de encontrar para elas respostas jurídicas suficientemente fundamentadas, de demonstrar ponderação na sua análise – ou seja, uma avaliação não limitada ao conhecimento memorizado, ou à transcrição acrítica da doutrina e da jurisprudência disponíveis.
Devemos preocupar-nos em construir provas de acesso capazes de aferir estes conhecimentos e estas competências.
Também a análise e discussão curriculares devem integrar o concurso público de ingresso, mesmo no caso dos jovens licenciados.
Hoje, em Portugal, a lei prevê que os candidatos sejam submetidos a uma entrevista, realizada pelo júri do concurso assessorado por um psicólogo. E são excluídos os candidatos que não obtenham a menção de Favorável nessa entrevista. O que acontece na prática é que os candidatos são entrevistados por um psicólogo que se limita a procurar despistar as situações de psicopatologia.
Entendo que este tema se deve debater sem complexos, o que passa, em primeiro lugar, pela definição do que se pretende realmente avaliar ou despistar, pela subsequente escolha dos instrumentos científicos a utilizar e pela definição do respectivo regime. Nada tenho, em princípio, contra a avaliação psicológica dos candidatos ao ingresso na magistratura, mas tenho tudo contra o facto de nada estar claro, como acontece na lei portuguesa, quanto ao seu modo de realização, objectivo e regime.
Mas, esta via de ingresso – a via de ingresso preferencialmente procurada pelos jovens licenciados em direito - deve coexistir com uma outra dirigida a candidatos com reconhecida experiência e competência profissionais em outras funções jurídicas, em que também se respeite o princípio do concurso público.
A coexistência de uma via de ingresso destinada a outros profissionais permitiria uma maior diversidade de idades, de trajectos e de experiências profissionais no exercício das mesmas competências funcionais – o que constituiria um ganho de independência, de pluralismo e de potencial adequação das respostas a produzir pelo sistema judiciário.
Claro que o modo e os critérios de selecção dos candidatos terão de ser distintos numa e noutra via de ingresso na magistratura, devendo ter nesta que agora propomos uma importância predominante a avaliação curricular.
Curiosamente, as propostas institucionais que hoje se começam a conhecer em Portugal abstêm-se de reflectir sobre estes problemas." (...)
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