09 maio 2005

O PROBLEMA ESSENCIAL NÃO ESTÁ EM TRABALHAR MAIS, MAS EM TRABALHAR MELHOR!

O impacto das férias judiciais nas demoras da justiça foi uma das questões que me foram colocadas, em Outubro de 2000, numa entrevista que então dei ao semanário “Jornal de Coimbra” e que, a propósito do actual debate, fui reler.
Foi esta a resposta:
“(...) nos estudos que têm sido feitos sobre a morosidade da justiça no nosso país, sobre os factores de bloqueio ao andamento dos processos, as “férias judiciais” não aparecem nem no elenco das causas nem no capítulo das soluções.
As “férias judiciais” (...) encontram explicação em características próprias da prática forense (não esquecendo, também neste aspecto, a advocacia) e inserem-se num modelo de organização do funcionamento dos tribunais que assenta numa grande disponibilidade profissional dos magistrados. Modelo que tem, também, contado com essas pausas à sua actividade plena, e ainda com o trabalho de magistrados e funcionários de justiça durante esses períodos de tempo (porque “férias judiciais” não é igual a tempos de férias de quem trabalha nos tribunais!), como factores de descongestionamento do sistema. Só faz sentido ponderar a questão das “férias judiciais” em conjunto com outras de que não pode ser dissociada, como sejam a organização, os métodos, os meios, os tempos e a quantidade de trabalho, e as condições que garantam um espaço de actualização profissional e a efectivação da formação permanente dos magistrados”.
Mantenho exactamente a mesma opinião!
Na recente decisão do Governo quanto às “férias judiciais” não me preocupa a redução do seu período, nem tão-pouco os meus direitos laborais, nomeadamente o direito a férias, pois terão de ser obviamente garantidos.
Preocupa-me que continue a vingar a abordagem do sistema de justiça como um sector cuja chave da produtividade e eficácia estará na utilização de “mão-de-obra intensiva”. Esta é a lógica do modelo vigente, é a lógica das medidas do Governo, é a lógica da anunciada “greve de zelo”.
Se é de “produtividade” que se trata (não há que ter medo de pôr os nomes às coisas!), para quando o tratamento a sério das questões da organização judiciária, dos métodos de trabalho nos tribunais, dos meios adequados ao cumprimento das suas funções, das competências e responsabilidades dos vários participantes e intervenientes no processo, da gestão dos recursos humanos e da sua tão desprezada quanto necessária qualificação?
No nosso anquilosado sistema de justiça, o problema essencial não está em trabalhar mais, mas em trabalhar melhor!

4 comentários:

josé disse...

Subscrevo integralmente. As férias judiciais são a parte mais imediata, mais fácil e mais mediática para o Governo mostrar a vontade de resolução do problema da morosidade processual.

É também uma forma de poder dizer depois que "estão a trabalhar" e que as "corporações" não os deixam trabalhar. O Governo, ou seja, os ministros directamente responsáveis por esta(s) medida(s) sabia que havia oposição das corporações a esta medida reducionista de um privilégio(!!) que são as férias.
Nesta lógica matam dois coelhos com uma cajadada: o coelho da imagem laxista que se lhes cola habitualmente, ao mostrarem que estão dispostos a mandar outros trabalhar em prol da produtividade; e o coelho da resistência aos "lobbies" que é pecha antiga e que querem mostrar à populaça que é treta!

Faltam ainda outros coelhos, alguns lentos e anafados e mesmo assim não os apanham...

Primo de Amarante disse...

Parabéns pela forma como está a ser colocada a questão das férias judiciais. Se o problema tivesse sido assim tratado (e não com a superioridade do sorriso feita na TV pelo representante do SM) talvez a sondagem que hoje é publicada no Correio da Manhã não tivesse os resultados que dão.
Hoje, garantiram-me que um dos candidatos à Câmara de Amarante (o que está condenado por crimes de peculato e abuso do poder) tem já garantida a sua eleição (pelo menos nas últimas sondagens). Não há funeral onde ele não apareça, missa onde ele não esteja presente, associação que não tenha uma oferta sua e quem quiser andar de helicóptero tem a sua oferta de um voo. Entretanto, quando lhe perguntam pelo desfecho da sentença, ele responde que o seu advogado fará todos os recursos possíveis e impossíveis e que se vier alguma condenação, esta só aparecerá lá para o ano três mil. Falar de férias judiciais sem ter em conta casos como o do futuro regedor de Amarante não poderá cair bem. O post de Rui do Carmo, tal como diz José, evitou a "ratoeira" e colocou a questão onde ela deveria ser colocada. E dignificou uma instituição que deverá constituir o capital fundamental da coesão social. Parabéns!

Kamikaze (L.P.) disse...

"Parabéns pela forma como está a ser colocada a questão das férias judiciais." - também subscrevo! Mas este post soube-me a "aperitivo"! Para quando a "pièce de résistence"?

assertivo disse...

Post de Francico Bruto da Costa no Ciberjuristas, 6 de Maio: Ainda as férias judiciais - a inabilidade do Governo