21 setembro 2004

Nove dias...?

Nove dias (incluindo sábados e domingos) é, afinal, o (pouco) tempo que o Ministério da Educação precisa para fazer e afixar as listas de colocação de professores.
Se assim é e mesmo que se tenha por aceitável (?) a credulidade da ministra num conjunto de informações que lhe vinham sendo dadas, numa fase em que havia mais que razões para nelas não confiar sem mais, impõe-se perguntar porque não lhe ocorreu organizar, em tempo e com calma, um grupo de trabalho para, em simultâneo com a colocação via programa informático, proceder à colocação cautelar por via "manual".
Seria para tentar, ainda, salvar a face da Compta de Rui Machete e Couto dos Santos? Ou seria por pura incompetência?

Ainda que a 30 de Setembro as listas de colocação de professores sejam publicitadas, certamente decorrerá prazo para eventuais reclamações. E se, por milagre, as não houvesse, ainda assim não se percebe como poderão professores colocados em locais mais distantes da sua residência (e não serão poucos) estar a iniciar as aulas no dia seguinte, sem grave sacrifício pessoal e também para as suas bolsas e famílias.

Ou seja: se se cumprirem os 9 dias (prazo que a ministra, mais uma vez assegura será cumprido), daqui a 15 dias já talvez a maioria das escolas esteja a funcionar em pleno. Como compreender, então, que a moratória concedida (e, aliás, facultativa) para a prorrogação do ano escolar seja de apenas uma semana?

Pró não chega, Nicodemos já aqui nos informou que muitos professores efectivos, à falta de alunos e na impossibilidade legal de determinar a sua deslocação, estão na prateleira. Entretanto, os pais que trabalham e cujos filhos ainda não iniciaram as aulas (ou todas as aulas) vêem-se em palpos de aranha para não os deixar ao Deus dará durante grande parte do dia; aliás, mesmo quando as escolas estão em pleno funcionamento, muitos são os casos em que os alunos apenas têm actividades escolares numa parte do dia. Daí que muitos pais tenham que fazer enormes sacrifícios para pagar uma escola particular, que os tempos que correm não estão para facilitismos no que respeita aos tempos livres das crianças e jovens; ou então ocupam-nos em explicações, que o estudo acompanhado nas escolas públicas não abunda.
Também será assim nas tais escolas que têm professores excedentários?

Haverá, entre os nossos leitores, conhecedores destas matérias e que possam lançar alguma luz sobre estas singelas perpelexidades?

10 comentários:

Anónimo disse...

"Em nove dias, vai-se conseguir fazer à mão o que um sofisticado programa de informática que parece ter custado 600 000 euros não consegue fazer há meses? Ora sebo: se é assim tão simples, porque é que não o fizeram logo que se viu que o programa ia dar bronca, tendo-se resolvido com calma e em tempo normal todos os problemas? Mais ainda: se a coisa se faz à mão, numa emergência, em nove dias, isso deve querer dizer que num mês se resolve nas calmas, sem ser preciso programa nenhum e muito menos por preços astronómicos?"

um pouco mais de azul"

Anónimo disse...

"A Ministra da Educação encontra-se a proferir uma conferência de imprensa, acompanhada por mais 2 ministros, dando conta das medidas e da situação referente a um problema que afecta milhões de pessoas no país: alunos, professores e famílias.
É possivelmente a mais grave crise de confiança no Estado por parte de significativa parte da população.
E o que fazem as televisões e as rádios?
Com excepção da Sic Noticias, todas mantiveram a programação.
A RTP um concurso, A RTP2 uma coisa qualquer, a SIC os Malucos do Riso, a TVI publicidade e a TSF a Bancada Central.
São critérios, eu sei. Ah, mas se fosse o Trapatoni a demitir-se...

Enfim, como se já se tornou hábito dizer nos dias de hoje, "Pobre país. O nosso."
Gabriel Silva at 21:52 | Muitas heresias (4)
http://ablasfemia.blogspot.com/

Primo de Amarante disse...

