15 maio 2005

Deliberação do Conselho Geral da ASJP

O Conselho Geral da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, reunido em 14 de Maio de 2005, analisou a situação decorrente da proposta governamental de redução das férias judiciais e deliberou:

1. Manifestar pública indignação pela forma demagógica como tal medida foi anunciada e defendida pelo Governo, associando a morosidade da justiça a uma pretensa menor produtividade dos juízes e, bem assim, profunda preocupação pelo autismo político que exibiu, ignorando por completo quer as estruturas representativas das várias profissões forenses, quer o próprio Conselho Superior da Magistratura, órgão constitucional a quem cabe a gestão e disciplina da Magistratura Judicial.

2. Afirmar o entendimento de que as férias judiciais, com a duração que actualmente se mostra consagrada no nosso ordenamento jurídico (e que é idêntica, aliás, à que existe em França, Inglaterra, Bélgica, Chipre, Luxemburgo, Malta ou Roménia) assegura satisfatoriamente o funcionamento dos Tribunais e o gozo das férias de Magistrados e Funcionários que, saliente-se, têm a mesmíssima duração das férias de qualquer funcionário ou agente do Estado. Contudo, tendo em conta as projecções apontadas pelo Governo para o ganho de produtividade decorrente da redução para um mês das férias judiciais de Verão (10%), entendem os Juízes portugueses que a eliminação total das férias judiciais (de Verão, Natal e Páscoa), constituiria nessa lógica um ganho correspectivo de 25%, solução que não só aceitam como reclamam (e que é a situação vigente em países como a Alemanha, Holanda, Finlândia ou Suécia).

3. Reafirmar publicamente que os Juízes portugueses, em matéria de férias, pretendem apenas e tão somente um tratamento igual ao de qualquer servidor do Estado: igual número de dias (artº 2º do DL 100/99, de 31/, na redacção que lhe foi dada pelo DL 157/01, de 11/5), igual faculdade de as gozar em qualquer período do ano (artº 5º do mesmo diploma), bonificação pelo gozo das mesmas no período compreendido entre 1 de Outubro e 31 de Maio seguinte (artº 7º, idem), bonificação por antiguidade (art.º 2.º, n.º 3, idem), acréscimo dos dias trabalhados em dia de descanso semanal, na concretização do serviço de turno, às férias (posto que a possibilidade de os gozar num dos 3 dias úteis seguintes não é praticável, na actividade judiciária).

4. Manifestar a total disponibilidade dos Juízes para colaborar com o Governo e com o Conselho Superior da Magistratura, no sentido de:

a) Se proceder de imediato ao levantamento metódico dos problemas que obstam à celeridade processual tendo em vista o assumir das medidas adequadas à sua resolução, abrindo os trabalhos à discussão plural, se necessário constituindo uma comissão para o efeito, divulgando publicamente a evolução do mesmo e os resultados finais;
b) Se fazer um levantamento imediato dos Tribunais que têm excesso de volume processual, desproporcionado aos meios humanos e materiais existentes, com oportuna divulgação pública;
c) Se fazer um levantamento imediato das condições de trabalho deficientes, quer em instalações, quer em meios humanos, quer ainda em meios auxiliares, designadamente periciais, com oportuna divulgação pública;
d) Se fazer um ponto de situação sobre o estado da acção executiva e consequências já previsíveis que a mesma vai gerar, divulgando-o publicamente;
e) Em processo participado, mas célere, ser definido um regime de contingentação processual.

5. Solicitar à Direcção Nacional da ASJP a convocação urgente de uma Assembleia Geral Extraordinária para decisão das medidas a tomar, devendo aquela Direcção formular a tal Assembleia uma proposta concreta, detalhada e calendarizada.

Lido no site da ASJP

Notas:
- no próximo dia 23, o Ministério da Justiça vai receber a ASJP, bem como o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público para discutir esta medida já aprovada pelo Conselho de Ministros.

- para discutir o plano de acção de descongestionamento dos Tribunais aprovado pelo Governo, o SMMP organiza um encontro sindical no próximo dia 17 às 18H30, no Hotel Tivoli, sito na Av. da Liberdade em Lisboa. Segue-se um jantar. As inscrições deverão ser feitas até às 12H00 do dia 16 do corrente para: e.mail: smmp.marina@kqnet.pt ou telefone : 213 814 100.

8 comentários:

Primo de Amarante disse...

Eis como um tema sem interesse nacional (férias de uma classe profissional) se desloca para questões de interesse nacional. Assim é que está bem! Só é pena que tenha tardado tanto tempo.

Primo de Amarante disse...

