11 dezembro 2004

Só faltam mesmo as câmaras de gás

Hoje não me apetece ser grego.
Leio no Guardian um artigo sobre “actuações” do exército de Israel na Palestina. Um oficial do dito dispara sobre o corpo já morto de uma miúda de 13 anos, que se não era terrorista, havia de ser. Soldados do mesmo entretêm-se a meter cigarros na boca de cadáveres de palestinianos. E para acabar, num posto de controlo, um grupo dos tais obriga um jovem violinista a tocar música triste, no meio dos risos da rapaziada, recreando as cenas dos nazis nos campos da morte, que não dispensavam aquele acompanhamento. Os casos são verídicos e não foram desmentidos, tendo provocado o repúdio dos grupos que em Israel se opõem à guerra.
Como é óbvio, tudo se explicará como em Abu Graib, Guantanamo e semelhantes: soldados descontrolados, agindo contra as ordens dos superiores, serão exemplarmente punidos. Tal como sucedeu ao velho Sharon, que depois de abrir as portas para a matança de Sabra e Chatila, chegou a primeiro-ministro. Depois lá vem o velho argumento: e dos outros, os que rebentam com civis inocentes nos autocarros, desses não falas? A esse argumento dos outros, dos terroristas, já respondi em 1961, quando começou a guerra no norte de Angola, estou dispensado. Também não sou anti-semita. Aliás, lembro-vos que antigos discípulos do anti-semita Le Pen já arrepiaram caminho, revendo-se na política actual de Israel. Perguntem por um tal Vadim Tudor, do Partido da Grande Roménia, concorrente às últimas eleições, velho anti-semita, negador do Holocausto, que arrependido dos seus erros, não dispensa agora assessores eleitorais israelitas.
Os carrascos têm sempre os seus “aedos”, já dizia o Jacques Prévert. Só que estes, mais que os do apartheid e outros colonialistas, párias escorraçados de todas as instâncias internacionais, têm uma licença especial para matar. Uma foi-lhes dada agora pela administração americana, outra, mais antiga, são as pilhas de cadáveres das vítimas do Holocausto. Explorando e profanando a sua memória, fizeram e fazem eles próprios vítimas iguais, em nome da ocupação de terras alheias. Quando nos livros, no cinema, voltar a ver as imagens sinistras dos violinistas judeus forçados a tocar nos campos da morte, não posso deixar de me lembrar da cruel ironia de que vos falo hoje.

1 comentário:

Primo de Amarante disse...

Como sabe João Baptista é nome de cristão novo. Dizem (os que se preocupam com isso) que tenho sangue judeu. Cresci com o pavor do holocauto. Hoje,sinto o mesmo pavor em relação à miséria e sofrimento dos palestianos. O seu post sugeriu-me um outro: um curto poema de Sophia (por certo a poeta com mais sensibilidade humana dos dois últimos séculos).Com esse poema, queria prestar uma pequena homenagem ao seu post. É preciso não ignorar e muito menos passar ao lado dos que entre nós mais sofrem.