O escândalo do atraso na colocação dos professores desvenda uma pequena parte do lodaçal em que caiu a "cultura" política dos partidos. Sempre que um partido ganha as eleições toma como divisa pôr em causa tudo o que foi feito anteriormente. E isso serve de cortina de fumo para esconder uma concepção do Estado que hoje é dominante: o Estado é um bolo para ser dividido entre os apaniguados do partido que ganha as eleições. Abandonou-se o conceito de serviço público e de ética da responsabilidade. Aos partidos o que interessa é satisfazer clientelas.Arranja-se, então, forma de pagar serviços aos amigos e dar emprego(que sejam bem pago)aos apaniguados. Tinhamos um sistema de colocação de professores que durante 20 anos funcionou, mas era preciso distribuir uma fatia do bolo do orçamento dos contribuintes (os que pagam impostos) aos "amigos" (os que não pagam impostos). Por isso, encomendou-se um novo sistema informático e, curiosamente, a empresa que fornece este sistema, naturalmente por concurso (a propósito, diz-se que um conhecido "dono da bola" e autarca polémico costuma dizer aos seus correligionários que é com as contas bem feitas que se engana o parceiro!), pertence a dois notáveis do partido que governa. O que acontece com esse sitema, que custou balurdios para complicar o ano lectivo, acontece com a alteração dos programas para possibilitar às editoras ganhar rios de dinheiro com a elaboração de manuais que (impingidos em almoços) infantilizam os alunos. A escola está entregue à burocracia (o que é dito numa reunião de grupo, é repetido na reunião de departamento e novamente repetido no conselho pedagógico, havendo para cada repetição do que já foi dito reuniões intermináveis), ao experimentalismo e ao facilitismo. Não se estimula a função social dos professores, a sua autoridade moral e a sua competência científica. A escola degradou-se, porque foi extinta a profissão de professor.
Felizmente que estou no ano zero! Só tenho saudade dos alunos.

josé disse...

Compadre Esteves:

O que escreveu é um retrato desapiedado do nosso sistema político-partidário. Quem se filia no partido PS/PSD, fá-lo por várias razões. Duvido que a principal seja a que deveria ser: prestar serviço à comunidade, sem interesse imediato ou remoto, no efeito de retorno do serviço prestado.
Quem manda nas Câmaras,serviços públicos dirigidos por "pessoal de chefia" e organismos centralizados do Estado, está, na sua arrasadora maioria, vinculado a obediências várias, com destaque para a devida atenção a dar "aos nossos".

Sempre foi assim?! Talvez. Mas tem-se alargado a linha divisória, recuando a mesma para territórios que antes se atravessavam a medo: o da corrupção desbragada e corrente; o nepotismo mais desavergonhado e presente.
Com uma agravante de peso que é a escalada imparável da incompetência e a institucionalização do princípio de Peter.

Dantes, ao escrever estas coisas, pensava duas vezes se não estaria a ser demasiado cassândrico. Hoje, não tenho dúvidas de que a realidade, como de costume, ultrapassa a ficção. E o problema generalizou-se na sociedade.
Por exemplo, fala-se na questão da incompetência do ministério da Educação, mas ainda ninguém se lembrou de falar nos atestados médicos em massa que entraram "no sistema" para justificar as doenças adequadas aos destacamentos. São doenças à Moliére e atestados como os de GUimarães...

Kamikaze (L.P.) disse...

Mais perplexidades:pareceu-me que João Soares, que ouvi ontem à noite na Sic Notícias, em debate com Manuel Alegre e José Sócrates, defende que as colocações de professores passem a ser feitas pelas...autarquias! Devo ter percebido mal, pois não ouvi nenhum dos outros candidatos, designadamente Alegre, que levanta (ainda que a meia haste) a bandeira do combate ao clientelismo partidário, mormente a nível do poder local, dizer uma palavra contra.
Já hoje, no Forum TSF, um ou outro participante fez a mesma sugestão que João Soares. Pacificamente.
E um outro sugeria que as escolas passassem a poder contratar professores desempregados para acompanhar os alunos que precisassem de apoio de recuperação.
Esta última proposta pode parecer, à 1ª vista, interessante (desde que as escolas de que fala Nicodemos - as tais que têm professores efectivos "a mais", sem trabalho distribuído e a ganhar ordenado - não pudessem recorrer a esse método). Mas será que haveria muitos professores a querer trocar o rendimento de explicações, "isento" de impostos, por esse vínculo precário e pagador de contribuições? Bem, alguns haveria. Talvez a proposta mereça reflexão.

Primo de Amarante disse...