O 4º tema deveria ser o primeiro.Este é o tema fundamental, o que interessa aos portugueses. Tinha tanto a dizer sobre isto, mas sei que não levava a nada, a não ser incomodar gente de quem eu gosto e simpatizo.

Kamikaze (L.P.) disse...

Pois é, esta deliberação tem pouco a ver com o tom de certas declarações e escritos vários "ameançando" com "greves de zelo" em retaliação à medida anunciada pelo governo.
Resta saber o que vai decidir a Assembleia Geral extraordinária, já agendada para Junho...

Note-se que o muito badalado argumento de que a não existência de um período fixo para as férias dificultaria muito o agendamento de julgamentos, designadamente colectivos, e colidiria com a o direito a férias dos advogados (e dos demais cidadãos chamados a tribubal em períodos tradicionais de férias, coincidentes, como é sabido, com as férias escolares), tem de ter solução, pois há países (cfr. post) onde esse regime viigora. E é bom relembrar que foi o próprio Ministro da Justiça quem, no Programa Prós e Contras da RTP1, disse que os magistrados falavam demais na dificuldade prática de organizar novos sistemas de féria, uma vez que resolver essa questão era o menos, pois se noutros países assim se fazia é porque havia maneira de o fazer.

Já agora:
enquanto não se põem em prática outras medidas tendentes à racionalição do sistema/combate à morosidade processual, o que farão aqueles muitos que vêm clamando que o tempo de "férias" é o único disponível para pôr em ordem processos mais complicados e proceder a mais aprofundadas actualizações em matéria doutrinária e jurisprudencial? Tentarão usar diferentes critérios de agendamento do trabalho, designadamente julgamentos e diligências, e diferentes métodos de gestão do tempo, com vista a lograr proceder, no tempo "normal" de serviço, ao trabalho a que procediam durante as ditas férias?
Muitos sim,apesar do desalento, estou convicta - ora Leia-se (na íntegra aqui) este DESABAFO de uma juiz:

"Profundamente magoada. Profundamente desencantada.
E profundamente desalentada.

(...)ao fim de apenas 9 anos de carreira, nunca pensei ter acumulado tantas frustrações quantas as que já acumulei, quer no que tange às condições dadas para um exercício digno da profissão, como pelas injustiças cometidas em relação ao nosso desempenho e cuja resposta tem ficado sempre contida, e sempre tem sido por nós silenciada, em prol dum dever de reserva que acatamos escrupulosamente.
O reconhecimento do trabalho e dos esforços sempre foi um móbil para a produtividade e vontade de investir e ir mais além. E os juízes, enquanto pessoas humanas, não são excepção.
Hoje, sentada à secretária do meu gabinete, fora de horas, a despachar processos tenho a consciência de que estou a trabalhar apenas para mim e para os que recorrem à justiça, e para me sentir bem comigo mesma, para perante mim responder que não fiz mais nem melhor porque não me era possível."

Kamikaze (L.P.) disse...

Ó compadre, olhe que a discussão sobre este tema, aqui no Incursões, já deu para muito gente inflectir no discurso...e espero que mesmo no pensamento :)

Primo de Amarante disse...

Mas esse é o objectivo de qualquer debate, desde que respeite os princípios: 1º-«a todo o falante só é licito afirmar aquilo em que ele próprio acredita, 2º - quem atacar um enunciado ou norma que não for objecto da discussão tem que indicar uma razão para isso.» in: Habermas."Consciência moral e agir comunicativo" p.111
Em relção às frustrações, cada um de nós na sua profissão as terá sentido. E isso é um bom sinal. Na verdade, ter uma profissão não é só dar testemunho de um saber e de uma competência, mas também desempenhar uma função social, respondendo pela capacidade de satisfazer princípios e valores que a sociedade espera do exercicio da nossa profissão. E é na resposta a essas expectactivas sociais que a dignidade de uma profissão se protege. No meu ver, a frustração maior é sentirmo-nos parte de uma classe que desperdiça o capital de esperança criado no reconhecimento social de uma profissão. Concordará comigo! Hoje, no "Público", o António Barreto tem um artigo que diz (de uma forma superior) o que eu penso.

Primo de Amarante disse...

O Nicodemos colocou o seu comentário antes do meu. Para esclarecimento, referí-me no comentário anterior ao que foi dito por Kamikaze.

Primo de Amarante disse...

Deixemos, então, no plano da controvérsia pública, as férias e vamos ao mais importante. Plenamente de acordo.
Porra!... Já estava cansado de tantas férias!

Primo de Amarante disse...

Um grande abraço, então.