Caro José e querida kamikase (não sei se neste tratamento estou a ser inconveniente, peço desculpa!): ser honesto, procurar orientar a acção por princípios universalizáveis é, hoje, andar com o passo trocado na marcha de um batalhão. Encontrei na rua um velho amigo (daqueles que se muda de passeio para abraçar)e, estabelecida conversa, depois de pormos em comum desgraças da vida, veio o estafado tema: «isto bateu no fundo!» Com este meu amigo partilhei, antes do 25 de Abril, muitas esperanças. Estivemos ambos ligados à Confronto - uma cooperativa de preocupações civicas e culturais à qual também pertenceu Sá Carneiro e o saudoso César de Oliveira.Inscreveu-se no PSD e sempre me considerou um esquerdista. Depois de muito o ouvir, interoguei-o: «porque temos tantos pontos em comum?» E ele explicou-me: «a nossa matriz, aquilo que cria o enfoque da nossa conversa, é comum: defendemos hoje, como ontem, o velho princípio cristão de que o que queremos para nós só é legitimo se, nas mesmas circunstâncias, também valer para os outros. E a crise da nossa sociedade consiste na ideia de que aquele que primeiro "agarra", deita a mão a qualquer coisa, é o mais esperto e ser mais esperto é ter sucesso e ser o maior! Hoje vale tudo e já não há bussolas que orientam a acção, muito particularmente a acção política. Por isso, vemos os mais medíocres da nossa geração e das gerações que nos seguiram serem uma espécie de "donos do mundo"».
E achei que ele tinha toda a razão.

Primo de Amarante disse...

Só um pequeno esclarecimento: as escolas não têm professores a mais. Mesmo os que estão no ano zero (na maioria dos casos são os que têm direito à reforma durante o ano lectivo ou, então, preparam trabahos científicos ou estão doentes) são obrigados a prestarem 20 horas de trabalho. Na maior parte dos casos, esse trabalho consiste em organizar bibliotecas, laboratórios ou a prestar apoio pedagógico aos alunos considerados "casos difíceis". Para mim, a vantagem do ano zero é a de não ter de aguentar com as estafadas reuniões de professores e poder passar à reforma sem esperar que o ano lectivo termine.

Primo de Amarante disse...

A propósito de "ninguém se lembrar de falar nos atestados médicos em massa que entraram "no sistema" para justificar as doenças adequadas aos destacamentos", parece-me que isso é um exagero. Ouvi falar disso na Imprensa, mas não sei se é generalizável. De qualquer forma, as direcções regionais do ME e os Conselhos Executivos das escolas têm meios para combater essa vigarice e os professores que, com isso, se sentem prejudicados também podem reclamar, como aconteceu em Viseu com uma senhora esposa de um deputado do PSD, que, por via da reclamação de uma sua colega, foi obrigada a deixar a escola de destacamento. O grave é a impunidade de quem manda!

Kamikaze (L.P.) disse...

Olá querido compadre :)

Quanto aos falsos atestados médicos, existem, oh se existem, da banda de professores, mas são os próprios colegas que criticam que se calam...

O que essa professora fez relativamente à colega do PSD pouca gente faz, em qualquer profissão, neste país. Não temos uma cultura de fazer valer os nossos direitos. Quantas vezes se ouvem queixas de quem tinha ao seu dispor os meios para reclamar de situações que os atingem e, vai-se a ver, nada fazem a não ser desabafar em voz mais ou menos baixa... medo de criar inimizades, de "ficar queimado" entre os pares (ou junto das chefias, se foremelas as "reclamadas")e vir a ser prejudicado; ou não querer ser apodado de "delator", que é coisa que ainda assusta muita gente que não percebe que as "delaçôes" de ilegalidades e iniquidades são uma obrigação cívica, pois reforçam a confiança e a própria estrutura da sociedade democrática. Devem ser resquícios culturais de outros tempos...

Primo de Amarante disse...

Só queria que a minha querida amiga Kamikase me desse o benefício de não pensar que o meu comentário pretendeu corporativamente "lavar" comportamentos indignos. Sou professor há muitos anos, percorri todos os cargos que um professor no ensino secundário pode percorrer e não dei conta desse generalizado recurso aos atestados falsos. É certo que algumas faltas só são justificáveis com atestados, mas isso não significa entregar atestados para passar à frente de colegas, como é o caso dos atestados para justificar destacamentos. Mas a minha experiência não é generalizável. Conheci, sim, casos dramáticos de professores que não conseguiam dar aulas por receberem turmas de alunos muito difíceis. Lembro-me de um caso patético: estava no Conselho Directivo e fui chamado para ir a uma aula onde uma professora estava aos berros. Fui a essa aula e a colega, sozinha,virada para o quardro, explicava uma operação matemática em altos berros. Chamei repetidamente por ela, e a professora, quando se virou para mim, completamente desvairada, perguntou-me, assustada, pelos alunos que deveriam estar na sala. A professora tinha abafado o ruído da turma com os seus altos berros e os alunos aproveitaram o barulho da professora para saltarem pela janela para o recreio.Conheço outros casos (dramáticos)de professores que tiveram de ter tratamento psiquiátrico por não conseguirem criar um ambiente pedagógico que lhes possibilitasse ensinar. O professor que respeita os regulamentos disciplinares tem muita dificuldade em impor disciplina, com é sabido.